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Opinião

A democracia do cartaz

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-Por Nelson Faria

Que a democracia está em perigo, isso já sabemos, basta olhar o mundo. Esperamos que a oligarquia dominante, fora e dentro, não tenha evolução para uma monarquia, muito menos tirania. Muitos dizem-se democratas sem saber o que realmente significa, além de eleições, claro, e muito menos a praticam. Aliás as eleições, em muitos sítios, ajudam a dar uma máscara democrática e de legitimidade a um regime autoritário. Exemplos não faltam…

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Mas o que é efetivamente a democracia? Segundo Robert Dahl, um dos especialistas no assunto, “a democracia é um sistema político cujos membros se consideram iguais uns aos outros, são coletivamente soberanos e possuem todas as capacidades, recursos e instituições necessários para autogovernar-se, pressupondo um conjunto de elementos e instituições essenciais. 

Portanto, a Democracia não é “o quê?” mas sim uma construção, um processo, um “como”. Um governo de muitos, de todos, que consegue absorver melhor as diferenças dentro da sociedade e refletir melhor a vontade da população. Sendo suas características:

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1.Liberdade de formar e aderir a organizações;

2.Respeito às minorias e busca pela equidade;

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3.Liberdade de expressão;

4.Direito de voto;

5.Elegibilidade para cargos públicos;

6.Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, conquistarem votos;

7.Garantia de acesso a fontes alternativas de informação;

8.Eleições livres, frequentes e idôneas;

9. Cidadania inclusiva e participação efetiva;

10.Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado.

A aparência e o discurso são o que são, mas como andamos na prática? O que falta para considerarmos estar no caminho certo deste processo? “Cada cabeça se sentença…”

Pelos posicionamentos e indicadores que temos tido de alguns titulares de cargos políticos e instituições do Estado, temo, sinceramente, a inversão do processo democrático para uma tirania. A limitação da liberdade de expressão e o delito de opinião, pelo menos, parece estar em evidência nestes dias.

“O Cartaz” posto e retirado em São Vicente é exemplo disso. Não há consenso e nem concordância com a forma de protesto, ainda bem, contudo, o protesto democrático por essa via, em respeito à Constituição da República (CR), não deveria ser negado. Segundo o “opressor” porque, eventualmente, diz uma lei hierarquicamente inferior à CR que deve haver censura prévia ou posterior na proteção da oligarquia política? Então, que seja revisto a constitucionalidade das leis. Afinal, em democracia somos todos iguais e os representantes carregam o poder e o fardo dos votos dos cidadãos. Simples, quem não quer ser exposto, para o bem e para o mal, que não se disponha a ser figura pública em cargos políticos eletivos.

Mais, como invocar a lei para a censura e condenação de um dos intervenientes quando o próprio organismo fiscalizador / “opressor” aparenta ter incumprido a lei que invoca ao longo do processo de licenciamento do cartaz? O que não é razoável e nem cabível em democracia é o desrespeito pela CR, nos seus valores essenciais e pilares da democracia, e cumprimento conveniente das leis hierarquicamente inferiores, conforme gosto do freguês, conforme a conveniência das alíneas e dos diplomas. Porque sim. Porque detêm o poder. Soubessem eles o quão ilusório isto é, e que o poder é para servir com efetividade os interesses dos cidadãos que os elegeram, não afrontá-los…  Mas, isto é matéria para juristas e eu sou leigo.

O que sei é que desde que não se ofenda a integridade física e privacidade da pessoa pública, desde que se respeite a pessoa humana, a pessoa pública pode ser, sim, responsabilizada de diversas formas pelos seus atos. Entre as quais, os cartazes. Se foi eleito por um cartaz, porque não pode ser cobrado / responsabilizado a sua intervenção pública num cartaz? Se até nas terras de Bolsonaro e Trump é permitido, porque não em Cabo Verde, dito “um exemplo de democracia”? Se calhar a nossa micro dimensão e a falta de cultura democrática anda não nos permitem entender e aceitar isto como normal em democracia… 

Conforme temos visto, é prática corrente e corriqueira divulgação de cartazes, de “memes” e vídeos de cariz político nas redes sociais, alguns falsos e até ofensivos as pessoas, sem qualquer censura. Onde a visibilidade é de milhões, portanto, muito superior ao cartaz da discórdia. Espero que não venham imitar o que já é prática na Guiné Bissau de Umaro Sissoco Embaló, onde são punidos cidadão por publicações nas redes sociais, alegando leis sem sentido. Espero que o menos as redes sociais se mantenham democráticas.

Não será por ter sido retirado que o tal cartaz que perde visibilidade ou que os argumentos invocados para sua retirada ganham força. Pelo contrário, fortalecem a mensagem e dá, ainda mais, visibilidade porque sempre que se olhar para o espaço onde foi colocado, vão lembrar-se do quê e quem lá estava representado – a pessoa pública. Se quem o fez achou inteligente perseguir uma mensagem e pessoas envolvidas, acho que acabou por divulgá-la ainda mais. E continua… O que sei também, é que esta opinião não é consensual e muito menos será aceite pelos fiéis seguidores da democradura, mas já estou habituado. Sou livre e democrata e sei o que isso significa.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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