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Tendência

Incúria e irresponsabilidade

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Por: Sónia Almeida

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Num post escrito há cerca de 4 anos sobre os desafios com que se confrontam os emigrantes e expatriados, mencionava, entre outros aspectos, a ausência de infrastruturas básicas em zonas bastante centrais e com potencialidades turísticas, já que situadas a uns 250 m da Laginha, uma das praias mais frequentadas e com maior vocação turística em Mindelo.

Se, em termos estéticos, a ausência de uma política urbanística digna deste nome faria fugir qualquer turista a sete pés, em termos práticos, a apatia das autoridades locais desta ilha a situações de alto risco para os cidadãos é, para além de incompreensível, totalmente desconcertante.
Dizia:
…”A estrada que leva a esse novo assentamento urbano – … em plena cidade, é extremamente perigosa, um perigo para o qual a CM já foi alertada. Não há visibilidade nenhuma à entrada ou à saida da estrada, o que quer dizer que a probabilidade de um choque frontal entre veículos é elevada e permanente. De um dos lados da estrada, bastante estreita e rugosa, fica um barranco ao fundo do qual se encontra uma escola. Quer isto dizer que, se um carro ou dois despencarem por aí abaixo, com sorte, morrem só os condutores. Com menos sorte, levam umas quantas crianças. E, sim, a CM já foi prevenida variadíssimas
vezes”
… 

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O que dizia no post, há quatro anos, não só continua a ser verdade, mas vai piorando a olhos vistos de dia para dia, ano após ano, sem que a CMSV levante um dedo e se digne a cumprir com o seu dever. Este dever – contemplado pelas legislações vigentes e diplomas relativos ao Saneamento Básico e Ordenamento Territorial e Urbanismo – implica a obrigação de assegurar-se que os lotes vendidos sejam devidamente urbanizados, isto é, dotados de infrastruturas mínimas. São estas: estradas minimamente seguras, electricidade, saneamento básico (abastecimento de água, esgoto sanitário, limpeza urbana,
drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.

Apesar dos apelos incessantes, a CMSV tem permanecido impávida e serena na sua indiferença complacente.

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Na semana passada, depois das primeiras chuvas, abriu-se um enorme buraco à frente de um dos prédios, resultante do deslizamento de terra de uma parte da estrada de terra batida, pondo em perigo não só a estabilidade do prédio, mas também a vida dos moradores. O muro que veda o pátio traseiro da Escola Técnica do Mindelo – e que se mantinha por um fio devido, por um lado, à sua
fragilidade estrutural e, por outro, devido a pressão da terra que se ia acumulando – acabou por desmoronar-se. Uma sorte que lá não estavam os estudantes.

Dos esgotos, emanava um cheiro nauseabundo, a 300 metros da Laginha. Para completar este quadro vergonhoso e apocalíptico, o largo foi transformado num pântano de lama e lixo, brindando-nos com uma grande quantidade de plásticos, o que infelizmente por aqui não falta.

Sem qualquer infrastrutura e parecendo mais uma “tchada” do que outra coisa, a vizinhança não tem quaisquer escrúpulos em transformar esta antecâmara da Laginha numa casa de banho a céu aberto para os seus cães de estimação e despeja, sem hesitação, o lixo que, valsando ao vento, precisa apenas de alguns minutos para atingir a Laginha.

Oxalá fosse um caso isolado. Basta, contudo, um pequeno périplo pela cidade adentro para constatar o nível de prejuizos que o desleixo, a incompetência, a incúria e a irresponsabilidade da CMSV e das demais autoridades “competentes”, causaram. A quem caberá pagar a factura? E quem será responsabilizado pela péssima gestão desta ilha? É que, em vez de utilizarmos os escassos recursos financeiros as migalhas concedidas pela capital a S.Vicente – para investir no desenvolvimento da ilha, estes são utilizados para tapar os buracos já mil vezes tapados.

Mas não se trata apenas de uma inconcebível má gestão financeira ou péssima gestão da coisa pública. Trata-se de uma gestão criminosa num país pobre onde todos os cêntimos deveriam contar. O crime é contra os contribuintes, cujos impostos estão a ser utilizados de forma leviana e irresponsável; é contra os
indigentes cujas dificuldades diárias são ignoradas; é contra os estudantes da escola que poderiam ter sido vítimas mortais desta bandalheira; é contra os moradores de casas precárias e é, também, contra a Humanidade e o Planeta, porque o oceano não é só nosso.

Entretanto, enquanto os nossos governantes desfilam por este mundo fora, nas Nações Unidas, na União Europeia, Ásia e Àfrica, fazendo grandes declarações, assinando acordos e aderindo a iniciativas destinadas a promover o desenvolvimento, a proteger o meio ambiente, comprometendo-se adotar planos de ação para a redução de riscos de desastres, com vista à protecção das populações e bens, a realidade é, sem grandes surpresas, diametralmente oposta.

À revelia do senso comum, dos interesses colectivos e dos compromissos assumidos – a nível nacional e internacional – continuam a ser autorizadas construções em leitos de antigas ribeiras, à beira-mar, em encostas onde o risco de deslizamento é elevadíssimo. Como se tudo isto não bastasse, não existem
iniciativas/directivas nenhumas em matéria de gestão de resíduos. Talvez até existam, mas do papel não passam.

Após cada chuva o cenário é o mesmo: Por um lado, enxurradas, cheias, deslizamentos de terras, desmoronamentos, sacos e garrafas de plástico flutuando e resvalando pelas encostas abaixo, vítimas mortais, desalojados… e, por outro, autoridades “poncespilateanas” que lavam as mãos e viram a cara
para o lado, atribuindo todas as culpas a providentes fatalidades da natureza.

Uma coisa é certa, não se pode acusar os nossos políticos e afins de não terem um excelente sentido de humor. As falhas, essas, situam-se mais no âmbito da competência, responsabilidade, empatia, valores, na falta de vergonha e brio.

Enfim, em tudo o que é realmente importante. Tudo o que distingue um mercenário dum Homem de Estado, um oportunista dum Tzadik (do hebreu, aquele que põe os interesses do próximo acima dos seus em todos os sentidos).

Para grande mal dos nossos pecados, duas patologias gravissimas – a cegueira e a indiferença – parecem ter contaminado de forma irrreversível a comunicação social, as organizações internacionais e representações diplomáticas neste país, impedindo-as de ver e denunciar tão má(s) governação (ões). E porque parece que a maior parte da população foi contimanada por uma outra doença conhecida por “tchá bai”, estamos definitiva e irremediavelmente lixados!

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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