Pub.
Social
Tendência

Enfermeiros denunciam situações precárias nos diversos escalões no HBS 

Falta de pessoal, sobrecarga de trabalho e subemprego

Pub.

Enfermeiros que prestam serviço no Hospital Dr. Baptista de Sousa denunciam, num exclusivo Mindelinsite, várias situações que consideram precárias, resultantes da falta de pessoal, da sobrecarga de trabalho e do subemprego. Dizem que muitos destes profissionais sequer possuem um contrato físico, apenas verbal com a direção deste estabelecimento hospitalar. A Ordem dos Enfermeiros está a par de todas estas situações, igualmente o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública, que, aliás, já marcou uma conferência de imprensa para terça-feira, 31, para anunciar um pré-aviso de greve do pessoal do sector da saúde, incluindo a classe dos enfermeiros. 

De acordo com os enfermeiros, estas situações decorrem essencialmente do vínculo laboral, sendo que, no caso do pessoal de quadro, faltam profissionais, há uma sobrecarga de trabalho e muitos estão em condição de subemprego. “Temos enfermeiros com uma carga horária mensal de 140 horas, com mais oito a 10 horas de velas (turnos das 20 às 8h). São profissionais que estão sem cobertura do Instituto Nacional de Previdência Social e que não podem reclamar, sob pena de sofrerem represálias e ameaças de cessação do contrato. E auferem o salário base de enfermeiros, quase sempre com atraso.”  

Publicidade

Relativamente ao pessoal contratado pela direcção do HBS, afirmam, a situação é ainda mais grave porque sequer possuem um contrato de trabalho fisico, apenas verbal. “A carga horária é também de 140 horas, com oito a dez horas de velas. Auferem o salário base, que nunca é pago a tempo. Recebem só quando a direção entender, chegando a dobrar o mês e, por vezes, até mais. Também não têm cobertura do INPS, mas fazem os descontos todos os meses, não podem ficar doentes por muito tempo e nem reclamar, caso contrário são ameaçados de despedimento. A direcção alega que aceitaram previamente as condições e podem encontrar outros no mercado dispostos a trabalhar.”

Estes enfermeiros realçam, por outro lado, que quando ultrapassam a carga horária contratualizada o tempo deveria ser pago como horas extraordinárias. Em vez disso, a direcção do hospital promete recompensá-los com folgas, que quase nunca acontecem devido a “gritante” falta de pessoal. “Os enfermeiros-chefes de serviço fazem o que podem, prestando um bom serviço público e garantindo a coesão da classe. Mas muitos estão a acumular turnos que podem ser considerados incompatíveis”, reforçam as nossas fontes, citando o exemplo de alguns responsáveis que fazem oito a 10 horas de velas. 

Publicidade

Dão cobertura nas lacunas da escala de serviço e contabilizam para o efeito financeiro, o que se pode considerar ilegal.  Como é possível uma pessoa passar 10 noites de serviço e estar 10 dias seguintes a trabalhar até as 15h? É um risco para a saúde do pessoal e as chances de prestar um mau serviço são elevadas, tantos para os enfermeiros e pior para as chefias que ficam sem tempo para organizar e prestar um bom serviço, colocando em causa a qualidade dos cuidados prestados”, acusam. 

Em alguns casos, dizem, estas chefias chegam a receber até três vezes o salário base. E são pagas regularmente, enquanto os contratados sempre estão com os salários em atraso. Entretanto, as autoridades de saúde vão adiando o concurso para recrutamento do pessoal com contratos ilegais.

Publicidade

Problemas antigos

O presidente da Assembleia da Ordem Regional de Enfermeiros reconhece que esses problemas denunciados agora pela classe de enfermagem são antigos, ou seja, arrastam-se há muito tempo. Infelizmente, defende Carlos Feliciano, a paciência do pessoal esgotou-se. “O problema é que muitos enfermeiros foram para a reforma e não foram substituídos. E os reformados são pessoal com experiência e que antecipavam os problemas. E não houve qualquer medida compensatória ou preparativa quando isto aconteceu. Os novos que estão a iniciar agora precisam ganhar calos e na enfermagem é complicado. Temos ainda o caso de enfermeiros que já atingiram o direito de reforma, cujos processos estão a ser retardados. São muitos problemas, mas a tutela não faz nada”, desabafa.

Para este responsável, a questão ganhou outros contornos com o surgimento das clínicas privadas em S. Vicente, que oferecem melhores condições de trabalho e salários atrativos para os enfermeiros. “Neste momento, muitos enfermeiros trabalham, em simultâneo, no público e no privado. Mas o problema não é de fácil resolução, nem para quem dirige o HBS e muito menos para os enfermeiros que estão a sofrer na pele com horários incomportáveis. A Ordem tem estado em contacto com a Superintendente de Enfermagem e temos acompanhado toda a situação. Sei que precisam fazer uma escala 24h-24h e não há pessoal suficiente para tapar os buracos”, confessa Carlos Feliciano.

Tudo isso, do ponto de vista do presidente da Assembleia da Ordem, acaba por afectar ainda mais a imagem do HBS, que já está muito mal vista na sociedade. “É complicado colocar um enfermeiro para trabalhar tantas horas, e sem muitas condições. Podem cometer erros e, na área da saúde, é complicado”, indica, evocando, como exemplo, a morte dos bebés no Serviço de Neonatologia. Na altura, diz, focou-se apenas nas mortes, que foram mais chocantes, inclusive com o Presidente da República a pedir esclarecimentos, mas o problema não era novo. “Temos um hospital remendado, o que levanta problemas de circuitos. E estão agora a remendar mais um pedaço na rua dos Salesianos. Precisamos de um de raiz, com referências arquitetónicas obedecendo regras pre-estabelecidas. E tudo isso resulta no problema societário, e quem paga na verdade são os enfermeiros.”

Pré-aviso de greve

Sobre estas questões, o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP), por intermedio de Luís Fortes, explica que auscultaram há pouco mais de uma semana cerca de 40 enfermeiros de São Vicente e estão em movimentação, a nível nacional, para preparar uma greve dos profissionais de saúde. Na sequência também reuniram-se há uma semana com a Ministra da Saúde, onde foram expostos todos os problemas que afligem o sector, incluindo os da classe de enfermeiros. 

Infelizmente, o encontro com a ministra não teve qualquer resultado porque ela não se comprometeu em nada. Neste momento, estamos a trabalhar em sintonia com o Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Todas as suas reclamações e reivindicações forma analisadas na reunião com estes profissionais e estão em pauta. Algumas são de resolução local, pelo que se vão encontrar com a administração do HBS para debater e encontrar possível soluções. Os restantes são da responsabilidade da tutela”, diz este dirigente sindical, que pretende anunciar amanhã, em CI, um pre-aviso de greve abarcando todo o sector da saúde, incluindo as classe dos enfermeiros

Confrontada com as denúncias feitas por enfermeiros que prestam serviço no Hospital Dr. Baptista de Sousa, a direcção deste estabelecimento hospitalar prometeu reagir, devidamente fundamentada, pelo que prometemos retomar o assunto, logo que isso acontecer. 

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo