Pub.
Pub.
AtualidadeEscolha do Editor
Tendência

Subscritores contestam decisão do PR sobre Petição Pública e deixam aberto possibilidade de recorrer às instancias internacionais de Direito Humano e de Justiça

Os subscritores da Petição Pública assinada por cerca de 2500 cidadãos no país e na diáspora, contestam os argumentos apresentados pelo Presidente da República para não solicitar a convocação da sessão extraordinária da Assembleia Nacional para esclarecer os cabo-cabo-verdianos sobre as dúvidas suscitadas pelo acórdão do Tribunal Constitucional que, afirma, teve impacto directo na Constituição da Republica. Prometem, agora, recorrer às instancias internacionais de Direito Humano e de Justiça para conseguirem os objectivos que se propõem.

Em conferência proferida hoje no Mindelo, os representantes dos subscritores da Petição Pública confirmam que o PR negou o pedido, apesar da proteção consagrada na Lei-mãe que determina que “todos os cidadãos, individual ou coletivamente,  têm o direito de apresentar, por escrito, aos órgãos de soberania ou do poder local e a quaisquer autoridades, petições, queixas, reclamações ou representações para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral”.  

Publicidade

Rejeitam, entretanto, as insinuações de tentar responsabilizar os peticionários de pretender induzir o Presidente da República a violar as regras da separação dos poderes entre os órgãos de soberania. Entendem estes cidadão que esta suspeita é tão injusto quanto conveniente. “Os cidadãos deixaram claro na petição; dissemos e repetimos na comunicação e reiteramos por tantas vezes quando pudemos que os cidadãos apenas querem saber com que constituição podem contar, depois do impacto do acórdão do TC sobre Constituição da Republica”, argumentam.

Com este entendimento, afirmam, lançaram mão do instrumento que permite aos cidadãos a participação na vida democrática do país, confiantes no juramento feito por José Maria Neves de zelar, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Alegam estar conscientes da separação de poderes e do respeito pelo TC, enquanto órgão soberano cujas decisões não se questionam. Afirmam, por outro lado, não pretender que o PR chamasse os deputados ao Parlamento para discutir, alterar, reapreciar ou revogar qualquer decisão do tribunal. “A pretensão dos cabo-verdianos é bem outra. Ia e vai muito além do caso judicial que deu origem ao acordar 17/2023, do Tribunal Constitucional”.

Publicidade

Alegam que pediam apenas para discutir a CR em sede própria e esclarecer na Assembleia Nacional as questões que deixaram de estar claras em resultado da decisão do acórdão, que afeta e introduz alterações à Carta Magna. “Os argumentos invocados pelo PR, com base na separação de poderes dos Órgãos do Estado, não só obstaculiza liminarmente a convocação de uma sessão extraordinária, como deturpa e desvirtua a sua solicitação dos peticionários, como também foge e desvia as atenções do verdadeiro e legitimo interesse dos cabo-verdianos, que era e é a defesa da Constituição da Republica e os esclarecimentos sobre a integridade da Carta Magna”, insistem.

Direitos e garantias  beliscados

Diante da resposta do PR, entendem que os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos estão confinados às paginas da CR, que se guarda nos gabinetes, e que são usados apenas para enfeitar discursos, colóquios e convenções em momentos de solenidade. “A decisão do PR vai cair por terra  a oportunidade de permitir aos cidadãos a clarificação das duvidas sobre a CR que temos”, sublinha, realçando que é o próprio Chefe de Estado que, mesmo não agindo em consequência, admite na resposta aos subscritores que partilha as mesmas duvidas, sobretudo quando assinala que o “constitucionalismo democrático no nosso país exige que todos os atos, de qualquer um dos poderes, sejam conforme a Constituição da República  e o principio democrático.”

Publicidade

Mais ainda, diz Helena Leite, quando o PR assume que vai promover junto da comunidade académica e da sociedade o debate sobre o papel da segurança jurídica na garantia da Constituição da República, por forma a gerar consensos que contribuíam para a realização da dinâmica do Estado de Direito Democrático, mostram que têm muitas dúvidas. “Se não tivesse duvidas, e estando tudo claro, o Sr. Presidente da República não teria de promover debates sobre a Constituição”, constata a porta-voz, para quem o PR preferiu acautelar-se com receio ode abrir uma crise constitucional no país.

Temores do PR 

Isto porque, admite, o PR poderia vir a ser confrontado com eventuais insinuações e acusações de ser o instigador da violação de regras constitucionais, como o principio da separação de poderes, caso tivesse aceite abrir caminho aos cidadãos para que os deputados respondessem em sede própria – de discussão e de alteração à Constituição -, ao pedido dos subscritores para debater, esclarecer e fazer o ponto da situação sobre a CR, tendo em conta os efeitos do acórdão do TC sobre a Lei Magna.

Em suma, diz Helena Leite, a questão constitucional é politica e deve ser equacionada por quem tem legitimidade e atribuições para o resolver. E, mais tarde ou mais cedo, será suscitada e, para o bem de todos, resolvida a favor dos cidadãos, que prometem estar atentos e prometem não ficar parados.

Mais contundente, Germano Almeida garante que este foi apenas “um passo”, sendo certo que, a priori, sabiam que poderia não resultar. “Fizemos esta petição evocando a alínea O) do artigo 135 da CR, que diz expressamente que o Presidente da Republica pode requer ao Presidente da Assembleia Nacional a convocação da plenária para discutir assuntos diversos. Não há nenhuma explicação sobre quais assuntos e nem o que são. Portanto, o PR poderia ter escolhido convocar a AN ou decidir não convocar, o que acabou por ocorrer.”

Para este advogado, esta era a via mais lógica, tendo em conta que o acordão do TC visou única e exclusivamente beneficiar e “salvar” uma situação criada há dois anos, quando o Parlamento permitiu a prisão do deputado A. Oliveira. “Quando decidem o costume contra a lei, em certas situações, estão de facto a violar a CR e todas as leis vigentes em Cabo Verde. Foi, pois, para beneficiar a AN e salvar uma situação criada por este órgão. Então, se o PR convocado a AN corria o risco de receber uma negativa para não colocar em causa o TC. A resposta lógica foi indeferir o pedido, mas isso não quer dizer que tenham tido acções corretas. Por isso, vamos continuar e ver que meios podemos usar para tentar resolver a situação. Estão em causa diversos artigos da CR, que foram violados por causa desta decisão. Também porque está um homem preso ilegalmente há dois anos, em situação absurda, condenado a sete anos de cadeia, por um crime que só existe no papel. E ninguém faz nada.”

Anistia Internacional

Questionado sobre o que podem ainda fazer, Germano Almeida afirma que podem recorrer a Anistia Internacional. Aponta, entretanto, como um dos empecilhos a pequena dimensão do país, mas diz que não vão deixar de lutar. “Temos de continuar a lutar. Mesmo a nível nacional, acredito que mais ou menos dias, vai haver anistia do A. Oliveira porque é uma situação t exagerada e mal feita. Vai acontecer o mesmo que com o processo da Reforma Agraria em que os implicados foram condenados a 10 anos de cadeia, mas foram libertados dois ou três anos depois”, perspectiva. 

Sobre à questão de separação de poderes evocada pelo PR para não atender o pedido dos subscritores da petição, este porta-vos é taxativo ao afirmar que não tem nada a ver. “Estão a gozar ao levantar esta questão. Foi uma estratagema para salvarem a face. O TC produziu um mau acórdão, violou todas as leis, regras e princípios. Mas deu um acórdão que está em vigor. O que discutimos é se este acórdão vai implicar que outros artigos da CR, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ficaram em causa. Entendo que à AN competia e compete mudar a CR para dizer que o costume contra a lei é legal. Não tenham dúvidas que isso vai acontecer. É uma questão de tempo.”

Em suma, neste momento, paira no ar a dúvida se os cidadãos têm direitos, e liberdades garantidos na Constituição da Republica em vigor. Já quanto a questão da separação dos poderes, entende que cada um deve exercer “o seu tanto”. “Dizer que o TC agiu mal é um direito que temos. Pessoalmente, não considero que um tribunal decidiu e está decidido porque são homens que estudaram nas mesmas escolas que nós. Podem saber mais, mas temos bom senso. Preocuparam apenas em proteger a Assembleia Nacional em detrimento do interesse dos cabo-verdianos, de uma maneira geral.”

Internacionalização

Por isso que, sem alternativa, a decisão de levar a questão aos organismo internacionais. O propósito, assegura Leite, é internacionalizar uma questão, que é de interesse de todos. “A eventualidade de internacionalizarmos deste caso tem duas vertentes: sendo uma judicial relacionada com Amadeu Oliveira e uma outra em que a Constituição foi beliscada, alterada e mexida, através do acórdão do TC. Desde o inicio que consideramos que, numa determinada etapa, poderá vir a ser necessário recorrer às instancias internacionais. E não estamos a falar apenas da AI. Há uma serie de organizações de defesa dos direitos humanos e da justiça. E não se trata apenas de focar no cidadão Amadeu Oliveira, que é o caso que origina estes efeitos na CR, com consequência que gostaríamos de ver esclarecidas.”

Helena Leite deixa em aberto a possibilidade de recorrem às instituições de justiça a nível internacional, esgotados que estejam todos os recursos no pais. “A questão relacionada com Amadeu Oliveira ainda corre os seus tramites. Todavia, não seria bom para nós, muito embora termos esta imagem de país democrático, respeitador dos direitos humanos, exemplar dentro de África, etc. Pese embora a nossa insignificância em termos de dimensão e de impacto a nível internacional, não seria simpático para o povo e para a Nação vir a ser apontada por estas organizações internacionais em algum momento, pelo facto de termos uma imagem que não corresponde àquela que temos tido até aqui.” 

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo