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A pandemia da Covid-19: Necessidade de um novo pacto social

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Por: Arlindo Rocha*

“O pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade que todos eles se comprometem sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos” (ROUSSEAU).

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A velocidade com que tudo acontece atualmente no mundo inteiro, e a forma com que estamos aprendendo a lidar com fatores internos e externos, colocou-nos frente a frente com o desafio e a possibilidade de maior contacto com pessoas portadoras de valores, crenças e visão de mundo, absolutamente diferentes. Nenhum país é mais uma “ilha” isolada nesse imenso planeta, nenhum cidadão jamais deveria ser refém de um sistema político, económico ou religioso.  

Diante dessa situação, novos problemas e novas soluções são deveras necessários para que, efetivamente, possamos continuar a conviver de forma pacífica nessa aldeia global no qual fomos convidados a permanecer por algum tempo, com a obrigação de conservá-la para as gerações vindouras, pois, tudo o que está a nossa disposição não o herdamos dos nossos antepassados, mas, o pegamos emprestados dos nossos filhos e netos, por isso, nada mais justo que o protejamos.

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Há cerca de 10 meses o mundo está sendo desafiado pela maior pandemia do séc. XXI, que já ceifou milhares de vidas, destroçou várias famílias, destruiu muitos sonhos, inviabilizou negócios, investimentos, carreiras, eventos, faliu grandes e pequenas empresas, fez surgir novas oportunidades e desafios…

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No mundo inteiro, fatores naturais, sociais, culturais, éticos e religiosos sempre despertaram no homem o sentimento de conflito, tanto interno como externo, ou seja, a convivência com os outros nem sempre ocorreu de forma pacífica. Alguns desses fatores foram exacerbados ainda mais em períodos de guerras, desastres naturais e pandemias.

Há cerca de 10 meses, o mundo está sendo desafiado pela maior pandemia do séc. XXI, que já ceifou milhares de vidas, destroçou várias famílias, destruiu muitos sonhos, inviabilizou negócios, investimentos, carreiras, eventos, faliu grandes e pequenas empresas, fez surgir novas oportunidades e desafios, enfim, mudou o mundo e as relações humanas. Mas, parece que continuamos vivendo numa “insociável sociabilidade”, como diria o Filósofo Immanuel Kant.

A pandemia da Covid-19, que comecou num mercado popular de Wuhan – China, rapidamente chegou a todas as partes do planeta terra. De um mercado “pobre”, viajou na primeira classe das grandes companhias aéras para países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O vírus colocou-nos frente a frente com as nossas contingências, fragilidades, inseguranças e medo, pois afetou e continua afetando ricos, pobres, brancos, pretos, jovens, adultos, mas, sobretudo, pessoas com comorbidades e idosos, cuja taxa de mortalidade é a mais elevada.

Por outro lado, obrigou-nos a refletir sobre nossas posturas em relação a tudo: a nós mesmos, a família, aos amigos, as entidades patronais, enfim, a sociedade como um todo. Sendo assim, cada um de nós tornou-se (co) responsável, não só por nós mesmos, mas, pelos outros. Cedo, percebemos que seria necessário medidas extremas para contornar a pandemia sem que houvesse muitas perdas humanas.

A despeito de alguma insensatez, muitos aprenderam de forma trágica que o vírus é o mais “democrático” que os outros, pois, não olha a quem; outros, nem por isso, mas, precisamos perseverar, pois, o que nos distingue dos outros seres da natureza é a nossa capacidade da autorreflexão, autosuperação e autotransformação

Entre incertezas e decisões, nem sempre fáceis e assertivas, fomos obrigados a aprender com os erros e acertos dos que tinham em mãos o poder de decidir sobre o futuro da humanidade. Desde o uso flexível ao uso obrigatório das máscaras, do isolamento social vertical ao horizontal, e, finalmente, ao lockdown, da higiene comum, aprendemos, de facto, a higienizar com mais frequência as nossas mãos, nossas casas, carros, ambiente de trabalho, pois, fomos persuadidos que a solução, dependia, em grande parte, da nossa postura responsável como seres humanos.

A despeito de alguma insensatez, muitos aprenderam de forma trágica que o vírus é o mais “democrático” que os outros, pois, não olha a quem; outros, nem por isso, mas, precisamos perseverar, pois, o que nos distingue dos outros seres da natureza é a nossa capacidade da autorreflexão, autosuperação e autotransformação. Mas, para isso, precisamos urgentemente de um novo ‘Pacto Social’, pois, cada vez mais, somos obrigados a conviver com pessoas dos diversos nichos sociais, políticos e religiosos.

Historicamente, o termo “Pacto Social”, que consagrou os princípios do Direito Político dos Cidadãos é amplamente conhecido, pois foi abordado na obra O Contrato Social do filósofo Jean-Jacques Rousseau, publicado pela primeira vez em 1762. É uma obra fundamental para a história da filosofia que marcou o ideário da Revolução Francesa, cujo lema foi Liberté, Egalité, Fraternité  (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) entre os povos, o que conduziu a elaboração da noção do Estado Moderno e à universalização dos direitos sociais e a origem das liberdades e garantias individuais a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Na obra Rousseau não qualifica o “Contrato” como uma convenção (Lei) por meio da qual as pessoas seriam obrigadas a fazer, ou deixar de fazer determinada coisa, mas sim como um ‘pacto’ no sentido filosófico, incluindo compromissos recíprocos que resultam em convenções implícitas na vida em sociedade, ou seja, o respeito, a tolerância, a empatia e a solidariedade. Na visão rousseriana, os homens seriam bons e viveriam em paz.

(…) somos obrigados a questionar e a refletir sobre qual é a nossa posição na atual sociedade, cada vez mais corrupta, intolerante, racista, machista e xenófoba…

Desta forma, todos seriam irrepreensíveis em suas condutas, honestos, incorruptíveis, moralmente retos, sendo a sociedade que os tornam maus criando a diferença entre eles. Na prática, os homens deveriam ser capazes de seguir ipsis litteris o imperativo kantiano: “age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal”, em outras palavras, seria o mesmo que dizer: “ama a teu próximo como a ti mesmo”. Mas, infelizmente, a sociedade corrompeu seus membros.

Diante disso, somos obrigados a questionar e a refletir, qual é a nossa posição na atual sociedade, cada vez mais corrupta, intolerante, racista, machista e xenófoba […]. Por isso, sugerimos as seguintes questões: Atualmente, qual o elo que liga os componentes de uma sociedade? Qual ato funda a vida social de forma justa? Numa sociedade o que legitima os direitos iguais para todos? Ainda que não tenhamos respostas efetivas sobre questões tão complexas, começar a refletir sobre, já é um bom começo, pois, atualmente o que caracteriza nossas relações é a ausência de reflexão.

Opinamos sobre tudo e todos, mas, não aprofundamos as questões, pois, nos contentamos com discursos superficiais, aforismos breves, notícias falsas (Fake News) e militamos muitas vezes, sem saber, em complôs que visam segmentar a sociedade com teorias de conspiração absurdas. Tornamo-nos Teletubbies das mídias sociais. Charles Peirce (pai da semiótica) não entenderia o porquê de ainda não sermos capazes de produzir nossos próprios pensamentos e imagens.   

Ao estabelecermos o novo pacto social, acredito eu, que ‘estaremos todos embarcados’, ou seja, comprometidos com o futuro da nossa civilização, pois, a Covid-19 nos está a mostrar que, se as pessoas não pensarem e agirem coletivamente, a sociedade corre sérios riscos. Certamente, não desaparecerá, mas, perderemos muitas pessoas queridas, amigos, familiares e até nós mesmos, pois, não somos e nem estamos imunes a nada. Por isso, em vez de optarmos pelo darwinismo social (sobrevivência dos mais aptos), somos todos chamados a proteger os ‘menos aptos’, ou seja, os mais frágeis e susceptíveis ao vírus e suas consequências.

Por enquanto, o distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos, são nossas únicas armas. A elas acrescenta-se a possibilidade de uma vacina que seja eficaz, não importando se será da China, dos Estados Unidos ou da Rússia, o que mais deveria importar é a garantia que o vírus possa ser aniquilado através da ciência e do conhecimento.   

Vozes contrárias (antivacinas) crescem a cada dia, a obrigatoriedade, ou não, entrou nas pautas políticas, mas, isso é o que menos deveria importar, pois, somos todos chamados a celebrar, de novo, o pacto social para a preservação da humanidade, ou seja, somos chamados a garantir e a proteger não só a nós mesmos, mas, a todos, sem exceção. Que possamos olhar para os outros com sentimento de gratidão, amizade, reconhecimento e amor a vida. Mais empatia, POR FAVOR! 

Rio de Janeiro, Brasil, aos 18/12/2020

*Doutorando na Pontifícia Universidade católica de São Paulo (PUC-SP), bolsistas CAPPES – Brasil.  

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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