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Pandemia da Covid-19: O debate sobre a obrigatoriedade ou não da vacina

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“Nossos dias mais sombrios na batalha contra a Covid ainda estão por chegar, não os deixamos para trás. Por mais frustrante que seja ouvir isso, vamos precisar de paciência, persistência e determinação para derrotar este vírus” [Joe Biden]. 

Por: Arlindo Rocha* 

O debate sobre a importância ou não das vacinas é uma questão antiga e sempre colocou grupos anti-e-pró-vacinação em lados opostos. A polêmica instalou-se principalmente devido a dois pontos: a obrigatoriedade e a eficácia ou não das vacinas. Mas, é preciso referir, logo de partida que, mesmo entre médicos e especialistas, nunca houve consenso generalizado sobre a obrigatoriedade e a eficácia das mesmas. 

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De qualquer forma, ao analisarmos os benefícios logrados à saúde pública nas últimas décadas, principalmente nos países em desenvolvimento, não há como negar que houve progressos visíveis através da erradicação e o controle de muitas doenças, através da imunização precoce de crianças e adolescentes. Ou seja, a massificação e a democratização das vacinas, certamente ajudaram a ‘salvar’ e a trazer qualidade de vida a todos nós. Mas, apesar disso, vozes inconformadas e barulhentas de uma minoria denominada ‘antivacinas’ tentam por diversas vias transmitir de forma equivocada informações distorcidas sobre a eficácia e a importância das mesmas, atitude que tem impactado negativamente as campanhas de vacinação pelo mundo afora.  

A massificação e a democratização das vacinas, certamente ajudaram a ‘salvar’ e a trazer qualidade de vida a todos nós. Mas, apesar disso, vozes inconformadas e barulhentas de uma minoria denominada ‘antivacinas’ tentam por diversas vias transmitir de forma equivocada informações distorcidas sobre a eficácia e a importância das mesmas...

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Esse movimento, segundo estudos recentes, tem contribuído para o (re)surgimento de algumas doenças julgadas como extintas ou controladas, pois, na ausência da imunização, crianças, adolescentes e jovens ficaram mais vulneráveis e susceptíveis a contraírem determinadas doenças. Contra os benefícios amplamente conhecidos, o movimento tem conquistado a simpatia de políticos, agentes públicos, influenciadores, etc. Por essa razão, teorias de conspiração e fake news têm cada vez mais feito eco no coração e na mente de muita gente. A isso, pode-se acrescentar ainda, outros factos que impactam negativamente as campanhas de vacinação como o extremismo/fundamentalismo religioso, a instabilidade política, o populismo e o negacionismo crescente. 

Para quem nega a realidade e a importância das vacinas é salutar fazer um trabalho pedagógico, retornando aos primórdios para saber como estas surgiram. É imprescindível frisar que, o termo como conhecemos hoje, surgiu em 1789, graças ao cientista inglês, Edward Jenner (1749-1823). Seus estudos foram baseados em relatos que davam conta que trabalhadores rurais não pegavam varíola, pois já haviam tido a varíola bovina, de menor impacto. Baseado nesses relatos, introduziu os dois vírus em James Philipps (criança de oito anos) e percebeu que o rumor tinha de fato uma base científica. 

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A partir do resultado obtido previu que, aplicando a experiência à população a doença, certamente, seria erradicada, o que veio a acontecer séculos depois, com a vacinação massiva das pessoas no mundo inteiro. O termo “vacina” deriva de ‘Variolae vaccinae’, nome científico dado à varíola bovina. A partir da experiência de Jenner, surgiram outras experiências cientificamente ainda mais eficazes. O francês Louis Pasteur (1822-1895) foi o responsável pelo desenvolvimento da segunda geração de vacinas, tendo criado a primeira vacina contra raiva (vacina antirrábica) e sugerido o termo para batizar a recém-criada substância, em homenagem a Jenner. Graças a eles, e com os avanços científicos, atualmente, podemos celebrar a existência de mais de 20 vacinas disponíveis para a imunização de várias doenças. 

Mas, com a Covid-19 e a polarização política crescente, bastante nociva ao combate do vírus, ressurge (de novo) a polêmica sobre a obrigatoriedade e a eficácia ou não das vacinas, numa época em que a pandemia já ceifou milhares de vidas, deixou famílias destroçadas, pessoas desempregadas e psicologicamente abaladas pela sucessão de eventos e restrições impostas a todos visando o bem comum. As medidas não farmacológicas como a higiene pessoal, o uso obrigatório de máscaras, o distanciamento social foram vistas, inicialmente, como as únicas formas de conter o avanço descontrolado da pandemia. 

Com a Covid-19 e a polarização política crescente, bastante nociva ao combate do vírus, ressurge (de novo) a polêmica sobre a obrigatoriedade e a eficácia ou não das vacinas, numa época em que a pandemia já ceifou milhares de vidas, deixou famílias destroçadas…

Estes, em certos casos não se revelaram muito eficazes, pois, as pessoas continuam convivendo com outras pessoas, usando transportes lotados, viajando, frequentando bares, restaurantes, praias, festas, ou melhor, aglomerando. Esse vírus, como todos sabem, adora aglomerações! As pessoas a despeito de não poderem desfrutar da solidão dos seus apartamentos ou casas são facilmente atraídas pelo barulho, pela diversão e pelo tumultuo, tornando-se hospedeiros e presas fáceis para esse vírus que não olha e não escolhe a quem infectar. Infelizmente, muita gente aprendeu, não por amor, mas pela dor, o quão esse vírus é nocivo à saúde, principalmente dos mais vulneráveis. Quantas mais vidas serão sacrificadas? Quantas pessoas amigas, familiares, parceiros deixarão nossa convivência? Até quando???         

No mundo inteiro, deu-se inicio a uma maratona investigativa cujo objetivo inicial era encontrar uma vacina, capaz de conter a pandemia, pois, ainda não existe nenhum remédio que provou ser eficaz no seu combate. Por isso, a brevidade com que os testes estão sendo realizados em diversos países, os resultados ainda provisórios e possíveis efeitos colaterais (pouco significativos) têm, apesar de tudo, merecido a desconfiança dos ‘negacionistas’ que vêm um mal real com a aplicação da vacina.

Desconfiar, questionar ou problematizar são atos legítimos e até salutares. Porém, quando determinadas questões técnicas e científicas são julgadas na praça pública, muitas vezes por pessoas leigas, sem formação/informação, é preciso que haja, de facto, outros canais informativos capazes de esclarecer todas as dúvidas (ou parte delas), pois, com a massificação das mídias sociais, as fake news ganharam terreno, e, passaram a ser vistas como verdades irrefutáveis e absolutas. 

Diante de tanto sofrimento, precisamos confiar um pouco mais na ciência e nos cientistas, pois, o destino da humanidade, infelizmente ou felizmente encontra-se nas mãos deles. Certamente, não salvarão a humanidade, mas, evitarão que centenas de milhares de pessoas percam a vida

Diante de tanto sofrimento, precisamos confiar um pouco mais na ciência e nos cientistas, pois, o destino da humanidade, infelizmente ou felizmente encontra-se nas mãos deles. Certamente, não salvarão a humanidade, mas, evitarão que centenas de milhares de pessoas percam a vida, o bem mais precioso que foi emprestado a cada um de nós e que precisamos preservar. Muitos ficarão pelo caminho, pois, a ciência e os cientistas não são infalíveis. Por isso, precisamos fazer nossa parte facilitando o trabalho dos que estão na linha de frente, e incansavelmente pesquisam e estudam noite e dia.   

Atualmente a desconfiança na ciência e nos cientistas, possivelmente, alcançou níveis mais altos. Diante dessa situação somos todos chamados a dura realidade que é a preservação da vida. E mais, somos chamadas a proteger os mais frágeis, os mais vulneráveis, não pela obrigatoriedade de tomar uma vacina, mas, pela responsabilidade de saber que não vivemos numa ilha, isolados dos demais. Vivemos todos numa aldeia global, por isso, devemos pensar globalmente. Mas, não basta apenas pensar, é preciso agir, ou seja, a participação coletiva está condicionada a própria sobrevivência da humanidade. Pois, jamais fomos tão ameaçados.

Em vários países já foi dada a largada para a vacinação da população em larga escala. Esse processo segue uma metodologia que determina ser vantajosa começar pelos mais vulneráveis, isto é, os idosos, os portadores de comorbidades, os profissionais de saúde, etc. Posteriormente, a campanha será ampliada a todos. No entanto, vários laboratórios recomendam que determinados grupos de pessoas não sejam vacinadas nessa primeira fase, pois, estas, não fizeram parte dos testes realizados, nomeadamente: pessoas alérgicas, crianças, adolescentes e gestantes.

Os resultados obtidos são animadores, pois, os efeitos registrados até agora têm sido insignificantes, em comparação com o benefício que a vacina proporcionará às pessoas a curto prazo, visto que, na ausência de um medicamento, a vacina contra a Covid-19 é a principal arma. É preciso frisar que, apenas estamos no começo, e que, a possibilidade de vacinar 50% da população mundial levará, certamente, muitos meses, pois, tanto os laboratórios, assim como cada país, estado ou município precisa criar as condições logísticas e garantir que as normas e os procedimentos sejam criteriosamente seguidas, que os problemas de armazenamento e distribuição sejam resolvidos e que as pessoas possam voltar ao ‘novo normal’. 

Mas, nesse ‘novo normal’ precisaremos manter e reforçar todas as práticas que ajudaram a desacelerar o avanço da Covid-19, pois, as vacinas não garantem 100% de eficácia. Desta forma, não serão o ‘salvo-conduto’ que autorizará as pessoas deixarem de proteger a si e aos outros. Portanto, exige-se a todos uma mudança efetiva de comportamento, pois, o mundo pós-pandemia, jamais será o mesmo. É um imperativo que continuemos usando máscaras, o distanciamento social e a higienização constante, ou melhor, devemos continuar agindo como se a máxima da nossa ação devesse tornar-se, através da nossa vontade, uma lei universal, como defendeu Kant através do seu imperativo categórico. 

Desta forma, seremos nós próprios legisladores das nossas condutas, pois, se vivemos em comunidade, devemos agir em prol do bem comum e não individualmente. Logo, a liberdade do pensamento e ação individual, deve ter como pressuposto a busca de melhores soluções e alternativas de um futuro coletivo cada vez mais adequado a convivência harmoniosa entre todos. 

É preciso frisar que não se trata de fazer apologia à obrigatoriedade de tomar ou não a vacina, mas, fazer com que todos possam assumir suas responsabilidades tanto individuais assim como coletivas.

A Covid-19 nos chama a pensar e a agir em prol de uma sociedade mais sadia, mais justa, mais humana, onde o amor aos outros deve ser igual a nós mesmos, ou seja, a empatia é o fator chave para que nossa humanidade triunfe sobre a desumanidade reinante em diversos nichos da sociedade permeada pela liquidez das relações humanas onde tudo se deteriora em função de um individualismo que coloca cheque a coletividade. 

Para concluir, é preciso frisar que não se trata de fazer apologia à obrigatoriedade de tomar ou não a vacina, mas, fazer com que todos possam assumir suas responsabilidades tanto individuais assim como coletivas. A questão da obrigatoriedade, em minha opinião é secundária. Nesse sentido, desnecessário é, legislar sobre esse assunto, já que, naturalmente as pessoas, certamente, sentirão a necessidade de serem imunizadas, pois, os mecanismos de controle social exigirão que, em todos os casos as pessoas apresentem seus atestados de vacinação visando não colocar os outros em perigo eminente de contrair o vírus. Mais consciência coletiva e empatia, por favor!

Rio de Janeiro, Brasil, aos 26/12/2020

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*Doutorando na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bolsistas CAPPES – Brasil.  

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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