Governo coloca SV sob situação de contingência três meses após queda de chuva: “Medida incompreensível”, reage o PAICV
O Governo decidiu colocar a ilha de S. Vicente sob situação de contingência devido aos danos provocados pelas chuvas ocorridas há três meses, mais precisamente nos dias 5 e 6 de setembro. Esta medida, lê-se no Boletim Oficial, tem a duração de seis meses e pode ser prorrogada “se razões concretas e ponderosas assim determinarem”. Para o PAICV, essa decisão é incompreensível. Já o próprio presidente da concelhia local do MpD considera a medida extemporânea, mas acha que pode ser boa para S. Vicente.
Argumenta o Conselho de Ministros que os danos causados nas redes de estradas nacionais e municipais nas vias urbanas, caminhos vicinais, redes de abastecimento de água e saneamento, nos canais de drenagem de escoamento de águas e muros de contenção são estruturais e bastante significativos. Estas situações, prossegue, impõem condicionantes vários ao trânsito de veículos, à circulação de pessoas, ao funcionamento dos serviços públicos e até mesmo aos acessos a certas zonas e localidades.
“Acrescem os estragos causados em muitas habitações particulares, nomeadamente de construções inacabadas, precárias e que evidenciam degradação e mau estado de conservação localizadas em encostas, ribeiras e zonas não consolidadas e que deixaram várias famílias desalojadas e numa condição acrescida de vulnerabilidade”, acrescenta a resolução com data de 13 de dezembro. A mesma afirma que a situação na ilha de S. Vicente afigura-se “efectivamente crítica, assumindo contornos de risco”. Como tal, exige intervenções de urgência no sentido de garantir a mais célere e plena reposição das normais condições de mobilidade e de acessibilidade da população e ainda a implementação de medidas preventivas e especiais de resposta.
A resolução atribui ao Instituto de Estradas a coordenação de todos os trabalhos necessários à reposição dos níveis de serviços nas vias nacionais afectadas pela chuva. Quanto à Camara de S. Vicente e aos serviços do Ministério da Agricultura e Ambiente cabem a coordenação, através dos respectivos gabinetes técnicos, no concernente às intervenções de âmbito municipal e no sector agrícola.
Esta medida foi estranhada por Adílson Jesus, presidente da Comissão Política do PAICV em S. Vicente, para quem é incompreensível por surgir três meses após as enxurradas. Nas suas palavras, a situação de contingência é acionada para se evitar o pior, “como aconteceu durante a pandemia da Covid-19”.
“Ontem, por exemplo, foi decretada a situação de contingência em Portugal por conta das fortes chuvas que se fazem sentir por estes dias. Agora, declarar contingência três meses depois é incompreensível. E não há uma justificação plausível”, reage o responsável do PAICV em S. Vicente, acentuando que a resolução é vaga e abre espaço à especulação. Não nos resta outra leitura, a não ser considerar que esta medida é uma forma clara de proteção ao Presidente da CMSV, que tem uma ação a decorrer nos tribunais pedindo a perda do seu mandato“, ilustra.
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É que, segundo Adilson Jesus, numa altura em que os tribunais estarão prestes a decidir se o Augusto
Neves perde ou não o mandato, o governo, qual protetor das ilegalidades cometidas pelo presidente da CMSV, nos aparece com esta declaração de situação de contingência. “Lembramos que foi o próprio governo que, no seu relatório referente a averiguação feita à CMSV, recomendou ao presidente
que repusesse a legalidade na Câmara”, clarifica, deixando no entanto claro que confia o PAICV nos tribunais e na sua capacidade de exercer a sua liberdade de ação.
Para Jesus, esta declaração acaba por ser, em parte, uma forma de se tentar lavar a cara do governo e do MPD junto da população de SV, uma vez que hoje por todos os lados da ilha, se sente um claro
afastamento das pessoas em relação à ambos, por causa do abandono a que votaram a ilha. Por isso, este político pede ao governo para arrepiar caminho e encontre outras formas mais democráticas, éticas e transparentes, para fazer chegar à ilha estes investimentos de que tanto precisa.
Abordado também pelo Mindelinsite, o coordenador da Comissão Concelhia do MpD-SV, Armindo Gomes, confessa que ainda não estava a par da resolução, mas salientou que a situação de contingência pode ser acionada para mitigar problemas financeiros enfrentados pela CMSV devido a chuva e justificar verbas disponibilizadas pelo Governo.
Até porque, sublinha, já passou o prazo de contingência e os problemas causados pela chuva já estão mais ou menos resolvidos. “De qualquer forma entendo que é bom para S. Vicente porque o Governo vai enviar mais dinheiro para a ilha”, salienta Armindo Gomes.
Para Gomes está claro que a resolução é extemporânea, mas, diz, não deixa de ser positiva para S. Vicente. “Acredito que nem todas as pessoas vão concordar, até porque dificilmente irão conseguir colocá-la em prática. A lei, em princípio, tem efeitos para o futuro. Não tem efeitos retroactivos. Neste sentido, parte-se do pressuposto que vai ser aplicada a partir desta data”, entende o representante local do Movimento para a Democracia em S. Vicente.
Gomes acrescenta que já passaram três meses e, durante este tempo, diz, os mindelenses têm vivido normalmente. Neste sentido, acrescenta, não se justifica declarar a situação de contingência. “Mas, decreta-se contingência precisamente para justificar os valores que vão ser entregues à CMSV, que gastou algum dinheiro. No entanto, ainda não fez tudo”, salienta Gomes, para quem o Governo deve suportar as despesas, mesmo que seja da reparação de uma estrada. Porém, terá de justificar a saída de verba pela via da lei, através de um despacho ou decisão do Conselho de Ministro.
Armindo Gomes não acredita que a resolução tenha algo a ver com o processo de perda de mandado do edil Augusto Neves. Faz questão de lembrar que o caso é decidido por um juiz, que tem de ser imparcial. E será preciso haver uma decisão na primeira instância, sendo certo que há hipótese de recurso para tribunal superior, neste caso o Tribunal da Relação de Barlavento. Logo, para ele, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
O Mindelinsite tentou ouvir a reação da UCID sobre o assunto, mas o presidente do partido diz que prefere primeiro confrontar o governo no Parlamento e dar a sua posição sobre a matéria consoante as explicações do Executivo. Do mesmo modo, este diário digital tentou falar sobre a matéria com os vereadores Rodrigo Rendall e José Carlos, este último responsável pelo pelouro do saneamento. O vereador José Carlos retornou a nossa chamada, mas ficou de se inteirar primeiro da medida para depois voltar a um contacto com a nossa redação.