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Mais de uma década de Electra Norte – What´s next?

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Por: Marco Cruz

O setor de eletricidade e água é dos mais estratégicos e nevrálgicos de um país. Em 2011, o então Governo decidiu reestruturar a Electra SARL e concedeu autorização para que a mesma criasse duas filiais – Electra NORTE e Electra SUL –, as quais delegaria suas competências na produção, distribuição e comercialização de Eletricidade, e também de água em algumas ilhas.

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Coube a Electra Norte cobrir 4 ilhas – Santo Antão, São Vicente, São Nicolau e Sal – e à Electra Sul a jurisdição sobre Santiago e as restantes ilhas, com excepção da Boa Vista. Foi uma decisão de descentralizar a gestão operacional da ELECTRA e permitir – principalmente – que a Sul do país houvesse uma gestão própria e mais próxima do setor elétrico na Cidade da Praia, o qual passava por problemas graves de desempenho a nível técnico e económico/financeiro, com cortes de energia, perdas elevadas na rede elétrica (muitas atribuídas a roubos e fraudes de eletricidade) e problemas de tesouraria.

Com uma gestão própria com a Electra Norte, o setor elétrico das ilhas mais a norte, com muito menos problemas que a realidade a Sul, teria também a chance de consolidar os ganhos dos anos anteriores e melhorar ainda mais os indicadores de desempenho na produção e distribuição de eletricidade e água.

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Ainda que o setor elétrico apresente muitos problemas e desafios (a Electra é das empresas mais reclamadas, segundo a ADECO), é relevante destacar alguns pontos positivos do percurso da Electra Norte, após mais de uma década de existência e aproveitando o momento em que se materializa o decreto da sua extinção. Considerando os dados disponíveis de 2013 a 2022 realço: a Electra Norte produziu 185 GWh de eletricidade em 2022, um aumento de produção de 251% em 10 anos e uma fatia de 40% de toda a eletricidade produzida pela Electra a nível nacional; as durações e frequências das interrupções estão muito abaixo de 2013; as perdas de eletricidade situam-se nos 11.5% (muito abaixo dos 33% da Electra Sul); a penetração de energia renovável na sua rede é de 23% (acima da média nacional de 17%); e registou em 10 anos um resultado líquido acumulado positivo de +12.7 milhões de Euros.

De facto, diante destes dados, e após este percurso de mais de 10 anos, o balanço é bem positivo para a Electra Norte. Os seus trabalhadores, colaboradores e empresas parceiras devem ter um sentimento geral de trabalho feito e dever cumprido. E a satisfação e alívio podem ser ainda maiores se compararmos estes números com os conseguidos pela Electra Sul, francamente abaixo dos conseguidos pela Electra Norte e em muitos pontos decepcionante e alarmante.

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Perante esta constatação, a Electra Norte merecia uma promoção e não um despedimento (sua extinção). No entanto, é importante notar que esses números poderiam ser ainda melhores se a empresa não tivesse sido privada dos lucros anuais (usados para socorrer a Electra Sul), que poderiam ter sido investidos na melhoria de sua gestão e infraestrutura, treinamento de funcionários, atendimento ao cliente e implementação de sistemas de qualidade. É estranho que uma empresa com lucros anuais consistentes tenha dificuldades em atender a solicitações de ligação elétrica, apresente ruturas de estoque recorrentes de contadores e leve muito tempo para a colocação e substituição de uma lâmpada pública.

What´s next, Electra Norte? A melhor direção e o que melhor beneficiaria os clientes da Electra Norte seria o de manter a região Norte como uma jurisdição independente e com uma gestão descentralizada e aceitar que a Electra Norte evolua para uma divisão em duas empresas, a Electra- Produção Norte e Electra-Distribuição/Comercialização Norte.

Os ganhos com esta opção seriam ainda mais promissores para o setor regional norte: aceleração da transição energética, atração de investimentos de nacionais e estrangeiros, melhoria substancial do serviço prestado, contenção de subida de tarifas e uma maior robustez do setor energético regional norte.

A região Sul poderia manter a sua gestão regional própria ainda que com uma nova estrutura, similar ao que propõe o governo – produção, distribuição e/ou comercialização – que lhe permitisse sair do enorme problema que se transformou o setor elétrico em Santiago. Se não vejamos: a Electra Sul, embora tenha aumentado a produção de eletricidade e água de forma expressiva nestes mais de 10 anos, os seus resultados são desastrosamente maus. As perdas elétricas continuam insustentáveis e atingem 33% do total de eletricidade produzida (as perdas elétricas na Electra Sul é equivalente a metade de tudo o que a Electra Norte produz).

Este é o ponto central do setor elétrico de Santiago (Fogo, Maio e Brava apresentam perdas muito menores). Em dez anos a Electra Sul não conseguiu um único resultado positivo e acumulou resultados negativos na ordem dos 83.7 milhoes de Euros (em 2022 foi mais de um milhão de contos de prejuizo). O setor elétrico gerido pela Electra Sul é um negócio falido e insustentável, no qual todos os anos os contribuintes cabo-verdianos têm de cobrir o rombo colossal nesta empresa.

A proposta do governo de unir as regiões e centralizar a gestão é questionável e, diria, um erro estratégico. O caminho acertado e inteligente é o de continuar com administrações descentralizadas e independentes em duas regiões, permitindo soluções de longo prazo para os problemas em Santiago e as ilhas a Sul e, ao mesmo tempo, conceder que o setor regional norte tenha dinamismo e iniciativa própria para avançar e inovar.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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