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Quarentena Obrigatória: Pode-se impor aos cidadãos neste momento do Covid-19?

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Por Vital Moeda*

Muitos têm feito esta pergunta. Como sempre, enquanto Magistrado, e ser humano, e sem ser exaustivo (até porque, caso contrário as pessoas não leem), e correndo sério risco de alguma ligeireza na exposição, diria o seguinte:
Em regra geral, o Estado NÃO PODE obrigar as pessoas a se submeterem a Quarentena Obrigatória. Porquê? Porque está em causa uma série de Direitos Fundamentais onde se destaca, entre outros: o Direito à Liberdade (cfr. artigo 29.º da Constituição).

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Segundo o disposto no n.º01 do artigo 15.º da Constituição, o Estado reconhece como INVIOLÁVEIS os direitos e liberdades consignados na Constituição e GARANTE a sua PROTECÇÃO. Ora, um desses Direitos é o da Liberdade e cabe ao ESTADO garantir a sua protecção.

Pergunta-se: então a Constituição não permite a Quarentena Obrigatória quando está em causa, entre outros direitos, a saúde pública e a vida das pessoas? É claro que garante esta protecção, mas em casos muito excepcionais. Quais são?

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Nos termos do artigo 27.º do mesmo diploma legal, os direitos, liberdades e garantias SÓ poderão ser SUSPENSOS em caso de DECLARAÇÃO DO ESTADO DE SITIO OU DE EMERGÊNCIA, nos termos previstos na Constituição.
Assim, a própria Constituição permite a suspensão dos direitos das pessoas, inclusive o da Liberdade, quando estejamos perante caso de sítio ou de emergência.

Quando é que acontece esses casos de sítio e ou de emergência que permitem a suspensão do exercício de direitos fundamentais?
A própria Constituição define o conceito de estado de sítio e emergência nos seus artigos 270.º e ss.

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Artigo 270º (Estado de Sítio)

O estado de sítio SÓ PODE SER DECLARADO, no todo ou em parte do território nacional, no caso de AGRESSÃO EFECTIVA OU IMINENTE do território nacional POR FORÇAS ESTRANGEIRAS ou de GRAVE AMEAÇA OU PERTURBAÇÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL.

Agora, preste atenção!
Artigo 271.º (Estado de emergência)

O ESTADO DE EMERGÊNCIA será declarado, no todo ou em parte do território nacional, em caso de CALAMIDADE PÚBLICA ou de perturbação da ordem constitucional cuja gravidade não justifique a declaração do Estado de Sítio. Tal como se viu destas noções, em rigor, a situação que vivemos, poderá, caso se agravar para calamidade pública (o que não se deseja e lutemos TODOS para que não aconteça!) levar com que se decrete o estado de emergência – tal como já acontece com alguns países.

Com esta decisão pode-se colocar em Quarenta obrigatória todas as pessoas.
Quem tomará tal decisão e a decreta? Nos termos do estabelecido no artigo 176.º, al.g) da Constituição, tal decisão (de decretar estado de sítio ou de emergência) é primeiro feito por Lei ABSOLUTAMENTE RESERVADA À Assembleia Nacional e terá de ser devidamente FUNDAMENTADA e decretada por período NÃO SUPERIOR a 30 dias (revogáveis) nos termos do artigo 272.º do mesmo diploma legal e decretada pelo Presidente da República (cfr. artigo 135.º,n.º02, al.h). após ouvir os demais órgãos de soberania.

No entanto, para finalizar, a declaração deste estado de emergência NUNCA poderá por em causa alguns direitos fundamentais onde se destaca: o direito à Vida, o direito à Integridade física, o direito de defesa do arguido, o direito a liberdade de consciência e religião (entre outros que pode encontrar no artigo 274.º da Constituição) por serem direitos que devem SEMPRE SUBSISTIR mesmo em casos de crise.

Por fim, há outra possibilidade de, por Lei, e mediante decisão judicial, se restringir os direitos das pessoas, mas deverão limitar-se ao NECESSÁRIO para a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente garantidos (como, p.e: o direito a Vida, artigo 28.º, a segurança, artigo 30.º, etc). Mas, isto já nos levaria para outro assunto …

Esta é a minha modesta opinião. A humildade e honestidade pessoal me obrigam a reconhecer que há muitos mais e melhores juristas do que eu que poderão dar contributos muito mais valiosos do que os meus.
Fiquem todas e todos em paz.

*Magistrado do Ministério Público

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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Um Comentário

  1. A constituição foi em tempo normal para vigorar em tempos normais e em casos excepcionais como os que estamos atravessando e não previstas a sociedade precisa de normas sociais adequadas à realidade. Circunstâncias sociais especiais exigem normas sociais adequadas. Entretanto deve se ter o cuidado de não exagerar e exacerbar o espírito da Constituição.

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