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O “expediente Prestação de Serviço” e o Contrato de Trabalho

Os casos chamados de prestação de serviço que preenchem os requisitos de um contrato de trabalho são exatamente o que parecem: contratos de trabalho.

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Por: Nelson Faria

Pois, bem sei que em mercados de trabalho como o nosso, onde a procura de trabalho supera largamente a oferta, a extrapolação da lei laboral, os expedientes em contratos precários, os aproveitamentos e oportunismos de empregadores com outras finalidades que não o emprego decente, quer no sector público, quer no sector privado, são por demais evidentes. Quem de nós não conhece pelo menos um caso de trabalho precário no país? Não me refiro aos trabalhadores independentes informais, refiro-me sim às relações de emprego que tendem a precariedade e informalidade.

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Se é verdade que as causas da precariedade podem ser várias e variam de latitude para latitude, na sua essência abarcam a falta de regulamentação em alguns sectores de atividade, a terciarização do trabalho, eventualmente fatores ligados à globalização, como também os contratos de trabalho. É, particularmente, no ponto contrato de trabalho, sobretudo no “expediente” atual de chamar “prestação de serviço” a contratos de trabalhos que recaem a minha indignação.

Compreendo que por receio, medo até de se perder algo, a oportunidade e o posto de trabalho, não há reclamações, não há denúncias e nem ações contra os empregadores, considerando também as características do nosso mercado laboral já referidas (muita procura e pouca oferta de emprego, particularmente emprego digno). Porém, acho eu, que este tabu não pode nem deve ser continuado sobre este “expediente” que abarca quer o sector público quer o sector privado, considerando que carece sim de estudo independente e imparcial para dimensioná-la na nossa realidade e tratamento à luz da legislação vigente. Não pode continuar para que o trabalho possa ser um fator de dignidade e realização do ser humano e nunca o contrário.

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Ora, se a Constituição da República defende a dignidade do trabalho, se dizemos almejar os objetivos de desenvolvimento sustentável, entre eles o trabalho decente, se do Código Civil e do Código Laboral podemos pontuar a relação individual de trabalho, formalizada em contrato de trabalho, como sendo a materialização desse desígnio, então, como ser condescendente e continuar a alimentar este “expediente”? Os casos chamados de prestação de serviços que preenchem os requisitos de um contrato de trabalho são exatamente o que parecem: contratos de trabalho. Chamem-lhes os nomes que quiserem.

Entre outras, são características do contrato de trabalho e deste “expediente”: a subordinação do empregado ao empregador que é quem define as atividades a serem realizadas e como devem ser executadas; o consenso na definição das condições de trabalho, como salário, período de trabalho, duração, benefícios, entre outros aspetos; a remuneração do empregado pelo trabalho realizado, que pode ser feita por salário fixo, comissões, horas extras, entre outras formas; a garantia outros direitos e benefícios do trabalho, como férias remuneradas apoio familiar e cuidados de saúde, etc. Na dúvida, basta consultar o artigo 1149º do Código Civil conjugado com os art.ºs 26º à 35º do Código Laboral Cabo-verdiano, particularmente o artigo 32º que indica as características da consumação do contrato de trabalho.

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Portanto, não reconhecer o óbvio, o legal e o certo em nome da dignidade da pessoa do trabalhador, em nome do trabalho decente que tanto se apregoa à conveniência, mormente no sector público que deve ser exemplo, alimenta a precariedade laboral e todas as suas consequências na pessoa humana do trabalhador, ultrapassando a esfera laboral.  Nestas condições não há segurança, não há confiança, não há previsibilidade, não há proteção social, não há futuro para esses trabalhadores em situação de emprego não reconhecida. Assim sendo, longe ficamos do almejado, ao menos no parlare, trabalho decente.

Para mim que não sou jurista, é claro, contudo, creio que para os juristas ainda é mais cristalino. Por isso, reafirmo, penso que a dimensão deste “expediente” carece de estudo aprofundado e solução em função da legalidade, pelo menos.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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