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Bailarino reconhecido na Europa, Zé Barbosa lamenta passar despercebido em Cabo Verde

O bailarino cabo-verdiano Zé Barbosa foi convidado pela UNESCO para fazer parte do elenco de cooperação do departamento de dança desta organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura. Nascido em S. Vicente e radicado em Portugal, o artista lamenta que seja reconhecido na Europa e praticamente desconhecido na sua terra natal. Zé Barbosa aborda neste contacto com o Mindelinsite a polémica sobre a origem da dança do Kizomba e afirma que ela não é nem angolana nem cabo-verdiana.

Zé Barbosa e o seu par, a esposa Marta Miranda, que habitualmente animam este evento com a dança do Funaná, foram convidados pelo Secretário Regional da UNESCO em Lisboa, que, segundo disse, lhes propôs uma “cooperação internacional”. Em entrevista ao Mindelinsite em Portugal, Zé Barbosa, um dos cabo-verdianos que mais tem divulgado o seu país em termos de dança a nível internacional, diz que pode vir a ser considerado um dos pontos mais altos da sua carreira ao nível de danças tradicionais de Cabo Verde e do Kizomba, caso aceitar o convite.

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“Para nós é já muito gratificante termos recebido este convite porque, se hoje em dia a dança do Kizomba e as danças tradicionais de Cabo Verde estão num patamar elevado, podem ter a certeza que isso tem um pezinho do Zé Barbosa” disse, deixando transparecer que está a ponderar questões de índole pessoal , familiar e profissional antes de dar a sua palavra.

Zé Barbosa, que se mostra orgulhoso da sua carreira, já ganhou muitos prémios internacionais mas lamenta, no entanto, o facto de ser conhecido em toda a parte do mundo com a sua arte e  “os cabo-verdianos e o Ministério da Cultura de Cabo Verde não se terem dado conta disto”. Homenageado em Portugal e Londres pelo seu trabalho – tendo ainda participado em festivais em Angola, Senegal, Polónia, Rússia, Irlanda, Espanha, Inglaterra e Dinamarca, entre outros países – disse estranhar a ausência do carinho e do desconhecimento das autoridades cabo-verdianas em relação ao seu trabalho em prol da cultura do arquipélago na diáspora.

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Autor de um DVD de ensino de dança, único produzido no mercado português e esgotado, sente orgulho em ser cabo-verdiano e deu conta do facto de levar todos os anos para o arquipélago o seu próprio evento. Trata-se do Festival de Kizomba e das Danças Tradicionais de Cabo-Verde – “Sabor de Cabo Verde” -, que já vai na sua oitava edição. O evento acontece sempre na Ilha do Sal, por ser a única no país que dispõe de infraestruturas hoteleiras capazes de acolher uma atividade de grande envergadura.

“São à volta de 150 pessoas de 16 países e alguns pares dos melhores professores das danças sociais, sobretudo do Kizomba, que passam totalmente despercebidos no meu país natal”, lamenta o bailarino, fazendo notar que é uma aliança entre a cultura e o turismo que tenta promover.

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Kizomba não é angolana nem cabo-verdiana

Quanto à polémica despoletada há algum tempo sobre as origens da dança Kizomba, Zé Barbosa, enquanto um dos maiores divulgadores do estilo em todo o mundo, foi peremptório em afirmar que o nome só ficou por parecer “mais engraçado” e disse discordar da teoria de que a dança é angolana. “Ela não é angolana e sequer cabo-verdiana, mas sim uma mistura das danças sociais que existiam em vários países africanos na altura em que se dançavam as músicas produzidas nas Antilhas como com os Kassav e outros grupos…” disse Zé Barbosa.

Este profissional apaixonado pela cultura cabo-verdiana desmitificou a questão de alguns angolanos que, no seu entender, quiseram apoderar-se da origem da dança, por se ter adoptado um nome tipicamente angolano para a identificação desse estilo que já estava a surgir. Zé Barbosa esclareceu, para defender a sua tese, com o facto de, num congresso em Angola, quando iam mostrar a forma como se dançava a Kizomba do antigamente, terem colocado a rodar uma música cantada por Mirri Lobo. 

“Fui ali e expliquei ao homem que aquilo era uma coladeira de Cabo Verde. Posteriormente colocou a rodar uma música do Gil Semedo e tudo aquilo era música de Cabo Verde dançada na passada, que nós dançávamos em Cabo Verde”, explicou Zé Barbosa, realçando que deve defender a cultura do seu país custe o que custasse. Este reforça a sua tese ainda no facto de o músico cabo-verdiano Grace Évora ter sido um dos principais impulsionadores do estilo de então, o Cola-Zouk/Cabo Love.

O nosso entrevistado deu conta ainda de o próprio Grace Évora numa altura ter afirmado que o Eduardo Paim, músico angolano, também um amigo e “excelente músico” – a quem, segundo ele, querem atribuir como o propulsor do género musical – cantar naquela altura outro género de música, ou seja o  Semba, tradicional de Angola.

“Nós os cabo-verdianos não precisamos ir para Angola para aprendermos a dançar” , frisou Zé Barbosa, que mantém uma relação de grande amizade e companheirismo com os angolanos, destacando o professor  “Petchú”  e outros colegas que têm vindo a divulgara a dança.

“Perseguido” pela dança

Este bailarino cabo-verdiano explicou que a dança o perseguiu desde que chegou a Portugal na medida em que se dedicava antes em Cabo Verde mais ao teatro, humor e artes plásticas, sendo também animador social.

Zé Barbosa, que tem a arte no seu ADN, chegou a Portugal através de um projeto denominado  “Preto no Branco”, na zona de Monte-Mor-o-Velho, que consistia no intercâmbio cultural com jovens de vários países europeus. Com o término deste projeto, foi para Lisboa.

Já na Capital lusa tudo começou com um convite da Associação Cabo-verdiana do Seixal para ministrar algumas aulas de dança tradicional. Depois foi para uma companhia brasileira, também em Lisboa.

A par com o professor Avelino, Wati Barbosa, Helio Santos, Kwendi Lino, todos cabo-verdianos – Zé Barbosa passou a andar por Portugal dando vida ao lema “Dançar de nôs manera”. Este bailarino explicou que posteriormente acrescentou o nome Kizomba, dai ter surgido a terminologia “Kizomba na Passada”, que hoje utiliza para distinguir o seu estilo próprio.

Zé Barbosa já acompanhou artistas como Tito Paris, Dany Silva, Bonga, e fez parte do elenco do júri de um dos maiores festivais internacionais de dança realizado em Lisboa – o “AfricaDançar”. Isto sem esquecer do festival “Andanças” levado pelas mãos de Tó Tavares, artista bailarino cabo-verdiano, hoje responsável do Centro Cultural do Mindelo.

“Foi a partir daqui que o meu nome se espalhou pelo mundo do Kizomba. Até hoje sou considerado um dos pioneiros da divulgação da Dança em si pela Europa, e não só ”, salienta o artista, que enfrentou muitas dificuldades para se impor. Acabou por apostar nas danças tradicionais de Cabo Verde – como Kola Sanjon, Mazurca, Landum, Coladeira, Batuco e Funaná e as pessoas começaram a adorar esses estilos por serem animados. Assim, em todos os festivais internacionais que participa faz questão de dançar e ensinar a sua cultura.

Segundo Zé Barbosa, teve uma infância “difícil”, não em termos materiais, mas sim ao nível do afecto. Deu a entender que, quando se é muito novo e perde-se a mãe, esse acontecimento provoca marcas profundas. “O nosso amparo foi o nosso pai e a nossa grande família. Nunca nos deixaram faltar nada a mim e aos meus irmãos, até que decidi mais tarde abandonar os estudos e ir trabalhar porque já não queria que o meu pai continuasse a pagar-me os estudos”, indicou Zé Barbosa com a voz um pouco embargada.

João A. do Rosário

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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6 Comentários

  1. Kizomba ou passada já se dançava em Angola nos anos 70 e é um estilo genuinamente Angolano. Foi trazido e divulgado em Cabo Verde através dos Angolanos/Caboverdianos que vieram ou regressaram ao país pós independência.

  2. Assim dizem meu caro, pois em angola não foi isso que ouvi, se falares do merengue e semba tudo bem , tem tudo a ver , mas meu caro a passada não tem nada aver , é a mesma pergunta … É O OVO OU A GALINHA?

  3. Nao estou sendo racista aqui so para dizer que os angolanos sairam agora… sempre viveram a sombra dos cv na Europa. Agora eles sao mais extrovertidos ai o bicho pegou e cv levou um pe na bunda

  4. Bom!!! Sou CABOVERDEANA de raíz vê no meu tempo em cabo verde esta dança que os angolanos dizem-se:oriondovde Angola chamava-se passada que hoje é conhecida por kizomba, por isso digo que esta dança é CABOVERDEANA , até porque era dançada com músic chada cola zuk, que era e é, tocada e cantada pelos grandes artistas caboverdeanos/as por este mundo fora e que por sinal faz grande sucesso em Angola.
    Proto falei

  5. Sou Cabo-verdiano a viver em PT, já lá vai algum tempo, sempre acompanhei a trajetória do Zé entre outros professores oriundos de CV, e o trabalho que o Zé tem feito até aqui é de louvar, mas não ser reconhecido em CV não é de estranhar pq só reconhecem o que lhes interessam. Agora a Kizomba já é Angolana, no início não tinha interesse a origem, não dava dinheiro. Abraço Zé.

  6. Muito obrigada por este artigo, o Zé é o grande artista, na verdade.
    Mas vocês enganaram-se no nome do Kwenda Lima, outro grande artista cabo-verdiano.
    E o Avelino (Chantre) também é um professor e dançarino a quem respeito e admiro.
    Abraços da Rússia 🇷🇺

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