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Como são eleitos os Presidentes das Câmaras Municipais em Cabo Verde?

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Por: Júlio Faria*

Tendo em conta a questão acima colocada, o raciocínio mais lógico seria recorrer à Constituição da República de Cabo Verde, para ver se efectivamente há algum preceito que determina claramente o modo de eleição. Mas, fazendo uma análise detalhada da nossa lei mãe, admite que em relação à eleição do Presidente da República e dos Deputados Nacionais há uma maior clareza, assim sendo resta-nos a única possibilidade de fazer alusão ao artigo 234.º n.º 1 sob epígrafe “organização das autarquias”, que admite o seguinte:

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A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita, com poderes deliberativos, e um órgão executivo colegial responsável perante aquela.

Como se pode concluir, o preceito faz menção à Assembleia Municipal e do órgão executivo colegial que trata efectivamente da Câmara Municipal, que é o colectivo dos Vereadores em que o número pode variar tendo em conta o Município em causa, mas em momento algum refere ao órgão executivo singular, neste caso concreto o Presidente da Câmara Municipal. Então o que é que o Código Eleitoral diz a respeito deste assunto?

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Fazendo uma análise minunciosa do Código Eleitoral deparamos com o artigo 433.º, que determina o critério de eleição, admitindo o seguinte:

  1. A conversão dos votos em mandatos para o órgão deliberativo municipal faz-se em obediência ao método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, nos termos aplicáveis a eleicão dos deputados.
  2. A conversão dos votos em mandatos para órgão executivo colegial municipal, faz-se nos termos do n.º 1, salvo se uma das listas concorrentes obtiver a maioria absoluta dos votos validamente expressos, caso em que lhe será conferida a totalidade dos mandatos.

Aqui também podemos deparar que os preceitos acima citados fazem alusão ao órgão deliberativo (Assembleia Municipal), bem como ao órgão executivo colegial (a Câmara Municipal, constituida pelo colectivo de Vereadores), mas em momento algum faz menção como é que se elege o órgão executivo singular, neste caso o Presidente da Câmara Municipal.

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Então como é que se elege o Presidente da Câmara no ordenamento jurídico cabo-verdiano?

Por surpreendente que possa parecer, actualmente, o sistema eleitoral de presidente da Câmara Municipal não se encontra expressamente prevista na lei, e a omissão constitui um caso verdadeiramente singular no direito cabo-verdiano. Para melhor se compreender a situação actual iremos proceder a uma breve evolução das normas relativas ao sistema eleitoral do presidente da câmara.

Após a realização das eleições legislativas de 1991 foi necessário alterar a legislação eleitoral municipal e o n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 122/91 de 2 de Setembro, estabeleceu o seguinte: é eleito Presidente da Câmara o primeiro candidato da lista mais votada para a câmara municipal, ou no caso de vacatura, o que lhe seguir na lista. Assim o n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 118/IV/94 de 30 de Dezembro, lei eleitoral para órgãos municipais, manteve expressamente a solução de 1991. Silva (2020, p. 498-499).

Ora vejamos, se a Lei n.º 118/IV/94 de 30 de Dezembro revogou o Decreto-Lei n.º 122/91 de 2 de Setembro mantendo ipsis verbis o preceito para eleição do órgão executivo singular (Presidente de Câmara), e a Lei n.º 92/V/99 de 8 de Fevereiro que trata efectivamente do Código Eleitoral revogou a Lei 118/IV/94 de 30 de Dezembro, não estipulando na letra da lei o modo de eleição do Presidente de Câmara, assim sendo o preceito acima mencionado não faz parte de nenhuma legislação, na medida em que nem o Código Eleitoral, nem a Constituição da República de Cabo Verde, estipulam a forma de eleição do Presidente da Câmara Municipal. 

Muitos questionam se porventura a Câmara Municipal (o celectivo de vereadores, que constituem órgão executivo colegial), ou o órgão deliberativo municipal (a Assembleia Municipal) podem eleger o Presidente da Câmara Municipal???

Sendo assim estariamos perante um modo de eleição dum órgão de poder político através de sufrágio indirecto. A Constituição da República de Cabo Verde não admite esta possibilidade, pois nos termos conjugados dos artigos 104.º e 290.º n.º 1 al. c, admite que “no exercício do poder político, o povo designa por sufrágio universal, directo, secreto, e periódico os titulares dos órgãos do poder político” e admite que “não pode ser objecto de revisão o sufrágio universal, directo, secreto e periódico para titulares dos órgãos de soberania e do poder local”, constituindo assim um limite material de revisão constituional, que trata da zona na Constituição que não pode ser alvo de revisão sob pena de estar a gerar uma nova constituição, uma nova organização política, ou mesmo um novo ordenamento jurídico.

Então, como se elege o Presidente da Camara Municipal? 

Admite o jurista Mário Ramos Pereira Silva que é pela via do costume como fonte de direito que se elege o Presidente da Câmara Municipal. E de facto o costume é uma fonte imediata de direito no nosso ordenamento jurídico. 

Mas, o Direito será todo ele escrito? A resposta é não.

Ao lado do Direito estadual escrito existe um Direito estadual não escrito, costumeiro ou consuetudinário. Um Direito que é fruto das pulsações diárias do grupo e da sociedade, sem a necessidade de intervenção do poder político do Estado.

O que é o Costume? 

O Costume pressupõe dois elementos essenciais. O uso, ou a prática reiterada – o usus (elemento material). E a convicção da obrigatoriedade da conduta que é objecto de repetição ao longo do tempo – a opinio juris vel necessitatis (elemento psicológico).

Os dois elementos são sempre necessários. O mero uso, só por si, é insuficiente para definir o costume. Pode existir o uso, sem que esse uso juridifique e crie Direito. O Direito é uma ordem imperativa dotada de coercibilidade, o que significa que toda a jurisdição passa pelo sentido do cumprimento do dever e implica que não se pode deixar de supor que a consciência da sanção decorrente do não acatamento da regra nasce da convicção de obrigatoriedade de certa conduta.

Como é que o costume se relaciona com a lei? 

Relaciona com dois pressupostos essenciais:

– A relevância do costume não depende do reconhecimento da lei;

– A relevância do costume não depende de uma efectiva aplicação coactiva.

Ou seja, o costume é uma forma autónoma de criação do Direito e não carece de beneplácito ou consagração legal e que subsiste independentemente dos Tribunais e a Administração Pública serem chamados a aplicá-lo, sancionando os seus infractores.

O costume é uma fonte de Direito que se situa ao lado da lei, ir para além da lei, ou opor-se a lei.

No primeiro caso fala-se do costume secundum legem, isto é o costume com o mesmo conteúdo que a lei. A conduta devida é adoptada não em função da lei que a impõem, mas do costume de conteúdo idêntico a essa lei, havendo convicção de obrigatoriedade de cumprimento desse costume.

No segundo caso fala-se de um costume praeter legem, ou costume que regula matéria não prevista pela lei.

No terceiro caso, fala-se de costume contra legem, ou costume de conteúdo oposto ao de lei anterior. 

Quanto ao costume contra legem, não lhe reconhece qualquer valor jurídico, não admite a possibilidade de a lei cessar a sua vigência por força de um costume que lhe é contrário. O texto do artigo 7º Código Civil é claro. Silva (2016, p. 1-2).

Tendo em conta o exposto chega-se a conclusão que o Presidente de Câmara Municipal em Cabo Verde é eleito pela força dum costume praeter legem que a lei nada admite em relação a esta matéria, de maneira que segundo este costume será o primeiro candidato da lista mais votada para a Câmara Municipal, ou no caso de vacatura, o que lhe seguir na lista, não por força da lei, mas sim por força do costume, e entrando no espírito da lei este cenário poderá acontecer nos termos do artigo 433.º n.º 2, 2ª parte do Código Eleitoral, caso a lista obtiver maioria absoluta ou maioria qualificada em que lhe será conferida todos os mandatos. Não havendo maioria absoluta nem maioria qualificada, e havendo uma maioria relativa nos termos da 1ª parte do preceito acima citado penso que a jurisprudência que também é uma fonte de direito deverá regular esta matéria, pelo simples facto dos mandatos serem atribuídos segundo à média mais alta de Hondt, evidentemenete que a Câmara Municipal será constituída de forma heterogénea do ponto de vista de partidos políticos, de maneira que em caso de vacatura do órgão executivo singular (Presidente da Câmara), deve avançar o cabeça de lista da segunda lista mais votada, que não será da mesma lista do Presidente de Câmara substituído.

*Jurista

Referências Bibliográficas

Ramos Pereira Silva, Mário: (2020). Código Eleitoral Anotado 3.ª Edição. Praia: Livraria Pedro Cardoso, Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais.

Silva, Anílson (2016) “Uso e Costume (Direito Estadual não escrito)” Aula Administrada no dia 09/12/2016, Espargos. 

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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