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Opinião
Tendência

Quando a partida é mais forte que a permanência – Um chamamento nas Nuvens

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Adolfo Lopes

Introdução Editorial

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Este texto, dividido em fases como o ciclo da chuva, procura refletir sobre o êxodo rural em
Cabo Verde, com imagens que evocam a natureza, a memória e a resistência. De salientar
que este fenómeno não é de hoje, mas já de algum tempo, do mesmo modo que torna-se
imprescindivel analisar esta nova leva de “desertificação rural.”

🌤 Evaporação — Quando as pessoas partem e o campo se esvazia

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Com o passar do tempo, torna-se uma tendência quase irreversível: o desaparecimento das localidades rurais, do Plano Leste a Cachaço, cruzando Fundo Figueira nas profundezas de Lagoa no Tarrafal. Casas vazias, campos abandonados e um silêncio que se alastra como neblina sobre os montes. A mão de obra, mesmo diante de promessas de remuneração mais justa, vai desaparecendo como gota sob o sol. Infelizmente, testemunhamos uma desertificação territorial sem precedentes, ao passo que as cidades arrebentam pelas costuras

Condensação — Quando o abandono se acumula no céu da memória

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A questão central é a coesão territorial. Sem entrar no debate sobre estatutos especiais, é notório que o meio rural de muitas ilhas já tem os dias contados. Contrasta com o passado vívido pelos que partiram para a “terra longe” ou se mudaram para os centros urbanos. Hoje, resta a evidência nua e crua: o campo foi empurrado para o segundo plano. Estas localidades enfrentam uma perda tripla: O estrangeiro, para o centro urbano do seu próprio concelho, e para a capital ou ilhas turísticas. Teóricos como James Ferguson, em “Global Shadows1”, apontam que o êxodo rural africano é impulsionado por redes de marginalização estrutural.

🌧 Precipitação — Quando o desequilíbrio estoura sobre as cidades

Certas interpretações apressadas confundem este drama com um suposto sentimento “anti-cidade”. Mas não se trata disso. A vitalidade urbana está intrinsecamente ligada a um equilíbrio territorial mais justo e sustentável. É urgente olhar para os territórios que dormem em silêncio, alguns em sono profundo, outros em coma induzido pelo abandono. Há localidades que precisam ser ressuscitadas nem que seja no sétimo dia. Os campos não estão apenas a perder o seu povo. Estão a perder a voz, a força e a esperança. Enquanto isso, muitos seguem em marcha acelerada rumo às cordilheiras periférica de cidades como Mindelo e Praia. É imperativo agir de forma estratégica e organizada, sem cair no erro de “criminalizar” o cidadão comum que apenas procurou melhores condições de vida.

A Suíça um dos países desenvolvidos por exemplo, foi um dos primeiros países que introduziu o tema de “repopulação do meio rural.” É mais do que evidente que o nosso pais não tem as mesmas condições financeiras que a Suíça, mas convém frisar que já ultrapassamos da hora de pensar também na “repopulação do meio rural”, e até mesmo criar condições económicas e sociais para as populações do meio rural.

Infiltração — Quando a esperança procura solo fértil

O futuro exige novas chuvas: políticas de incentivo à permanência, dignificação do trabalho rural, acesso a serviços públicos e conexão digital. Que a educação volte a circular entre campos e cidades. Que o campo seja visto não como passado, mas como potência. Com as nuvens, há esperança no céu. Mas é preciso olhar para cima, ouvir o campo e agir antes que o silêncio se torne definitivo.

Soluções adicionais para combater o êxodo rural:

1. Incentivo à agroecologia e cadeias de valor sustentáveis

A revitalização do campo também passa por investimentos em agroecologia,

agricultura regenerativa e cadeias de valor sustentáveis. Isso reduz a dependência de insumos importados, melhora a renda local e promove a segurança alimentar.

2. Educação contextualizada e formação técnica local

Criar escolas e centros de formação técnica em áreas rurais com currículos adaptados à realidade agrícola e ambiental ajuda a fixar os jovens e promover inovação no campo. A abordagem é defendida por Paulo Freire, que via a educação como um instrumento de emancipação ligado ao contexto cultural e social do educando.

3. Descentralização administrativa e autonomia local

Michael Lipton, renomado economista especializado em pobreza rural, defende

que o desenvolvimento efetivo no campo requer políticas descentralizadas que sejam formuladas e implementadas com participação direta das comunidades locais. Segundo Lipton, as decisões tomadas longe das realidades rurais tendem a ignorar suas especificidades, perpetuando o abandono.

“O rural está entranhado na nossa cabo-verdeanidade, mesmo quem hoje desfila sobre avenidas carrega no sangue a poeira dos caminhos de terra.”

1- Ferguson, J. (2006). Global shadows: Africa in the neoliberal world order. Duke University Press.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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