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Construção de condomínio gera litígio com dono de apartamento: Disputa pelo “direito” à iluminação e ventilação natural

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A construção de um condomínio na Rua Angola desencadeou uma polémica com a família Ferreira, dona de um apartamento contíguo à obra. Tudo porque, dizem, o novo edifício já tapou janelas da sua residência e retirou-lhes a iluminação natural e ventilação tanto num quarto-de-cama como em duas casas-de-banho. Estes alegam que esta situação aconteceu no dia 10 de maio, quando ainda aguardam a decisão do Tribunal da Relação de Barlavento sobre um recurso interposto ao indeferimento de um pedido de embargo extra-judicial da obra pelo Tribunal de S. Vicente. No entender dos Ferreira, os donos do empreendimento desrespeitaram a lei pois, justificam, quando enviaram o processo para essa instância superior as janelas ainda não estavam tapadas, o que viria a acontecer, dizem, faz poucos dias e sem ainda haver uma posição do Tribunal da Relação. 

Os Ferreira, que são emigrantes, contam que adquiriram o apartamento no segundo andar de um prédio na Rua Angola há 17 anos e nunca tiveram problemas de maior. “Depois de todos esses anos, o terreno ao lado é vendido a um grande investidor. Vai construir apartamentos e uma clínica, tudo bem. O projeto dele é aprovado pela mesma Câmara que aprovou o nosso. Só que o projeto dele vai tapar as nossas janelas, uma janela de um dos quartos de cama e as janelas das duas casas-de-banho”, explanam em carta remetida a este jornal.

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Acrescentam na missiva que, ao tomarem consciência desse risco, procuraram ter uma conversa com o promotor do empreendimento. “E ele diz-nos na cara, vou tapar sim, porque é meu direito. O vosso apartamento nunca deveria ter sido feito assim!”, relatam. Perante isso, e ao verem que a obra iria mesmo cobrir as janelas, decidiram fazer um embargo extrajudicial e de seguida solicitaram a ratificação do mesmo ao Tribunal de S. Vicente.

Só que, dizem, o Tribunal recorreu a uma engenheira da CMSV que aprovou o projecto do condomínio e esta opinou contra o protesto dos Ferreira. “Sem qualquer fundamento, apenas que sim!”, criticam. Estes lembram, entretanto, que o projecto do prédio onde moram foi autorizado há vinte anos, pelo que não admitem que agora venham a ser prejudicados pelo novo empreendimento. Assim, inconformados com a decisão do Tribunal de S. Vicente, meteram recurso da sentença para a Relação de Barlavento. Os denunciantes adiantam que a obra deveria ficar embargada à espera do posicionamento deste tribunal superior, mas constataram que o investidor deu continuidade aos trabalhos e tapou as janelas.

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Nós, cá fora, perguntamos: não há lei na nossa terra? Onde está o Tribunal, onde está a Câmara nessas horas? Como é que entramos nas casas-de-banho e temos uma parede de cimento à nossa frente? Não há ventilação, não entra luz solar! No quarto-de-cama há uma parede cinzenta onde antes havia uma janela! E ninguém faz nada, nada acontece a ninguém?”, questionam, acentuando que os emigrantes são estimulados a investir, mas, contrapõem, são maltratados na justiça.

A expectativa dos Ferreira era que o dono do condomínio iria deixar um espaço suficiente entre os dois prédios para a entrada de luz no apartamento. Informam que, depois do embargo, o promotor da obra avançou com a ideia de construirem uma janela na parte traseira do apartamento e ventilar a casa através de um tubo, mas rejeitaram essa possibilidade. 

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Prédio construído em “moldes ilegais”

Confrontado com a denúncia dos Ferreira, o arquitecto Alexandre Novais, promotor do projecto, rebate as acusações. Este alega que a situação foi criada devido a uma ilegalidade cometida na construção do prédio há cerca de vinte anos e que agora revela as suas consequências. “Estamos perante um caso em que foi permitida a abertura de janelas para a nossa propriedade, ou seja, a parede-meias. Isto é um exemplo daquilo que não se deve fazer em termos de urbanidade e da prática da boa vizinhança”, enfatiza o empresário.

Segundo Alexandre Novais, o Código Urbanístico diz “com toda a razão” que quem quiser abrir janela numa parede que dá acesso à residência de um vizinho tem que fazer um saguão ou então criar o espaço devido, mas dentro do seu terreno. “O que, é bom realçar, aconteceu com o prédio que fica do lado norte do nosso terreno. Tiveram o cuidado de criar um saguão e ainda evitar abrir janelas para o lado do nosso terreno”, sublinha o arquitecto.

No caso em litígio, continua, nada disso foi tido em conta. Pelo contrário, o dono do prédio construiu até a borda do terreno ao lado e abriu janelas sem ter em conta o direito dos proprietários do lote contíguo. “O construtor original do prédio aproveitou o facto de no terreno onde está a nascer o nosso empreendimento haver na altura uma casinha velha e pensou que essa situação iria prevalecer para a eternidade. Para maximizar os ganhos comerciais, construiu o prédio até a borda do seu terreno, sem saguão, e abriu as janelas para este lado”, descreve Novais.

Pelas informações que este arquitecto dispõe, o dono dessa obra foi advertido na altura pela Câmara de S. Vicente desse aspecto, mas ele passou por cima da lei. Novais revela que os donos da casinha velha chegaram a apresentar uma queixa na CMSV, a edilidade notificou o dono do prédio, mas nada aconteceu. “Foi mais uma situação que morreu dentro de uma gaveta porque o construtor era alguém com muito peso social e económico em S. Vicente. E, como muitas vezes acontece, não houve a devida fiscalização e o prédio foi construído em moldes ilegais”, sustenta Novais.

Para o arquitecto, quem comprou os apartamentos nessas condições deveria estar ciente de que enfrentaria este tipo de problema cedo ou tarde. “Ora, quem comprou não pode vir agora alegar que comprou assim e pronto”, adverte. Confrontado com a questão das janelas do apartamento que foram tapadas quando está no Tribunal da Relação de Barlavento um recurso, refere que já tinha introduzido nos estudos de estabilidade as alterações necessárias para qual for a decisão do Tribunal da Relação, visando dar satisfação num sentido ou noutro. De todo o modo, acrescenta o arquitecto, a laje de betão que cobre esse andar não foi ainda executada e a janela do quarto não foi também bloqueada. “O que tapamos, sim, foram as frestas das casas-de-banho, que essas de todo o modo estão fora do processo. Em qualquer dos casos, as frestas não entram nesta equação, pois não são aceitáveis em nenhum recurso, isso diz a Lei.”

Novais acentua que o processo judicial diz respeito unicamente à janela do quarto, que, assegura, não foi e não será tapada até a decisão do Tribunal da Relação. Entretanto, traz à tona um aspecto que ele considera fundamental: o facto de ter dado andamento às obras nessa área depois de saber que o Tribunal de S. Vicente chumbou o embargo extrajudicial. “Tendo um caso que me é indiscutivelmente favorável, onde já tive duas sentenças a meu favor, não iria deliberadamente colocar-me à margem da Lei. Tão somente uns 20 cm de um pilar em betão ficou em frente a essa janela (que conserva toda a vista) e, sendo essa uma obra pesada, vai ficar aguardando a decisão da Relação, que não deverá tardar”, assegura Novais.

Custos adicionais

Composto por 13 apartamentos, um hotel e uma clínica especializada, o empreendimento começou a ser construído há um ano, tendo sofrido uma paragem motivada pelo estado de emergência, em 2020. Entretanto, devido ao pedido de embargo extrajudicial intentado pelos donos dos apartamentos do primeiro e segundo piso, a obra voltou a ficar suspensa por quatro meses, segundo Novais, com custos adicionais elevadíssimos. 

“Estamos a falar de um investimento de um milhão e meio de euros com financiamento bancário. Uma obra que vai criar emprego e dotar S. Vicente de uma clínica especializada e que, entretanto, sofreu atrasos que alguém terá de assumir no final deste processo porque estou ciente de que a decisão nos será favorável”, adverte o empresário, acrescentando que desde o inicio deixou a possibilidade da construção de uma janela na parte traseira do apartamento – “uma espécie de servidão de vista” – que iria proporcionar a mesma entrada de luz e melhor vista, mas a mesma nem sequer foi tida em conta. Isto quando, chama atenção, não tinha qualquer obrigação de fazer isso. Porém, diz, para ele não haveria problema porque essas janelas dariam acesso a um espaço semi-público do condomínio.

Alexandre Novais deixa claro que sempre esteve aberto a analisar os eventuais constrangimentos com a vizinhança, tendo para o efeito recebido o representante dos proprietários de um dos apartamentos em causa no seu próprio gabinete, há cerca de três anos. Entretanto, diz, este chegou a negar esse facto no Tribunal de S. Vicente no âmbito do pedido de embargo, comportamento que o deixou indignado.

Novais admite que ficou chateado quando soube que os proprietários partiram para o embargo extrajudicial, assim, de surpresa. Por isso não descarta a hipótese de ter dito que ia tapar as janelas. Mas, para ele, o mais significante é saber que os Ferreira estão a bloquear uma obra com base numa situação ilegal, tanto assim que dois juízes do Tribunal de S. Vicente não ratificaram os dois pedidos de embargo extrajudicial.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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