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Climax quer resgatar profissões de rendeiras e costureiras na comunidade de Monte Trigo

Monte Trigo é uma das comunidades mais recônditas e exóticas de Cabo Verde. Por causa do seu isolamento, chega-se de bote para conhecer esta pequena vila piscatória, que já é a primeira em Cabo Verde, movida 100% a energia renovável. Por estas e outras características únicas, esta localidade de Santo Antão chamou a atenção da designer Stephanie Silva e será pioneira a receber o projecto Fashion Matters, com a marca Climax. Trata-se de um projecto desenvolvido a pensar no resgate de costumes, tradições e profissões antigas e de um percurso histórico e cultural, com os quais o tempo e a globalização mostraram-se cruéis. O objectivo é unir o design e a costura e criar novas oportunidades para as mulheres de Monte Trigo e outras comunidades por todo o país, promovendo, ainda, o empoderamento e independência feminina.

A minha paixão pela moda surgiu da necessidade de ter um estilo próprio. Sempre fui um outsider, ou seja, do contra. Nunca gostei de fazer as coisas como toda a gente fazia. Eu queria que o meu estilo traduzisse a minha personalidade. Foi por isso que comecei a criar as minhas próprias peças, para que a minha forma de vestir possa transmitir, em parte, aquilo que eu sou”, explica esta jovem designer mindelense.

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Stephanie autodenomina-se uma pessoa muito colorida. O foco na sensualidade, ousadia e, acima de tudo, no empoderamento feminino, deu origem a marca Clímax, com cortes anormais, fora do padrão e extremamente geométricos. Jogando com o bailar do tecido africano remete para as danças, cores e padrões, para criar peças simples e com história. “É necessário que se veja as nossas origens em cada uma das peças. Origens estas que são representadas enfatizando as nossas raízes, através da predominância do tecido africano em cada corte, que por sua vez retrata a nossa ancestralidade, a nossa negritude e a nossa africanidade”, explica.

Ousada, os seus desenhos são marcados por decotes “atrevidos”, de preferência nas costas. Entretanto, Stephanie não pretende ser, com explica, mais uma pessoa que gosta de moda e que se veste diferente. Ela quer fazer a diferença. “Não quero fazer as coisas só por fazer. Quero que tenha outra relevância. Por isso decidi criar o projecto Fashion Matters, relacionado com design de moda e empoderamento feminino, algo que defendo e pela qual eu luto, e pretendo inserir nas comunidades cabo-verdianas.”

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Ainda que natural de São Vicente, o projecto é direccionado, primeiro, a pequenas comunidades de outras ilhas que, a seu ver, têm mais necessidade. Monte Trigo recebe a primeira fase, segue logo depois a ilha de São Nicolau. “Ainda não conheço a localidade pessoalmente, mas em breve pretendo fazê-lo para proceder, também, a um estudo de terreno, antes do inicio da implementação do projecto. Climax, que significa o auge, é onde eu quero chegar, mas não sozinha. Com outras mulheres.”

A escolha de Monte Trigo para acolher o início deste projecto deve-se, ainda, as suas origens. A família de Stephanie vem da comunidade piscatória de Salamansa. “Tenho muito orgulho nas mulheres da minha família, por tudo o que elas fizeram para viver, em meio as dificuldades e pelo esforço e dedicação em construir os seus sonhos. Tenho uma amiga que já trabalhou noutros projectos para a comunidade de Monte Trigo. Segundo o que ela me conta, são os homens que trabalham para sustentar a família, enquanto as mulheres ficam a cuidar da casa, da família e dos filhos. Não há nada de errado nisso e é compreensível, pois trata-se de uma localidade isolada e as condições nem sempre permitem mais avanços. Mas acredito que uma mulher pode e deve ser muito mais. Nunca aceitei a ideia de que é o homem quem deve ´colocar o pão não mesa`. E é por isso que eu quero proporciona-las mais uma oportunidade de escolha, uma forma de auto-sustentarem-se e ter independência através do próprio trabalho. Não tenho a pretensão de mudar a forma como as pessoas querem viver as suas vidas. Apenas oferecer uma opção a mais para escolherem”, explica.

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O objectivo passa por resgatar as modistas e rendeiras e contribuir para o seu desenvolvimento profissional e pessoal, o que, para a mentora do projecto, dá a colecção um valor imenso que permite acreditar e querer vingar. São profissões que foram se extinguindo e perdendo lugar no mercado. Isso porque, com a entrada das boutiques e lojas chinesas, fica mais fácil para as pessoas comprar roupas.

Por isso, e aliadas ao design, Stephanie pretende ajudar estas mulheres a resgatar as suas profissões e a (re)encontrar uma forma de rendimento. Nas suas produções, a designer pretende representar ainda os costumes da zona e os seus principais marcos, como por exemplo, os tipos de nós usados nas redes de pescas. “Pode ser uma simples camisa de botões, mais vai ter uma história por trás. E a minha intenção não é dizer as pessoas o que fazer, mas levar o projecto, apresenta-lo e discutir ideias com as mulheres da comunidades para, a partir dai, criarmos juntas”.

Pretende-se ainda criar um itinerário turístico, com um centro onde os visitantes podem encontrar e conhecer um pouco da história desta comunidade, além de apostar na formação das pessoas, de modo a aprimorarem os conhecimentos já adquiridos e desenvolveram os seus ofícios. “Estamos a falar de design de moda, portanto quero levar pessoas para dar alguma formação na área de costura e renda para complementar o que elas já sabem. Por exemplo, uma pessoa pode saber costurar mas ainda não sabe fazer um molde”, explica.

Com 26 anos, Stephanie Silva é licenciada em design de comunicação e apaixonada por design de moda. Feminista, esta jovem luta pela afirmação, independência e empoderamento das mulheres. Para a implementação do projecto Fashion Matters falta agora conseguir os financiamentos necessários, para que seja possível criar residências artísticas e de investigação e dar visibilidade as comunidades dentro e fora do país. “Porque Fashion matters!”

 

Natalina Andrade (Estagiária)

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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