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O homem que quis morder o cão…

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Por: Nelson Faria

De um caso judicial muito mediatizado a qual desconhecemos o final, leva-me a partilhar o seguinte conto: O Homem que quis morder o cão.

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O cão era reconhecidamente um animal serviçal pela segurança que prestava ao dono e a coletividade, com alguns méritos reconhecidos, entretanto, por algumas vezes, escudado na autoridade que impunha pelo seu porte e características, cometeu algumas atrocidades mordendo alguns inocentes, sobretudo quando não tinha a cerca à volta da casota.

O Homem, um eterno inconformado com a autoridade do cão e agastado com os deslizes que este tinha cometido, tinha o propósito, acima de tudo, de conseguir domar o cão a seu belo prazer como se do dono se tratasse, nem que para isso tivesse de caracterizar o cão apenas como um elemento diabólico, não reconhecendo os seus méritos e bondade.

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Bastas vezes o Homem circundava a cerca onde estava a casota do cão, insultando-o, sem que o cão esboçasse reação. Passado algum tempo, por tornar-se rotina e por o cão já não estar tão equilibrado, acossado pelo dono, começou a esboçar reação, latindo em direção ao Homem tentando demonstrar que queria atingi-lo, ao menos não estava satisfeito com os insultos que recebia. A reação subiu de tom e o cão começou a ficar raivoso querendo, a todo o custo, morder o Homem. O que não sabia era que o Homem também queria fazer o mesmo. Este, porém, na segurança da cerca que o separava do cão, andava tranquilo à volta da vedação sem se preocupar em ser mordido.

Andava de um lado, rodopiava pelo outro, sempre com o fito do olhar do cão nos seus movimentos. De tanto insultar e verificar que nada o cão podia fazer contra ele, também subiu o tom das provocações chegando até a subir na cerca, entrementes, sem pular para o outro lado. Sempre que o cão se aproximava nesses momentos ele punha-se na sua zona de conforto.

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Contudo, tomado pela adrenalina de ver o cão raivoso, latindo e tentando atacá-lo, disse para consigo mesmo: “Irei domesticar este cão a meu jeito e irei mordê-lo para que ele aprenda a ficar quieto perante a minha presença, como se fosse eu o seu dono.”

Tomado por este pensamento, armado em super-herói, decidiu pular a cerca quando o cão ainda estava na casota, aparentemente a dormir. Quieto e sem barulho, pé ante pé, aproximou-se da casota para agarrar o cão e… morde-lo. Numa demonstração de ser super, iludido por um pseudo super poder atribuído por outros descontentes como cão. Porque sim, porque se achava melhor para morder o cão do que o contrário.

Como é óbvio, o cão mesmo quieto sentiu a entrada do seu “amigo de estimação” no recinto, pelo olfato e por alguns movimentos. Aguardou serenamente e taticamente pela aproximação do Homem e quando este meteu a mão na casota para o agarrar: “Nhack nhack nhack”. O Homem foi mordido e agarrado pelos dentes do animal, que não o soltava por nada. Depressa se ouviram os gritos do Homem para ser solto, da agonia e sofrimento que os dentes do animal lhe causavam. Depressa populares se aproximaram e pediam para que o animal soltasse o Homem, porém, não se atreviam a atravessar a cerca para o resgatar. Enquanto isso, o dono do animal assistia da sua residência tudo o que acontecia, enaltecendo um grande “bem-feito” devido as provocações diárias do Homem e a sua ousadia de perturbar o animal no seu espaço.

O sofrimento do Homem era tanto que metia dó, mas nada garantia que, se fosse solto, não voltaria a insultar, provocar ou mesmo pular a cerca do cão nos mesmos moldes ou piores e, se calhar, por isso, o cão preferia mantê-lo preso entre os dentes. Dos populares que viam o acontecimento, já se tinha visto que, apesar da coragem de alguns a pedir clemência pelo desagrado que a situação causava, nenhum estava disposto a sacrificar-se para retirá-lo dali; e os poucos que tinham coragem, não tinham a força necessária tendo em conta a robustez do animal. O dono podia fazê-lo, porém, para evitar danos para o animal e para si, preferia continuar a assistir o andamento dos acontecimentos, deixando a critério do animal decidir se soltava, ou não, o Homem.

Desconhecendo o final deste conto, algumas questões ainda suscitam a minha curiosidade: por quanto tempo duraria a resistência do Homem? Se o animal tivesse a “sensatez” de o soltar? Se solto, quais as consequências para o animal e para o dono? Que atitude teria o Homem daí em diante? Como, doravante, se iria comportar o animal?

Certo é que, no tempo em que o cão queria intimidar tudo e todos, o melhor é continuar à procura do final da história e a relatá-la. Esta e outras que envolvem o cão… 

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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