Nelson Faria
Em um contexto de recursos escassos e desafios crescentes, o Plano de Atividades e Orçamento Municipal (PAOM) não pode ser reduzido a um mero ritual burocrático, destinado apenas a cumprir formalidades legais e ser aprovado em assembleia. Pelo contrário, deve transcender essa visão superficial para se afirmar como um verdadeiro instrumento norteador da ação pública, capaz de orientar decisões efetivas, bem planeadas, executadas e controladas.
Em Cabo Verde, onde as autarquias locais enfrentam limitações financeiras e pressões sociais intensas, o PAOM representa o coração da governação municipal, influenciando diretamente a qualidade de vida dos munícipes e o desenvolvimento sustentável das comunidades. Interpretá-lo como um mero requisito formal é desperdiçar uma oportunidade de planeamento coletivo e de proteção do futuro comum.
Em primeiro lugar, o PAOM deve nascer de diagnóstico e de critérios técnicos claros. As opções de investimento e de despesa têm consequências imediatas (qualidade de serviços, manutenção de infraestruturas, emprego local) e de longo prazo (sustentabilidade financeira, património, coesão
social). Por isso, todos os projetos, assim como as ações, carecem de sustentação técnica, metas mensuráveis, cronograma de execução e fontes de financiamento.
Em segundo lugar, o instrumento exige mecanismos de execução e de controlo substantivos que confiram segurança razoável. O orçamento deve ser acompanhado por sistemas de monitorização, como indicadores de desempenho, relatórios trimestrais, auditorias internas e externas, que permitam medir a execução e corrigir desvios em tempo útil. A Câmara, enquanto órgão executivo, tem a responsabilidade de traduzir o planeamento em ação na sua vertente executiva, a Assembleia Municipal deve exercer um controlo político informado, e, sempre que possível, as decisões técnicas devem ser registadas publicamente, com a fundamentação que permita escrutínio.
Um terceiro aspeto, relevante na minha perspetiva, é a legitimidade democrática, onde os munícipes não devem ser vistos como meros destinatários dos resultados, mas titulares de direitos na formulação das políticas locais. O Regime das Finanças Locais prevê esse carácter participativo, no seu art.º 39, onde indica que a proposta de orçamento deve ser apresentada pela Câmara à Assembleia Municipal, exposta nos Paços do Concelho para consulta pública por pelo menos dez dias e depois aprovada pela Assembleia dentro dos prazos legais (apresentação até 25 de agosto e aprovação até 20 de setembro, com publicação posterior). Estas disposições consagram o direito à consulta prévia e à transparência que permitem ao cidadão influir e fiscalizar.
Finalmente, se os munícipes exigirem participação efetiva, utilizando os instrumentos legais de consulta, requerendo esclarecimentos, acompanhando a execução e recorrendo aos mecanismos de fiscalização, o PAOM passa de um ato administrativo a um processo de governação partilhada. As autoridades locais têm o dever de facilitar esse envolvimento, proporcionando informação clara, tempos e espaços para discussão e respondendo publicamente às contribuições recebidas. Só assim o orçamento será verdadeiramente uma ferramenta de desenvolvimento municipal e não um fragmento de política curta-prazo.
Para concluir, um orçamento do coletivo não tem de visar servir partes, não deve conter aproveitamentos nem oportunismos, particularmente os que se baseiam em emoções do contexto ou em ligações às paixões partidárias. Na minha perspetiva, a boa aplicação dos parcos recursos disponíveis deve ser sempre feita com base racional, com diagnóstico prévio, prioridades claras, transparência, controlo e participação. É essa prática que transforma o Plano de Atividades e o Orçamento Municipal num instrumento de governação positiva e sustentável para todos.