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Moi, je refuse…

...em nome do mesmo sangue generoso derramado e que corre também nas veias de todos nós, em homenagem ao dia das mães!

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Por: Américo Medina

Em Cabo Verde, no passado dia 02 do mês de Abril, numa estrada pública, num “camião-sucata” e de caixa aberta – dizem pertencer às FACV -, que transportava mais de 30 pessoas, morrem, de um golpe, 08 jovens mancebos. Passado todo esse tempo, nada aconteceu. Que se saiba, apenas oito cerimónias fúnebres, uns quantos discursos de ocasião, uma fastidiosa repetição de frases feitas, anúncios de pagamento de pensões, juras de amor aos quartéis e promessas de ações políticas alvejando prestigiar as FACV…, Incroyable!!

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Recuso a placidez da Procuradoria-Geral da República e autoridades policiais frente a uma tragédia de tamanha proporção, bem como a opacidade no tratamento da ocorrência que favorece um sentimento de uma sinistra anomia jurídica e moral que está povoando os peitos de todos nós, quando conjugamos isso com outros fenômenos por aí em desenvolvimento!

Recuso esse conveniente e excessivo low profile por parte das autoridades competentes, em que o protagonismo e responsabilidades forenses, de investigação criminal, peritagens etc., são ilegitimamente “endossadas” às FACV que deveriam, sim, serem objeto de um inquérito-crime por parte da PGR. Afinal, reza a nossa Constituição da República que é o Ministério Público o titular da ação penal. Ora, serem as FACV, o figurante principal neste processo de investigação desta trágica ocorrência, peritagens e apuramento da verdade e responsabilidades, é por demais repulsivo e visceralmente anticonstitucional, tanto mais que é toda a cadeia hierárquica a que pertenciam os malogrados mancebos que também deve ser investigada na sua relação com a missão incumbida aos malogrados militares e organização da mesma.

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Recuso os discursos de ocasião que inverteram o sentido e a hierarquia das prioridades arrogadas, em que a necessidade e preferência de responsabilização disciplinar, técnica, moral, política e criminal, decorrente de uma tragédia de tamanha envergadura, foram expressamente preteridas; onde as circunstâncias, o contexto e a condição militar das vítimas é vergonhosamente omissa por parte de quem se esperava uma inequívoca asseveração em se apurar as responsabilidades dessas mesmas partes envolvidas, para focarmos em ações futuras que prestigiam as prestigiadas FACV.

Recuso os anúncios extemporâneos, obscenos e despudorados sobre pensões e indemnizações, quando, ainda, todos estávamos tentando perceber o como, as circunstâncias, a amplitude da catástrofe … (!) – para, passados os momentos de comoção mediática e da onda inicial de solidariedade, os familiares das vítimas serem esquecidos (parece!) e, hoje, solitários se encontrarem, envoltos numa dor e luto que já poucos vêem e, muito menos, sentem!

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Recuso aceitar, em nome do respeito e memória das vítimas que, passados mais de trinta dias sobre a fatídica ocorrência, a instituição que devia estar, por quem de direito, a ser alvo de um inquérito-crime, nos venha dizer que os prometidos resultados, que antes deviam ser apresentados em 15 dias, não o são, por falta de expertise nacional para avaliação das evidências e circunstâncias! Da parte da autoridade que é a detentora da ação penal, logo, que detém a competência e a obrigação de abrir, por impulso próprio, o correspondente inquérito-crime, nenhuma palavra, nenhuma informação, nenhuma satisfação pública, 0 (Zero)!

Noutras latitudes, ocorrências envolvendo militares em treino, exercícios ou missões, com perdas de vida ou não (Portugal, por exemplo), paralelamente aos inquéritos levados a cabo pelas FA, autoridades judiciárias militares, a PGR abriu sempre e, em paralelo, inquéritos-crime para apuramento de eventuais responsabilidades criminais:

1. Em 2016, numa prova de Curso de Comandos em Alcochete, Portugal, dois (2) instruendos morreram, não numa estrada, mas dentro de perímetro militar. O que sucedeu(?), a PGR abriu imediatamente um inquérito-crime, tendo, de entre outras, acusado um Coronel das FA de falsificação de documentos;

2. Em 2022, 6 (seis) alunos de um Curso de Comandos em Portugal passaram mal durante a formação tendo sido hospitalizados. Nenhum perdeu a vida! Entretanto, a PGR abriu imediatamente um inquérito para apuramento das responsabilidades, paralelamente ao processo de averiguações mandado instaurar pelo exército português;

3. Ainda em 2022, a PGR de Portugal, abriu um inquérito-crime, devido à ocorrência de paragens cardiorrespiratórias de 2 (dois) instruendos de um Curso de Comandos, no Quartel da Carregueira, em Sintra! Ninguém morreu.

4. No dia 02 de Março do corrente ano, a PGR portuguesa abriu um inquérito-crime, na sequência de uma explosão que resultou na morte de um sargento das FA, num campo militar!

Algumas questões se nos colocam, inexoravelmente. Por exemplo:

a) Será que a Polícia Nacional, através dos serviços de Trânsito, como é seu dever, fez um/o competente boletim da ocorrência?

b) Quem providenciou e supervisionou o levantamento da viatura acidentada?

c) Terá esse levantamento obedecido e, por outro, sido feito de acordo com os princípios técnicos forenses e da técnica criminal?

d) Onde estão guardados os restos da viatura acidentada e outros materiais de prova? Foram efectivamente preservados? Se sim, sob a responsabilidade de quem?

Ora, é precisamente da responsabilidade sobre o ocorrido que o país ansiosamente espera. Como decorre da simples observação empírica das circunstâncias da ocorrência que levou à morte trágica de 8 jovens militares, podemos concluir os seguintes: a) por um lado, não se dirigiam ao local do incêndio, na Serra Malagueta, senão em cumprimento de uma determinação superior; b) por outro, a viatura em que se faziam transportar parece que não reunia as condições mínimas exigíveis para semelhante tarefa!

Sendo assim, e por as Forças Armadas se tratarem de uma instituição rigorosamente hierarquizada, temos que necessariamente perguntar se as hierarquias superiores não estavam obrigadas a prever o risco de grave acidente a que esses mancebos estavam sujeitos, e que, lamentavelmente viria a suceder-se. Se assim é, a quem tinha a obrigação de não criar ou, então, de afastar esse risco absolutamente proibido, do qual viria a concretizar-se nesses, repetimos, trágicos 8 (oito) mortos e outros quantos feridos graves, dizíamos, por essa omissão, deve-lhe ser objectivamente imputado esses resultados à sua conduta omissiva.

Finalmente não se compreende o, diríamos, ensurdecedor silêncio do Ministério Público, mais concretamente da Procuradoria-Geral da República, no sentido de mandar proceder às competentes averiguações criminais, de modo a se apurar as acima referidas responsabilidades criminais.

E, definitivamente, estranho seria ainda se, decorrente de tudo isso, não fossem assacadas as responsabilidades políticas que lhes subjazem. As famílias, os amigos desses malogrados, a sociedade cabo-verdiana de um modo geral, aguardam pela justa reparação por esses factos passados. Só com a responsabilização, sob todos os planos, e a sua assunção a JUSTIÇA, pela qual os familiares e a sociedade reclamam, será feita.

É esse atual e inaceitável estado das coisas a vários níveis nesse país, o tal “…estado a que chegamos…” em que as dificuldades, as derrapadas, os conflitos não resolvidos tornaram-se regra, não nos deixa outra alternativa que não seja o caminho da indignação, da recusa, da resistência e não omissão!

Alguns, já vencidos pelo cansaço e desânimo, declararam publicamente nas redes sociais o luto, para eles o país morreu, grave!

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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