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“Nha Joana”, moradora da Ribeira Bote, festejou 100 anos, com muita lucidez e pés firmes no chão

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Joana Antónia Jesus, ou simplesmente “Nha Joana”, residente na zona da Ribeira Bote, celebrou na noite de ontem a idade mágica de 100 anos, rodeada pelos filhos, netos, bisnetos e de muitos amigos. Muito lúcida e com os pés firmes no chão, esta centenária justifica a sua longevidade com a boa genética familiar – o pai faleceu com 114 anos e a mãe com 108 -, muito trabalho pesado e um quarto e meio de vinho tinto que bebe todos os dias, antes de dormir.

Nascida em Manuel Lopes, Santo Antão, a 15 de maio de 1923, “Nha Joana” conta que veio para São Vicente em meio ao rebuliço da independência de Cabo Verde, em 1975. Na altura, já era mulher feita e mãe. “Um tio faleceu e deixou-me uma casinha. Paguei o funeral e fiquei com a casa, que ficou entretanto ficou fechada. Como na altura o meu companheiro estava sempre doente, tinha de trazê-lo com freqüência para o hospital em S. Vicente, decidi fixar residência aqui, mais perto dos médicos.”

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Esta mulher extrovertida e alegre acredita que foi esta vida de sacrifício e de trabalho, muitas vezes mal pago, a ajudou a criar e bem os filhos e chegar agora aos 100 anos. “A forma como levei a minha vida me ajudou a chegar até aqui. Nunca fui mulher de me queixar e nem de ir para cama por qualquer coisa. Se quebrarmos um dedo, e formos para cama, a vida começa a decair. Se sofrermos alguma fraqueza, vamos logo abaixo. Então, temos de ter muita força e pedir coragem à Deus para vivermos e felicidade. E, quando sentirmos uma dor de cabeça, devemos firmar os pés no chão com mais força,” filosofa. 

Mãe de cinco filhos, três machos e duas fêmeas, “Nha Joana” diz nunca ter sido informado do número de netos e bisnetos já tem mas, pelas suas contas, acredita que ultrapassam as duas dezenas. “Tive cinco filhos e todos estão aqui hoje comigo, pela graça de Deus. Sou rica de filhos, netos, bisnetos e de todo o meu povo porque sei que sou uma pessoa bem quista na zona da Ribeira Bote. Quanto o meu primeiro filho nasceu tinha 21 anos. Podemos pedir esmola ou vestir de sacos, mas temos de criar os nossos filhos. Hoje, graças a Deus, sou bem servida por eles e por meus netos e bisnetos.”

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Segundo esta mulher, que fez questão de responder todas as nossas perguntas, ter um filho nesta idade era difícil, sobretudo sem estar casada. Felizmente, contou com apoio dos pais. “É difícil encontrar uma pessoa para contar as dificuldades da vida daquele tempo. Já não lembro muitas coisas, mas sei que foi difícil. E olha que tenho boa memória, que herdei dos meus pais. A minha mãe faleceu estava prestes a completar 109 anos. Quando estávamos a preparar a sua festa de aniversário, ela morreu. O meu pai partiu com 114 anos. Não sei se vou conseguir chegar até lá, só Deus é que sabe.”

Admite que a audição começa a falhar e sente vergonha de falar porque os dentes começam a faltar. De resto, diz, está com tudo em cima. “Ainda consigo levar a minha panela ao lume, lavo as minhas roupas e gosto muito de costura. Faço lençóis de retalho e sorvetes para venda. Sou uma pessoa que sempre trabalhou e, devagarinho, ainda consigo fazer um pouco de tudo”, afirma “Nha Joana”, que faz questão de frisar que mora sozinha. “O meu primeiro filho e duas netas que dormem na casa comigo. Mas eles é que estão comigo porque não moro com filhos. Moro sozinha, mas ainda consigo apoiar os meus.”

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Lembra que o seu primeiro trabalho foi como lavadeira, ainda muito jovem. Carregava água de fonte na cabeça para encher um tambor e ganhar 20 escudos. “Carregava água para muitas casas: Toy d’ Nica, madrinha Djodja d’ Nhose e  madrinha Djodja d’ Móne e outras famílias nas proximidades da minha casa. Também ia encher supirinha na fábrica Galeano, carregava sacos de farinha e de arroz para abastecer as mercearias, com o dinheiro que ganhava criei os meus filhos. Ganhava dois escudos por um saco de açúcar e 15 tostões por um saco de farinha. Era dinheiro na altura. Com dez escudos comprava-se muita cavalas para casa e uma caixa de fósforo custava apenas meio tostão”, conta.

A agora centenária acredita que este é o segredo para atingir este marco: trabalhar muito e porque não, beber diariamente o seu vinho tinto. “Nunca bebo durante o dia. Mas a noite, quando vou deitar, antes de fazer a minha oração pedindo a proteção divina para os meus cinco filhos, bebo metade do vinho e, quando termino a minha oração, arranjo o meu cabelo e bebo o restante. Os únicos que sabem que bebo o meu vinho são os meus filhos e alguns amigos. Aliás, são eles que compram a bebida”, declara.

Esta boa disposição e simplicidade esteve presente ontem à noite, quando a família e os amigos se juntaram para celebrar um século de vida de Nha Joana, com música, boa comida e bebida.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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