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Depressão na adolescência: Quando o fundo do poço começa cedo

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Está associada a dificuldades nas relações interpessoais, comportamentos agressivos, quebras no desempenho académico e aumento do consumo de álcool e drogas. A depressão na adolescência é um problema grave, que provoca elevada mortalidade. Geralmente por suicídio.

Texto de Joana Capucho

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Não se lembra quando surgiram os primeiros sintomas de ansiedade, mas terá sido ainda na escola primária, quando começou a ser vítima de bullying por ser considerada “betinha”. “Era muito certinha, tímida e tinha poucos amigos”. Embora não fosse “muito agressivo”, era o suficiente para lhe “causar desequilíbrios psicológicos”. Com a morte do pai, no final de 2016, Luísa (nome fictício) entrou num estado de “tristeza constante”. “Havia sempre qualquer coisa que me puxava para baixo. Faltava sempre alguma coisa. Sentia que ninguém me percebia. A ira também não ajudava. E tudo isso levou ao isolamento”, conta a adolescente de 16 anos.

Luísa tinha “ataques de ansiedade e de pânico com frequência, insónias constantes, mais baixos do que altos”. Sentia um vazio enorme, embora “a cabeça estivesse cheia de coisas”. Desenhava e escrevia, porque as folhas a “percebiam melhor do que os seres humanos”. Tornou-se mais distraída, o que se refletiu nos resultados escolares. Com o desânimo, pensava desistir de viver. “Tinha pensamentos suicidas. Sentia e pensava tudo, mas nunca cheguei a fazer nada.” Há um ano e meio foi diagnosticada com depressão e ansiedade e está neste momento a receber acompanhamento psicológico e psiquiátrico. “Continuo bastante ansiosa. A depressão está mais fraca, mas continua aqui. Há dias em que vou mesmo ao fundo do poço e tenho pensamentos muito maus, mas já não são tão frequentes.”

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Não são conhecidos dados nacionais (Portugal), mas várias investigações indicam que a depressão afeta um número considerável de adolescentes e que tem vindo a aumentar nesta faixa etária. De acordo com um estudo da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, realizado no ano letivo 2017/2018, um em cada quatro alunos do 7.º ao 12.º ano apresenta sintomas de depressão. José Carlos Santos, enfermeiro especialista em saúde mental, diz que 26% dos 6.100 alunos que responderam aos questionários manifestaram sintomatologia depressiva de moderada a grave.

O estudo foi realizado no âmbito do programa +Contigo, que desde 2009 se dedica à promoção da saúde mental e à prevenção de comportamentos suicidários nas escolas de todo o país, com maior incidência na região Centro. Segundo o coordenador da investigação, a percentagem de adolescentes com sintomas depressivos situava-se entre os 15 e os 20% quando o projeto começou. Não tem uma explicação objetiva para o aumento registado nos últimos anos, mas aponta algumas hipóteses. “As equipas dizem que são sobretudo questões de índole familiar: problemas de comunicação e desorganização do sistema familiar”.

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Nos últimos anos, a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos tem vindo a aperceber-se de “um aumento dos estados depressivos na adolescência”, muitas vezes diagnosticados “erradamente como hiperatividade, pois, no início da adolescência, podem mostrar a capa de hiperatividade ou agitação psicomotora e não se manifestar com os sinais” típicos da depressão, nomeadamente “tristeza, apatia, falta de motivação, ideias pessimistas”. Segundo a especialista, as depressões juvenis “aparecem com tentativas de suicídio, jovens que se cortam, com dificuldades de aprendizagem, desmotivação para a escola”.

São também cada vez mais frequentes “os casos de adolescentes da linha depressiva”, ou seja, oriundos de famílias com baixos níveis de serotonina – o neurotransmissor responsável por regular o humor e os estados mentais.

Diana Quintas, 25 anos, sabe o que é fazer parte dessa linha. “Há um grande estigma, ainda, relativamente à depressão, à necessidade de acompanhamento psicológico. É uma doença. É um desequilíbrio de químicos no cérebro e é para tal que precisamos de medicação. E é também uma doença hereditária. O meu pai sofre de depressão e é medicado há bastante tempo. Da mesma forma que há diabéticos que precisam de tomar insulina, eu e o meu pai precisamos, por agora, de tomar antidepressivos.”

Diana teve os primeiros sintomas depressivos aos 19 anos, depois de ter trocado de área no ensino secundário, o que a obrigou a ficar mais dois anos na mesma escola. “Há um sentimento de revolta, de tristeza, de desespero. Há um buraco, uma nuvem escura e parece não haver forma de sair de lá”. Aos 20, começou a estudar Direito. Estava no curso que queria, mas começou a “adquirir comportamentos obsessivos como forma de lidar com a ansiedade e com todo o trabalho” que o curso exigia.

Com a morte do avô, tudo se agravou. Surgiram os problemas para dormir e a falta de apetite. “Tomava café e comia chocolates para me manter acordada e para ingerir calorias.” Começou a afastar-se dos que a rodeavam, ao ponto de se isolar “de tudo e de todos”. No verão do ano passado, “chorava todos os dias, estava constantemente cansada, continuava sem conseguir comer”. Quando recebeu o diagnóstico de depressão, sentiu-se aliviada. “Finalmente, há explicação” para o que a atormenta há anos.

A perda é uma das situações que pode causar depressão na adolescência. “Pode ser de um familiar, mas também de um animal de estimação”, diz o enfermeiro José Carlos Santos, destacando que as roturas afetivas também são muito relevantes. Definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o período entre os 10 e os 19 anos de idade, a adolescência é “a fase das sensações, muito da componente afetiva e pouco da cognitiva. O desenvolvimento neuronal – no córtex transfrontal– atinge maturidade por volta dos 24 anos de idade”. Desta forma, “não podemos exigir que os adolescentes tenham um pensamento de um adulto, se não têm estrutura a nível cerebral para o poder fazer”.

Os sentimentos de tristeza fazem parte da adolescência – tal como da idade adulta. Mário Cordeiro diz que “é difícil definir o que é ‘depressão’, ou onde acaba a sensação de ‘estar na fossa’ e começa a verdadeira crise depressiva”. Provavelmente, refere o pediatra, “não há limites e uma será a continuação da outra”. Mas enquanto a tristeza é passageira, a depressão instala-se e afeta a forma como a pessoa se relaciona consigo e com os outros.

Pode ser difícil perceber quando começa a depressão, pelo que há alguns sinais aos quais os pais devem estar atentos, como “a sensação de desespero e abandono, de que o futuro só traz coisas desagradáveis, de não conseguir fazer nada com sucesso”. Não raras vezes, a doença está também associada a uma sensação “de cansaço seguido, durante dias e dias”, a problemas de sono, dores de cabeça ou abdominais sem causa aparente, perda de apetite e de peso ou o contrário.

Além da morte e da separação, Mário Cordeiro refere outros fatores que podem estar por detrás dos quadros depressivos, nomeadamente “a sensação de insegurança quanto a si próprio, separação ou divórcio dos pais, os conflitos familiares, a incapacidade de responder às solicitações do dia-a-dia, a depressão num dos pais, as doenças graves, o alcoolismo ou o consumo de drogas, os problemas com os amigos ou na escola”.

Quando ocorrem vários destes fatores ao mesmo tempo, “pode ser impossível aguentá-los: a depressão aparece e avoluma-se e o jovem debate-se, inclusivamente, com a questão de saber se vale a pena continuar a viver”. Por isso, alerta, “num adolescente, um estado depressivo franco nunca deve ser considerado uma ‘coisa natural’”.

À escala global, o suicídio é a terceira causa de morte na faixa etária entre os 15 e os 24 anos. José Carlos Santos fala numa taxa de suicídio de quatro em cada cem mil habitantes. Não existem dados sobre os comportamentos autolesivos – cortes ou toma de medicamentos sem ideação suicida ativa – mas estima-se que “por cada suicídio haja 100 a 120” ações deste tipo. “É um problema com uma dimensão grande”.

Luísa sofreu em silêncio até ao dia em que um artista que admirava se suicidou. “Os pensamentos maus que tinha triplicaram”. Quando a mãe lhe perguntou o que se passava, teve “um ataque de choro” e contou-lhe o que a atormentava há meses. E foi depois disso que procurou ajuda médica. Diana também contou com o apoio da família: “Dizem que é uma doença silenciosa. Até certo ponto, é, mas os meus pais viram, a minha irmã e o meu cunhado viram, o meu namorado viu. E foram eles que me deram a mão e me ajudaram”.

Mas nem sempre é assim. Ana Vasconcelos diz que “a depressão passa muitas vezes despercebida, sobretudo porque, neste momento, os adultos julgam mais do que tentam compreender”. Segundo a pedopsiquiatra, “muitas vezes, os sintomas da depressão incomodam os adultos, porque os adolescentes são mal educados, impulsivos, muito argumentativos e, por vezes, falta-lhes a capacidade de empatia”. Comportamentos disruptivos e desajustados que podem ser mal julgados.

Os estudos sobre a depressão revelam que quem sofre mais com a doença é o sexo feminino. De acordo com uma investigação recente da Faculdade de Medicina do Porto, a prevalência de sintomas depressivos nas raparigas aos 13 anos é duas vezes mais elevada do que nos rapazes da mesma idade. Segundo o estudo, 18,8% das raparigas sofrem de sintomas depressivos aos 13 anos, enquanto nos rapazes a percentagem é de 7,6%.

“Todos os estudos apontam para uma maior vulnerabilidade nas raparigas e para mais comportamentos de risco nos rapazes”, indica José Carlos Santos. O especialista em saúde mental diz que, perante um problema, os rapazes “tendem a uma maior externalização” e a manifestar mais consumos, nomeadamente de álcool e drogas, enquanto nas raparigas “há mais uma ruminação e uma maior internalização do problema”.

No Reino Unido, as redes sociais têm vindo a ser acusadas de instigar a depressão e o suicídio. Em janeiro, o secretário de Estado para a Saúde britânico, Matt Hancock, alertou os responsáveis por estas plataformas para a necessidade de apertar a malha aos conteúdos que induzem estes comportamentos. Uma chamada de atenção que surgiu depois o pai de uma jovem de 14 anos que se suicidou em 2017 ter afirmado publicamente que as redes sociais contribuíram para a morte da filha.

A questão é antiga e tem vindo a ser alvo de alguns estudos: será que os adolescentes que usam mais as redes sociais e os videojogos ficam mais deprimidos? “O grande risco nas investigações é o facto de as duas coisas acontecerem ao mesmo tempo, o que não quer dizer que as duas tenham que estar associadas ou que uma é causadora da outra”, diz o psicólogo clínico João Faria.

Além da morte e da separação, Mário Cordeiro refere outros fatores que podem estar associados a quadros depressivos: “sensação de insegurança quanto a si próprio, separação ou divórcio dos pais, conflitos familiares, incapacidade de responder às solicitações do dia-a-dia, depressão num dos pais, doenças graves, drogas, problemas com os amigos ou na escola…”

Na opinião do coordenador do Núcleo de Intervenção no Uso da Internet e das Telecomunicações do Pin [Centro de Desenvolvimento Multidisciplinar], as redes são “meios que podem potenciar” sentimentos negativos, mas não será correto relacionar “experiências menos positivas nestas plataformas ou nos videojogos com o aparecimento de sintomas depressivos”. Para o psicólogo, estes estão associados sobretudo aos “desafios que se colocam às novas gerações”, que muitas vezes “não sabem o que desejam em relação ao futuro e sentem-se perdidas”.

Em alguns casos de depressão, as redes sociais servem até para os jovens conversarem com outros, o que pode proporcionar algum alívio do sofrimento. Tal como as artes. Segundo a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, para muitos jovens “a criatividade é uma saída para estados depressivos”. “Há adolescentes com depressões graves que escrevem livros, poemas, pintam”.

Oito sinais aos quais os pais devem estar atentos:

  • Tristeza permanente e choro fácil
  • Irritabilidade e frustração
  • Isolamento social
  • Sentimentos de culpa e de incompreensão por parte dos outros
  • Não conseguir dormir bem durante muitas noites seguidas
  • Sensação de cansaço seguido, durante dias e dias
  • Dores de cabeça ou no corpo sem razões aparentes
  • Ideias ou comportamentos suicidas, bem como autolesivos

C/Dn.pt/Life

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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