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Maçonaria: Desfazendo o mito (parte 1)

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Por: Cídio Lopes (Doutorando em Ciências das Religiões)*

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Introdução

O fenômeno social maçonaria tem larga história pela cultura humana. Pode ser situado inicialmente como fruto da cultura da Europa dos séculos XVIII e XIX, mas em nossos dias rapidamente podemos encontrar sua presença da cidade de Tóquio, no Japão, a Nova York, nos Estados Unidos do Norte, ou Bueno Aires, Argentina. Faz-se presente nos mais variados regimes políticos baseados em democracia, sendo uma íntima defensora deste modelo.

A maçonaria na cultura latino-americana tem traços específicos e constitui em nossos dias um vivo movimento de sociabilidade baseado em Filosofia de Vida. Deste recorte, a maçonaria lusófona tem uma história em particular, um pouco mais volumoso entre Portugal e Brasil, mas nem por isto ausente nos PALOPs.

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Enquanto fenômeno social, a maçonaria ocupa um lugar no ideário geral da nossa cultura lusófona que é rodeado de ideias sem uma real conexão com o que seja mesmo a maçonaria. E tem assento variado entre nossa ampla “pátria/comunidade que é a língua portuguesa”. Boa parte de uma certa narrativa negativa advém do seu papel na defesa do modelo social liberal e baseado na ideia de Estado Modero de Direito, defendida sobretudo no século XIX, que é o que na atualidade vivenciamos como realidade social. Naquele contexto, os ideais liberais eram revolucionários, como também, sendo ela progressista e liberal, não coabitou com governos autoritários, já no século XX, sendo habitualmente perseguida.  

Antes, a palavra maçonaria deriva do francês “maçom” ou mais específico “franco-maçom”. Maçom é o nosso “pedreiro”, e “franco” (franca) era o tipo de pedra com a qual esse trabalhador executava o seu serviço muito popular na “baixa idade média” da Europa. Pelo fato de terem que ir onde estava o trabalho, ao contrário dos “servos” que eram fixados num dado lugar, receberam entre os ingleses a ideia de “livres” (free) daí termos os “freemason”, algo como “pedreiros livres”. Entre os séculos XVIII e XIX por maçonaria temos registros do que hoje chamamos de associação cultural, baseada numa leitura da Filosofia Ocidental, utilizando-se de uma metodologia de ensino que usa da linguagem simbólica para transmitir estes ideais.

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Por fim, nesta introdução, como propósito didático de comunicar para o público em geral o que seja a maçonaria, optamos por tomar tópicos deste universo da curiosidade e propor algumas reflexões. O texto foi pensado inicialmente para o cenário brasileiro, dado que nosso magistério acontece por estas paragens, contudo, com o advento das atividades virtuais, temos alargado nosso contato com esta rica diversidade cultural que é a lusofonia. As “lives” têm sido uma rica oportunidade de troca cultural não só entre a comunidade Maçônica, mas entre colegas acadêmicos em geral. Esta partilha se insere justamente neste espírito de trocas culturais e educacional.

1.     Segredo

Esse é tema mais procurado na internet sobre maçonaria. Qual é o segredo? E talvez esse desejo tenha tanta força por ser algo inerente à pessoa humana; o desejo de saber é sempre uma percepção de que algo pode ser desvendando. Sem esse desejo podemos dizer que até mesmo os processos escolares perdem força. Se noto que há algo a ser conhecido, tal percepção me mobiliza a ir atrás. Quando o contrário acontece, a pessoa que não consegue ser tocada pelo misterioso, se perde a vitalidade, o desejo de saber fica ausente. Ou quando não se consegue apresentar o “mistério” a ser desvendado de forma apropriada, o que é o papel do bom professor, vemos o desinteresse das pessoas em aprender algo. Origem de todo fracasso escolar.

Em torno do “segredo” maçônico se vende muito livros e, muito recente, muita “iniciação” em “maçonarias” caça níquel, existente aos montes em São Paulo, Rio de Janeiro e em vários lugares do mundo “ocidental”.

Aqui reside o maior problema da maçonaria. Não há um “segredo” magnânimo e não adianta dizer que “escondo” algo. O que há é um “mistério” e sobre ele falarei mais adiante. Mantendo-se no problema do “segredo”, se ele é o que leva muita gente à maçonaria, ele é o responsável por fazer com que o curioso vá embora na mesma velocidade que chegou.

Se o desejo do segrego não for transferido pelo prazer em cultivar o mistério que subjaz a existência humana, a maçonaria se tornará qualquer coisa e, como tal, não durará no tempo.

A estratégia do segredo talvez seja apenas no sentido de tomar algo corrente para levar a pessoa a algo que é de fato. Se esse processo não for conduzido adequadamente, a curiosidade irá perder força. E se é a curiosidade o motor que te move para a maçonaria, sem ele você se verá frustrado e engando.

O vulgo ama esse aspecto da maçonaria. Ele rende acessos nos canais do Youtube ou nos Blog’s.

Para um projeto de Loja maçônica é preciso afastar o mero curioso e estar atento à pessoas que mesmo movidas por uma curiosidade vaga, consiga dar passos significativos e, sob o olhar de um maçom, consiga demonstrar que será alguém capaz de sair de um estado menos elaborado do que é maçonaria para seu cerne; para o que de fato perdura ao longo do tempo.

Para cultivar essa ideia do segredo, como porta de entrada para o “mistério”, a maçonaria até mesmo utiliza uma série de pequenos truques “secretos”, como sinais, toques e palavras. Contudo, logo se verá que se trata de algo “simbólico” e que ninguém deve considerar além disso. Segredo em nossos dias quem detém de fato são os Estados, os sistemas financeiros, maçonaria é apenas uma questão simbólica e que se você for um leitor atento, logo encontrará tudo isso na internet ou em livrarias de livros usados, o nosso “sebo” brasileiro.

2.     Mistério

Se há algo cultivado na maçonaria é o mistério. O que é mistério? Por mistério podemos dizer que é a percepção de que nossa existência humana é permeada de coisas desconhecidas de nossa consciência. E que por mais que eu explico quem sou, onde estou, algo escapa a essas explicações, porém eu continuo a percebê-las; digamos que algo que eu ainda não consigo dar nome, mas que sempre me toca. E a essa incógnita, que apesar de sentir não consigo dar nome, chamo de mistério. 

O mistério da maçonaria é exclusivo dela? Não. Se fizermos a leitura de filósofos como Plotino, Porfírio, Platão, Marcílio Ficcino, Pico Della Mirandola, Bergson, Hadot, entre outros, logo veremos que o assunto é mais amplo e, inclusive, mais bem tratado por esses pensadores do que certos livros vulgares sobre maçonaria. Para ampliar nossa percepção, podemos ainda ter como referência místicos cristãos como São João da Cruz, Edith Stein, entre vários outros, e também veremos aí como esses temas de mistério e mística são amplamente tratados; e que na maçonaria em geral são apenas rudimentos populares dessa mística cristã. Se nos atermos um pouco mais, notaremos que na própria “missa” católica, em dado momento há a expressão “eis o mistério da fé”, lá pelo momento da “consagração da hóstia”. Indo ainda mais fundo, a palavra “sacramento”, muito utilizado no contexto da comunidade católica, nada mais é do que uma “parte visível de algo invisível”. O mistério maçônico é exatamente isso, nada mais.

O que há de especial na maçonaria, portanto, é que ela consegue numa agremiação (sociabilidade) cultivar esse mistério de uma forma específica. Ela não se propõe a ser uma Igreja, mas uma associação filosófica ou nos termos da antropologia, uma sociabilidade. E tem feito isso ao longo dos últimos 300 anos. Ela tem uma metodologia que vem sendo testada ao longo desse tempo. Ela possui um “jeito de fazer” que “misteriosamente” persiste ao tempo. Entre vários tópicos desse mistério, e que é sua força, destaco seu caráter “democrático e republicana” de se organizar e perdurar no tempo. Afastando com isso a ideia de “líder” ou “guru”, sendo radicalmente um projeto coletivo.

O “segredo” da maçonaria é revelado ou percebido quando olhamos para a história dela e vemos que apesar de todos os limites humanos, esses mesmos humanos conseguem se congregar em torno de princípios que vão além das necessidades imediatas. Tem tudo para não ser isso, pois olhando de modo “cético” para nós como humanos, com frequência somos levados a crer que os interesses mais rasteiros, imediatos, limitados, viciados, seriam os que prevaleceriam sobre qualquer outro propósito altruísta. Essas ideias ditas elevadas ou na contramão dos interesses imediatos, são muito bem expressas nos movimentos culturais do Humanismo Renascentista (lá da península itálica por volta do 1450 a 1500), ou do movimento Iluminista (algo por volta de 1600 a 1800). Períodos culturais nos quais podemos notar o esforço humano em construir modos de sermos que consigam superar aspectos naturais em nós como humanos, que são dito como sendo apenas a faceta animal de nosso ser.

O segredo nesse sentido consiste no fato de não conseguirmos explicar de modo racional por que uma atividade humana rompe com o que é mais óbvio e vai para outro rumo. Segredo no sentido de fugir a uma explicação racional.

No mistério está a chave para se compreender a maçonaria, como a vida cristã no geral. Um maçom que compreende esse cultivo e até mesmo faz a experiência de momentos intuitivos de contato com o mistério da vida, nunca deixará esse estado. Uma vez “iniciado” nunca se deixa de sê-lo. Porém, se tal estado psíquico não for alcançado, as “trombadas” do cotidiano e mesmo o bom uso da razão, logo irá lhe demonstrar por várias vias que o melhor será se ocupar de outras coisas. E com isso deixar de participar de “mais uma agremiação”.

3.     A Burocracia

Posto as questões de “segredo” e “mistério”, vem na sequência as coisas de ordem práticas ou concretas necessárias para que se crie o “lugar” (kora) propício para que indivíduos possam “ser” e “estar” em contato com esse “mistério”.

Nesse ponto também a maçonaria desenvolveu vários recursos. Para que se desenvolva alguma disciplina, se concebeu um local de reunião (templo); uma estrutura para a reunião ter um início, meio e fim (ritual). Uma memoria para que não se repita certas coisas e se lembre de outras (ata reuniões;). Um regulamento para que as coisas funcionem (Leis maçônicas). Uma filosofia para que se reúna para debater conteúdos filosóficos no sentido de saberes passíveis de serem meditados e transformados em parte do meu modo de “ser” (instruções).

*Pesquisador/Bolsista FAPES

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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