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Opinião

A importância de uma cultura de transparência na gestão da coisa pública

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Por: João Bosco Gertrudes(*)

O povo é soberano no exercício do poder. Esta é uma prerrogativa garantida pela Constituição da República de Cabo Verde (CRCV), um Estado de direito democrático assento nos princípios da soberania popular, no pluralismo de expressão e de organização político-democrática e no respeito pelas liberdades fundamentais (CRCV, Capítulo 1º, Artigo 2º, 1º parágrafo). Este é um princípio basilar da democracia plena que, no entanto, para que seja uma realidade de fato, depende da participação efetiva de várias entidades e de uma conjugação de fatores que serão discutidos neste texto. 

A soberania popular é exercida de forma direta através da participação política ativa no dia-a-dia (cidadania ativa) e indiretamente sob a forma de escolha politica de representantes através do voto direto, secreto e periódico. A escolha através do voto popular delega de forma indireta o exercício do poder à representantes eleitos; legitimando-os a exercer o poder em nome do povo, numa espécie de “terceirização representativa”. No entanto, o cargo eletivo não pode ser confundido como uma espécie de carta branca, mas sim como uma via de mão dupla.

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“Para que uma cultura de fiscalização e de cidadania ativa seja possível, é necessário efetivar os mecanismos necessários para que os representantes eleitos prestem contas ao povo de como desempenhou a função que lhe foi confiada.

Para que essa representação legitimada pelo voto seja efetiva não deve de forma alguma terminar no dia da eleição. Trata-se de um processo continuado que deve passar por uma cultura cívica de permanente fiscalização por parte dos eleitores sobre o “serviço prestado” por seus representantes eleitos. Além de fiscalizar cabe também ao povo, sob a forma de participação direta, ativa e permanente o papel de representação e oferta de denúncia perante o judiciário em casos de desvios de conduta; corrupção, prevaricação e gestão danosa da coisa pública, etc. Caso contrário, se não houver a fiscalização permanente sob a forma de participação ativa e diária, a premissa de que o poder pertence ao povo se transforma em mera ilusão, ou seja, uma democracia de fachada, viciada, de fácil usurpação, que facilita os espertos e àqueles que fazem da politica trampolim para subir na vida e enriquecer de forma rápida e ilícita. 

No entanto, para que uma cultura de fiscalização e de cidadania ativa seja possível, é necessário efetivar os mecanismos necessários para que os representantes eleitos prestem contas ao povo de como desempenhou a função que lhe foi confiada. Isso não só no final do mandado, mas também no dia-a-dia como agentes públicos e não raras vezes administradores que decidem o destino da coisa pública (erário e bens públicos). Tudo de forma mais transparente possível. É salutar que administração da coisa pública seja feita de forma mais transparente possível. A transparência favorece a fiscalização e a defesa do interesse público por parte de quem de direito, e, portanto, trata-se de um importante fator de consolidação da nossa jovem democracia.

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Neste aspecto não se entende segredo de Estado em negociações que envolvem o erário público ou bens públicos, exceto os casos em que a manutenção do sigilo implica em questões de segurança nacional, de pessoas ou de terceiros. Mesmo assim, deve ser garantido à quem de direito, sob a condição de manter o sigilo, o livre acesso às informações para que se cumpra o princípio da responsabilização.  A título de exemplo, qual é a prerrogativa para se decretar segredo de estado em processos de privatização empresas públicas, por exemplo, a ex-TACV (agora CVA que deu no mesmo inclusive o filme repetido dos arrestos etc e tal); ou em processos de concepção de bens públicos para exploração por parte da iniciativa privada?  

O que não falta atualmente nos meios de comunicação são denúncias de má gestão da coisa pública (vide recentes denúncias de negociatas de terrenos públicos, falta de transparência e promiscuidade público-privado na série de artigos do “PRAIA LEAKES” por exemplo) e quase não se vê qualquer sinal de indignação por parte da sociedade civil, e muito menos noticias de abertura de inquéritos ou de responsabilização dos agentes públicos na mesma proporção. Uma realidade sintomática de algo não vai bem nesse processo. Ou por falta de transparência que prejudica a fiscalização cidadã através da participação ativa ou por inércia da nossa parte em fiscalizar àqueles a quem delega-se a confiança da representação, ou as duas coisas ao mesmo tempo.

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Deveria ser ao contrário, o ideal é que houvesse as denúncias e que o ministério público, exercendo seu papel quando provocado fosse implacável na aplicação das leis republicanas para punir exemplarmente qualquer desvio de conduta, prevaricação e corrupção no trato com a coisa pública, com os bens públicos na mesma proporção das denúncias.  

O que não falta atualmente nos meios de comunicação são denúncias de má gestão da coisa pública (vide recentes denúncias de negociatas de terrenos públicos, falta de transparência e promiscuidade público-privado na série de artigos do “PRAIA LEAKES” por exemplo) e quase não se vê qualquer sinal de indignação por parte da sociedade civil.”

Por outro lado, não adianta ao cidadão-eleitor fugir sua da responsabilidade neste processo. O cidadão-eleitor tem a sua parcela de co-participação neste processo. Se isso não está a funcionar corretamente é urgente e necessário criarmos no seio da sociedade uma cultura de fiscalização dos agentes públicos e de ações efetivas para responsabilização dos mesmos; principalmente àqueles eleitos (pela sua característica transitória). O povo precisa começar a “brigar” pelos seus direitos, fiscalizar e cobrar dos agentes públicos, principalmente os “terceirizados”. Sem medo, em nome do bem comum e da democracia efetiva e com o mesmo afinco e entusiasmo com que se encara um festival na Baia das Gatas, uma tarde de Mandinga pelas ruas de Mindelo, um São João em Porto Novo ou um Show dos rebelados na festa de nhô Santo Amaro no interior de Santiago.  

É importante cultivarmos essa cultura de fiscalização e de responsabilização permanente e, além disso, cobrar de quem de direito os mecanismos necessários para acompanhamentos dos nossos “representantes terceirizados” no exercido do poder popular. Esta prática terá certamente terá no mínimo duas vantagens: (i) Acompanhamento de como e onde estão sendo aplicados o seu dinheiro pago sob a forma de impostos. (ii) Ferramenta de avaliação para aferir se seu representante merece sua confiança nas próximas eleições. 

Feira de Santana/BA (Brasil), Julho de 2020

 (*) Engenheiro Eletrotécnico/Professor Universitário (jbosco.cv@gmail.com)

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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