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Cabral, Sempre!

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Por: Nelson Faria

No extraordinário CD do Batchart (mais um) – “Resiliente”,  meritoriamente reconhecido pelo  Observatório da Cidadania Ativa de Cabo Verde[1] pelas mensagens positivas e pelo grande contributo cidadão, onde todas, absolutamente todas, as músicas têm conteúdos extraordinários, não podia deixar de notar a pertinência do apelo à revisão da história que nos é ensinada na faixa 12, com Ga DaLomba, “Babilonia”[2]. Num momento onde o autoconhecimento, a identidade, as boas referências são necessárias, a nossa africanidade questionada e no centenário de Cabral, é bom dizermos às gerações mais novas que têm de entender toda a história e que “Cabral ê herói dess país”.

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Naturalmente, como disse Mário Lúcio, Amílcar Cabral nunca irá recolher unanimidade, pois haverá sempre quem o queira matar depois de morto, “Cabral não é para ser entendido por espíritos menos elevados, Cabral é de quem tem memória e gratidão.”  Portanto, saber entender o Homem, o seu pensamento, a sua luta e o seu contexto, de facto, não é para todos, reconhecendo que não há Homens perfeitos, mas que o julgamento fora do contexto não é abonatório aos “juízes” do tempo movidos por paixões “clubísticas”, porém, creio que a história, a correta, será justa com ele; aliás, já está a ser ao ser considerado como um dos grandes líderes mundiais por historiadores segundo trabalho publicado pela BBC World Histories Magazine[3]

“Cabral representou muitas das características importantes mais procuradas num grande líder. Ele era um homem do povo, que partilhava as suas preocupações e que tinha fé na sua capacidade de serem agentes de mudança e criadores de história. Reconheceu que os problemas enfrentados pela Guiné Portuguesa e Cabo Verde, o sofrimento causado pelo regime colonial opressivo de Portugal, tinham de ser ultrapassados. Além disso, reconheceu que só o próprio povo poderia resolver estes problemas, que era verdadeiramente o seu próprio libertador. A grande ausência de líderes do seu calibre em África, e noutros continentes, só serve hoje para tornar a sua vida e trabalho ainda mais inspiradores.”

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Entretanto, apesar da grande referência histórica que é Cabral, o seu pensamento e ideais continuam atuais. A nova geração precisa aprofundar e continuar o seu bom legado. O país precisa estar assente nas boas referências e nos bons valores, pois, as ideias de Cabral sobre a libertação nacional e o desenvolvimento social eram visionárias e continuam a ser relevantes até hoje. Ele defendia a necessidade de uma revolução cultural e educacional, bem como a importância da participação ativa das massas populares na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Seus ensinamentos e ações refletiam uma profunda compreensão dos valores (a humanidade, a dignidade, a justiça e a liberdade), do propósito (emancipação política e económica, social e cultural), do autoconhecimento (ter identidade e personalidade; conhecer as próprias raízes), da empatia (independentemente das diferenças étnicas, linguísticas ou culturais, ter sempre em mente a africanidade e ser humano – humanidade)  e a visão (construir sociedades africanas independentes e progressistas, baseadas em princípios de igualdade, justiça e desenvolvimento autossustentável.  Procurava promover uma consciência crítica entre os africanos para que pudessem tomar decisões informadas sobre seu próprio destino).

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Hoje, a nossa vida corre na medida das nossas escolhas e realizações. Mal seria dizer que tudo é mau e que não há nada de bom a aproveitar. Fosse assim, não viveríamos nesta terra, por sinal, ainda, melhor que outras realidades não muito distantes. Obviamente, há muita coisa bem-feita, creio que também adveniente desses ideais, todavia, há muito, muito por melhorar no nosso mundo real. No ideal, que poderia ser real, poderíamos estar em outro patamar se nos orientarmos hoje pelo pensamento de Cabral.

A elevação, a visão, os valores, a liberdade, o propósito, a capacidade de pensar e realizar, assumindo por inteiro a nossa identidade, se calhar correndo riscos, ainda é o caminho para chegarmos ao patamar sonhado. Foi esta a luz que Cabral deixou… Mas, infelizmente, não! Preferimos ainda centrar as discussões à volta da cor das bandeiras partidárias, dos egos, de picuinhas sem relevância, de criar “carneiros” sem capacidade pensante e com crises de identidade. Enfim… Sem as boas referências, sem a união no que é essencial, sem um pensamento estratégico, assumido por todos, que deveria aproveitar o melhor do nosso potencial e recursos, sim temos recursos, será difícil.

O nosso potencial está na cultura (toda ela e não somente na música), no mar, no sol, nas pessoas e suas competências, nas ilhas, no desporto (as nossas seleções provam-no, mas há mais em outras modalidades, menos visíveis e no anonimato), na diáspora, na nossa diversidade… Pelo pensamento de Cabral, hoje seriam essas as nossas armas para “lutar”, juntos, contra o inimigo do não desenvolvimento (não confundir com crescimento centralizado), contra o medo e a ignorância. Até que ponto estamos dispostos a isso? Por isso, é legítimo questionar: até onde realizamos a visão de Cabral? O que falta fazer? Porquê? Até onde se mantém vivo as boas referências visionárias de Cabral? Até onde o povo foi libertado do medo e da ignorância? Até onde persistem laivos de colonialismo? Até onde somos vistos e tratados como iguais na nossa terra? Como podemos ainda aproveitar da luz deixada por Amílcar Cabral?

A missão de continuar Cabral é de todos e de cada um. Na música ou em outras formas de expressão cultural, na escrita, nas redes sociais, no pensamento e ação política, na partilha do legado com filhos amigos e conhecidos, “Cabral ká morri”, mesmo que o queriam matar depois de morto. Perder o referencial de Cabral é tão simplesmente perdermos como nação.

“… jurei a mim mesmo que tenho que dar toda a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como Homem até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho!” Amílcar Cabral.


[1] https://mindelinsite.com/social/batchart-distinguido-com-certificado-de-excelencia-23-pelo-observatorio-da-cidadania-activa/

[2] https://www.youtube.com/watch?v=TKZ-C8H2bG8

[3] https://www.historyextra.com/magazine/who-greatest-leader-world-history/

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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