Por: José Fortes Lopes
Em dois artigos de facebook (não publicados em jornal) intitulados Cabo Verde em busca de soluções para o Futuro (cheio de incertezas) de um arquipélago perdido no Atlântico apresentei algumas algumas considerações gerais sobre a motivação do tema em discussão. Como referi, apesar do contexto ter mudado, 70 anos passados, quando a questão foi apresentada, numa altura em que soçobraram impérios e em que se procedia ao início da descolonização de territórios africanos, ela ainda persiste: Qual o futuro do arquipélago de Cabo Verde num Mundo em rápida transformação e reconfiguração, e num futuro cheio de incertezas. Um país independente ou iternamente dependente? Alguns preocupam-se e tentam encontrar soluções!!
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Apesar de se poder teoricamente explorar vários caminhos possíveis, irei neste artigo explorar unicamente um, analisando a questão a partir da perspectiva da aproximação à UE, que decorre do actual Estatuto Especial de Cabo Verde junto da EU. A Macaronésia seria hipoteticamente uma entidade geopolítica, que incluiria os seguintes arquipélagos: Açores, a Madeira, as Canárias e Cabo Verde, uma das mais antigas possessões africanas de Portugal. À primeira vista pode parecer estranha e contranatura, e mais uma espécie de pronto a vestir para Cabo Verde, do que uma necessidade para Portugal, a Espanha ou a EU. Na verdade, a criação deste espaço pode revestir de algum interesse político e geoestratégico. Mesmo assim, uma questão que se coloca logo à partida é se haverá alguma vantagem para Portugal, a Espanha, EU a sua criação?! A priori nenhuma!!
Não trato, pois, aqui o caso da via africana que foi consumado com a independência do arquipélago em 1975, de acordo com o projecto politico de cariz africano do Paigc/cv, sendo Cabo Verde hoje membro de pleno direito de diversas organizações africanas, nomeadamente a OUA e a CEDEAO. Todavia, os frutos destas opções/adesões para o arquipélago não são ainda perceptíveis.
Não trato também a questão da Região Autónoma de Portugal, por me parecer demasiadamente utópica ou irrealista, tal como defendem e propõem Jose Gabriel Mariano (JGM) e Nova Portugalidade, pois, no meu entender, corresponderia a uma reabsorção de Cabo Verde por Portugal, questão que não se coloca hoje e de difícil implementação, diria mesmo quase impossível.
Com efeito, contrariamente ao Portugal de Minho a Timor de Salazar, o Portugal do pós-25 de Abril e da descolonização convém um Cabo Verde independente e soberano, com o qual tece laços de amizade, cooperação e negócios, sendo este um bom parceiro comercial. Para além disso, Cabo Verde, como país africano, interessa a vários outros países do Mundo (para somente citar a China, a Rússia, os EUA, etc), por várias razões, entre outras geoestratégicas, sendo o arquipélago uma peça no xadrez regional africano, no que concerne a questões de segurança no Atlântico Sul e no flanco oeste do continente africano.
Antes de analisar os diferentes pontos da criação da Macaronésia, pode-se questionar se Cabo Verde já não dispõe de um Estatuto Especial (EE) (1) junto da EU, que teve nas pessoas de Mário Soares, Adriano Moreira, Durão Barroso e vários amigos portugueses de Cabo Verde apoios variados na candidatura, um estatuto que lhe garantiu ao longo de mais de uma década apoios e benefícios especiais. Isso deve bastar para ambas as partes, ou será que este estatuto merece ser aprofundado pelo menos no interesse de Cabo Verde? Poderá haver um Estatuto mais Especial do que o actual, que possa ser garantido pela criação da Macaronésia? É uma questão que fica em aberto.
Neste quesito, João Matos, jornalista na Radio France, alerta que o actual EE de Cabo Verde é um vazio de conteúdo: “Os governos do MpD, negociaram nesse sentido a Parceria Especial com a União Europeia, que até hoje nunca foi bem entendida pela opinião, pois na realidade não passa de fumaça. A mensagem que foi passada é de que o cabo-verdiano ia poder viajar para a Europa e ser mesmo Europeu. Isso não passou de manipulação porque essa Parceria é oca e não dá a todos esses direitos de entrar na Europa ou ter passaporte Europeu como os cabo-verdianos desinformados sonharam. O próprio Soares e companhia exageraram os verdadeiros poderes de Portugal na Europa. Portugal não conta grande coisa na União Europeia mesmo nos tempos em que Durão foi Presidente da Comissão Europeia.”
Mesmo assim deve-se recordar que o então primeiro-ministro José Maria Neves do governo do PAICV, herdeiro do PAIGC, no seguimento do lançamento em Portugal de uma iniciativa pública liderada por Adriano Moreira e Mário Soares, contando com numerosos apoios de personalidades políticas portuguesas visando a adesão plena de Cabo Verde à União Europeia, invocando a “identidade cultural” como critério de adesão para países como Cabo Verde, afirmou que Cabo Verde poderia apresentar “uma candidatura formal de adesão à União Europeia, desejando ir “o mais longe possível” na cooperação com a UE. “Queremos elevar o patamar e isso é algo de estratégico para o futuro de Cabo Verde, mas também para o futuro da Europa” (2).
Não se sabe se o pedido alguma vez avançou, mas uma coisa é certa permitiu alavancar o EE. Recorde-se que a UE, ao abrigo do EE, presta a Cabo Verde uma ajuda orçamental específica, para além disso financia vários projectos de cooperação e assistência (no computo total, a UE tem doado várias centenas de milhões de euros a Cabo Verde no espaço de duas décadas), e cereja em cima do bolo, o escudo cabo-verdiano é coberto nos mercados pelo Euro. Para além disso existe convergência ideológica e política entre Cabo Verde e EU, o primeiro adoptando grande parte da legislação europeia.
Não vou, pois, entrar nos detalhes políticos e diplomáticos necessários para a criação da Macaronésia, somente partir do ponto de vista teórico, apresentando as vantagens para Cabo Verde, os pontos positivos que podem merecer consideração e motivos suficientes que jogam a favor da tese. Com efeito, se a ideia que subjaz a alguma tese política é a de uma maior aproximação à EU através de Portugal, da criação de um espaço político para Cabo Verde na ultraperiferia da EU, logo associado à UE, apesar de parecer absurda, merece ser tomada em consideração e debatida. Cabo Verde manteria o seu estatuto de Estado soberano e independente, partilhando objectivos de desenvolvimento e segurança, simultaneamente com a pertença às organizações africanas.
Sobre este ponto, João Matos levanta também objecções consistentes. Segundo ele “ CV já faz parte da Macaronésia, em termos geográficos e abstractos. Mas Macaronésia não tem entidade jurídica, logo não existe. Macaronésia não faz parte dum espaço de países ou regiões com personalidade jurídica reconhecida pelo direito Europeu, direito internacional da ONU ou qualquer instituição mundial. Conclusão, repito, CV só pode reintegrar Portugal para ser Europa. Mas, quem quer aquelas rochas sem recursos naturais?… Se CV tivesse ouro e minérios como diamantes seguramente que Portugal, Inglaterra, França ou os Estados Unidos já tinham invadido aquilo. Os cabo-verdianos têm de ser mais humildes e se compenetrarem que CV não é nada no mundo e não interessa a nenhum país sério do mundo…”.
Ou seja, uma Macaronésia criada para resgatar pelos seus belos olhos o arquipélago perdido no Atlântico, segundo João Matos não tem hipóteses de vir à luz. Apesar disso, as vantagens para o arquipélago, como referi são múltiplas e evidentes, mais não seja para um movimento de convergência económica, social e política com a UE.
Cabo Verde apresenta vários pontos que são motivos suficientes que jogam a favor da criação da Macaronésia, uma tese já antiga que defende que Cabo Verde está culturalmente próximo da Europa e que é motivo suficiente para habilitar o arquipélago a ser um sério candidato a inserir-se no espaço europeu. Para além disso, todos os outros arquipélagos atlânticos, excepto Cabo Verde, que flutua orgulhosamente só neste oceano e sem nenhuma ancoragem sólida para além de desprovido de recursos, são Regiões Autónomas da Europa, ou estão associados às ex-potências coloniais, ou mesmo aos EUA.
“Cabo Verde teve ‘sorte’ diferente dos Arquipélagos similares das Canárias, Açores e Madeira, para não falar das mais afastadas que, não fazendo parte da Macaronésia, mas das Caraíbas, são também ilhas atlânticas integradas em França e ou estreitamente ligados por pactos e estatutos especiais a potências como Reino-Unido, Países Baixos e os USA, e por isso muitos beneficiam como qualquer região europeia de apoios e ajudas, técnica e financeira, para os seus desenvolvimentos.
Não havendo, todavia, a priori nenhuma vantagem para Portugal, Espanha ou EU a criação da Macaronésia, pode-se perguntar se a longo prazo, dependendo dos cálculos geopolíticos e estratégicos, se a criação deste espaço não poderia ser útil como um corredor para Europa, alargando ainda mais o seu espaço de influência, nas fronteiras africanas, criando ao mesmo tempo uma zona tampão de segurança e estabilidade no Atlântico médio e no flanco oeste africano? Para além disso, uma aproximação de Cabo Verde a Portugal e à União Europeia pode transformar Cabo Verde num dos pivots numa relação aprofundada África-Europa. Portanto, partindo desta base seria de todo o interesse de Portugal que o arquipélago se mantenha independente e soberano, constituindo um futuro elo (entre vários) de ligação UE/África, num mundo global, de acordo com a sua vocação histórica. Para além disso, tal estatuto poderá aumentar o interesse pelas potências (China, Rússia e EUA) como mais um palco para se digladiar influências.
O segundo é de âmbito político e cultural, segundo JGM, contrariando ou contradizendo alguma narrativa oficial: “ Ao contrário de outras colonias europeias, Cabo Verde foi o único o único onde não se aplicou o estatuto do indigenato e não havia formalmente cidadãos de segunda, pois os Cabo-Verdianos eram legítimos cidadãos portugueses, viajavam para qualquer lugar como cidadão português, inclusive para os Estados Unidos da América onde se formou a grande comunidade cabo-verdiana consciente que era contra a independência de Cabo Verde”.
O terceiro é de âmbito económico, quando se refere à Madeira, os Açores ou às Canárias, a comparação é relevante: na realidade estes arquipélagos, contrariamente a Cabo Verde, estão inseridos em países continentais; Portugal, Espanha, logo na UE. Em cerca de 30 anos realizaram-se, graças à inserção na EU, progressos socioeconómicos e políticos espectaculares, concomitantemente a uma convergência aos padrões e níveis da Europa do Norte, logo os países mais avançados do Mundo. Todos têm estatuto de zonas francas, regimes fiscais especiais, beneficiando de autonomia alargada, com governos regionais autónomos. Para além de receberem continuamente fundos de convergência para Regiões Ultraperiféricos da EU, têm acesso a fundos nacionais. Para além disso, graças ao desenvolvimento e à qualificação humana, a leis e práticas europeias acedem à tecnologia de ponta e a investimentos internacionais prioritários, conseguindo assim uma inserção plena na economia mundial. Cabo Verde é uma região Ultraperiférica da CEDEAO, uma das regiões mais pobre e desoladas da África.
É nesta base que penso, portanto, que a criação da Macaronésia, uma Região Ultraperiférica da EU, que incluísse as ilhas europeias do Atlântico e Cabo Verde independente e soberano, teria pernas para andar.
Tendo terminado a apresentação desta série de artigos com a minha a tese da Macaronésia com Cabo Verde, soberano e independente, irei nos próximos artigos apresentar as teses actuais de JGM e da Nova Portugalidade em defesa de Cabo Verde – Região Autónoma de Portugal na UE (uma via que parece ser a única possível para João Matos “CV só pode ser Europa, regressando a Portugal como os Açores ou a Madeira. Só assim a União Europeia aceitaria, aliás, não poderia obstacularizar, pois Portugal é membro. Sendo CV uma província, região ou parte do território português é automaticamente Europa e não há documento nenhum a tratar com as instituições europeias.
As Antilhas francesas, são território francês, logo são Europa, apesar de estarem do outro lado do Atlântico americano. Repito, não há acordos da União Europeia com um Estado independente extra Europa, para ganhar estatuto Europeu. Não existe. CV Europa só regressando a Portugal…”), e depois uma retrospectiva histórica sobre as velhas questões de adjacência de Cabo Verde versus Independencia, entre Adriano Duarte Silva e o PAIGC de Amilcar Cabral, concluindo sobre considerações gerais sobre estas teses.
1-https://www.publico.pt/2007/10/26/jornal/cabo-verde-ganha-estatuto-especial-com-uniao-europeia-235117
2-https://www.dn.pt/arquivo/2005/cabo-verde-admite-pedir-adesao-plena-a-uniao-europeia-598534.html