Pub.
Social
Tendência

Transexuais provocam dilema à direção da cadeia de Ribeirinha: Ala masculina ou feminina?

Pub.

A prisão de duas pessoas consideradas transexuais provocou um dilema na cadeia de Ribeirinha, em S. Vicente. O problema foi saber se deveriam ficar na ala masculina ou feminina. A solução foi coloca-las num espaço diferente.

Esta situação chegou ao conhecimento do Mindelinsite por duas fontes, para as quais este caso pode ser a ponta do iceberg para a questão da diversidade dos géneros versus capacidade das instituições cabo-verdianas de lidar com a complexidade da mesma. “A questão dos géneros é complexa, mexe com a liberdade individual e sabemos como as sociedades tendem a reagir a este tipo de casos. E a cabo-verdiana não é excepção, pois ainda os homossexuais, por exemplo, são discriminados e até agredidos, quando estamos perante pessoas que optaram pelo seu modo de vida, nada mais do que isso”, salienta uma dessas fontes, que pediu anonimato.

Publicidade

A direção da penitenciária, conforme as nossas fontes, viu-se perante duas pessoas de nacionalidade brasileira detidas por tráfico de droga e que se assumem transexuais, mais concretamente como mulheres. Porém, ambas ainda estão em processo de mudança de sexo de masculino para feminino. “Ainda nenhuma dessas pessoas fez a cirurgia de mudança de sexo, pelo que ainda são vistos como homens. Mas uma delas já tem no seu passaporte o nome feminino desde 2018. Chama-se Andreia e tem 27 anos. Inclusive ela aceitou ser correio de droga para arranjar dinheiro para a operação. Já o outro indivíduo ainda tem nome masculino, chama-se Cristiano”, informa uma dessas fontes.

Apesar de ainda não terem concluído a mudança de sexo, é evidente para a citada fonte que se aparentam e se comportam como mulheres. “Sentem-se mulheres e vestem-se como tal. Uma delas até já tem seios.”

Publicidade

Para a Associação LGBT, se essas pessoas se identificam como mulheres devem ser respeitadas. Como explica Anita Faiffer, não é o órgão sexual que determina a sexualidade individual. “É um aspecto mental-emocional, tanto assim que querem mudar de sexo”, comenta.

Segundo Faiffer, é natural haver alguma dúvida da parte da cadeia de Ribeirinha em tratar esse caso. Como diz, as instituições cabo-verdianas e as autoridades continuam ainda a leste da questão de género, enquanto noutras paragens esse assunto é levado muito a sério. A começar, diz, pelo ICIEG, instituto que na sua opinião tem praticamente limitado a sua intervenção em defesa dos direitos das mulheres, numa abordagem meramente hetero. Já no tocante a outros géneros, complementa, o instituto da igualdade tem estado aquém do esperado.

Publicidade

“Mas o problema é transversal, apanhando pelo caminho os agentes policiais, os médicos, etc., que nos veem como extraterrestres. Os políticos também não estão minimamente interessados em discutir os nossos direitos porque este é um tema que os incomoda”, considera Anita Faiffer, lembrando que as associações LGBT têm estado a pedir o direito à união de facto em Cabo Verde, quando noutros países já podem até casar e adoptar filhos.

Caso novo para o ICIEG

Este caso é novo para o próprio Instituto Cabo-verdiano da Igualdade de Géneros. Porém, conforme uma consultora, se as pessoas em causa se identificam como mulheres, o mais adequado é que sejam tratadas como tal. “Independentemente do sexo que nasceram passam a ser mulheres, pelo que deviam ser colocadas na ala feminina”, entende essa porta-voz do ICIEG, para quem é fundamental garantir os direitos LGBTI, um deles o à autodeterminação, isto é, de serem transgénero. A seu ver, ainda esse tipo de direito não é assegurado em Cabo Verde.

Confrontada com a crítica da associação LGBT, essa consultora reconhece que a questão do género ainda está mais virada em Cabo Verde para a resolução dos problemas das mulheres. Porém, assegura que o ICIEG tem trabalhado com as organizações LGBT, nomeadamente apoiando os eventos Mindel Pride e Praia Pride, que acontecem desde 2014. Além disso, o instituto tem ajudado na conexão das associações cabo-verdianas com grupos de outros países, nomeadamente da Espanha e do Canada. “Temos sido um parceiro nos projectos de direitos LGBT e mantido encontros com os responsáveis das associações”, conclui a fonte do ICIEG, frisando que os direitos desses grupos ainda são insipientes e que, apesar de mudarem muitas vezes de sexo e de identidade, as transexuais continuam a ser vistos e tratados como homens em várias paragens.

O Mindelinsite contactou a directora da cadeia de Ribeirinha sobre o caso, mas esta alegou que está proibida de abordar assuntos internos da penitenciária com a comunicação social. Deste modo remeteu a nossa reportagem para os serviços penitenciários sediados na cidade da Praia. Ou seja, alguém tem competência para gerir uma cadeia, mas não está habilitado para falar de assuntos corriqueiros com a imprensa.

Conforme apurou este jornal junto de fontes extraoficiais, a direção do estabelecimento acabou por colocar as transexuais numa cela à parte.

Mostrar mais

Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo