Por: João Bosco Gertrudes
A pandemia de COVID-19 já se configura sem margens de dúvidas como um dos maiores desafios da nossa geração, neste século. Uma emergência sanitária que teve seu início na China no final de 2019 e se alastrou mundo afora deixando para trás milhares de novos infectados e de vidas humanas perdidas em pouco espaço de tempo.
Por se tratar de uma doença então desconhecida, ainda sem tratamento eficaz cientificamente comprovado, ainda sem vacina e altamente transmissível, o isolamento social vem sendo a medida amarga e necessária adotada pelas autoridades sanitárias da maioria dos países para conter o alastramento da infecção; evitar o colapso dos sistemas de saúde e poupar vidas humanas. Uma medida emergencial necessária, mas com implicações gravíssimas do ponto de vista econômico e social e ainda com consequências macroeconômicas imprevisíveis.
Além das implicações da crise sanitária na saúde, na economia e no dia-a-dia das pessoas, outro importante setor amplamente afetado pela crise é o da educação, reconhecidamente um dos setores pilares de desenvolvimento de qualquer nação. O isolamento social impôs de forma abrupta, sem tempo hábil para planejamento, uma nova realidade ao setor marcada pela impossibilidade da presença física nas escolas e universidades.
Importante ressaltar que o setor da educação já vinha pressionado por mudanças impostas pelos avanços nas tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs) e pela eminência da quarta revolução industrial. Embora de natureza distintas estes eventos que se assemelham na intensificação de uso das TICs e a na necessidade urgente de repensar novos formatos da difícil tarefa de ensinar. Um cenário que implica em reflexões para entender como chegamos até aqui, ou seja, sobre o formato tradicional de ensino nas escolas e universidades e a nova realidade no setor entre a emergência pandêmica, o desconfinamento e as mudanças necessárias impostas pela eminente revolução digital.
Ponto de partida
Para este texto toma-se como ponto de partida a minha geração marcada por um sistema de ensino essencialmente presencial, com conteúdos transmitidos em salas de aulas pelos professores(as) que, com o auxílio das ferramentas e recursos pedagógicos então disponíveis, ensinavam e direcionava seus alunos no caminho do conhecimento. Estes por sua vez eram instados a fazer tarefas e posteriormente avaliados nas diversas formas de provas, exames de conhecimento técnico ou teóricos, etc.
Nota-se que o ensino era centrado no professor e a documentação escrita em livros físicos o formato mais comum de transmitir o conhecimento de geração para geração. Neste cenário além do professor, as fontes de conhecimento estavam em espaço físicos (bibliotecas, videotecas, etc) centralizados. Para ter acesso ao conhecimento era necessária a presença física nesses espaços que envolvem tempo e custos de deslocamentos. Além do aprendizado em sala de aula, este modelo focado no presencial tem a vantagem do convívio social, também como propulsor de novos conhecimentos e saberes diversos para além dos alicerces da sala de aula. Ou seja, existia também neste modelo, espaço para a co-participação do aluno no seu processo de aprendizagem fora do ambiente acadêmico.
Era a “tecnologia da época” e aqui cabe fazer justiça aos nossos mestres e professores(as)/investigadores(as)/cientistas que ao longo dos tempos souberam encontrar a melhor forma de repassar seus ensinamentos aos alunos. Estes profissionais, na vanguarda da ciência e do conhecimento, foram e sempre serão as sentinelas e protagonistas das mudanças necessárias e ao mesmo tempo, proponentes e críticos das soluções de ensino adequadas à cada época. Portanto nada substituirá a experiência, o saber fazer dos professores e professoras. É dessa forma que chegamos até aqui, com avanços em termos de tecnológicos tão significativos a ponto de impor a necessidade de novos desafios e de repensar novas formas para a difícil tarefa de ensinar.
Cenário atual e desafios
O cenário atual (e eventualmente durante o período pós-confinamento) é marcado pela aceleração uso das TICs na educação como forma de remediar os impactos do isolamento social, e desta forma, fazer chegar até aos nossos alunos os conhecimentos então ensinados em sala no período pré-pandemia. Salienta-se que o processo decorreu de forma abrupta e emergencial, prejudicando o planejamento pedagógico, mas que certamente terá contribuído para acelerar as reflexões já necessárias tendo em conta as imposições da emergente revolução industrial 4.0. [Este vídeo (acessível neste link) ilustra de forma lúdica o percurso evolutivo entre as revoluções industriais pelas quais o mundo já passou].
Atualmente vive-se a fase de transição da terceira para a quarta revolução industrial. Também conhecida por terminologias como revolução digital 4.0 ou indústria 4.0. Este conceito começou a ser pensado em 2010/2011 a partir de iniciativas de vários países como Alemanha, EUA e China. Tem na sua concepção a integração de novas gerações de TICs, Inteligência computacional e Automação nas plantas industriais. A integração desse conjunto de tecnologias e inovações de última geração (internet das coisas, computação em nuvem, sistemas integrados, manufatura aditiva, robôs autônomos, bigdata, realidade aumenta, simulações computacionais e segurança cibernética) permitirá a criação das chamadas indústrias inteligentes 4.0, ou seja, de quarta geração. Aqui vale ressaltar o viés de sustentabilidade por trás dessa concepção: o esforço para produzir mais com menos, de forma mais eficiente.
No entanto, uma característica muito marcante em todas as chamadas revoluções são as implicações sociais nas demandas por mão de obra e na oferta de empregos. A busca por eficiência nos processos envolvem cada vez menos esforços físicos e presença humana no chão de fábrica, mas por outro lado, demandam profissionais cada vez mais qualificados e multidisciplinares.
Por outro lado, assim com na pandemia, um grande desafio na caminhada em direção à indústria 4.0 é a rapidez com que as mudanças são exigidas tanto do ponto de vista das inovações e soluções tecnológicas quanto de profissionais com as habilidades adequadas. O resultado disso é a pressão no setor da educação que tem a função da formação dos novos profissionais da geração 4.0. E urge as mudanças necessárias neste sentido em todos os níveis, do ensino fundamental ao superior.
Os recentes avanços nas TICs já impactam também o setor de educação. Proporcionam aos professores(as)/gestores(as)/formadores(as) novas formas de se comunicar, de fazer e de disponibilizar conteúdos com potencial para geração de saberes. As fontes de conhecimento que antes estavam centralizados em bibliotecas, videotecas, etc, agora estão “nas nuvens” armazenadas em arquivos digitais, acessíveis a um clique 24 horas por dia, e de qualquer lugar do mundo. Essa é a primeira vantagem das TICs na educação: a descentralização das fontes de informação e de conhecimento. A descentralização trás consigo a economia de tempo e eventualmente de recursos financeiros para acessar as informações. Bom deixar claro, que informação não é conhecimento. Existem algumas etapas entre o acesso, o processamento e a geração de conhecimento prático, que foge do escopo deste texto. Mas que são importantes fatores que devem ser levados em consideração para o desenho de novas práticas pedagógicas e de atualização curricular.
Diante desse cenário de novos recursos disponíveis a partir das TICs, impõem-se os desafios de repensar e otimizar o processo de ensino-aprendizagem, redesenhá-lo para se adaptar ao mundo digital. Essa necessidade de mudança deve ser encarada de forma natural. Afinal, quantas mudanças ocorreram no processo de ensino-aprendizagem desde dos primeiros escritos cuneiformes (em tábuas de argila) desenvolvidos pelos Sumérios até os dias atuais?
A descentralização do conhecimento e a facilidade de acesso, aliada a necessidade de constante atualização profissional, trouxe a necessidade de novos formatos de ensino-aprendizagem ativas, multidisciplinares e focadas na motivação do aprender fazendo (learning by doing), e que coloquem também o aluno como protagonista na geração do conhecimento. Que explore as vantagens da facilidade de acesso e a descentralização sem perder o rigor científico na construção do conhecimento.
Portanto, não se trata apenas de usar as TICs para repassar conteúdos mantendo as mesmas práticas pedagógicas aplicáveis em tempos de ensino presencial. Trata-se de uma mudança de paradigma no processo ensino-aprendizagem que precisa ser repensada. As TICs devem ser encaradas como novas ferramentas nesse processo complexo. A questão é como e quanto usá-las de forma a alcançar os melhores resultados em um cenário de mudanças rápidas.
E por se tratar de uma mudança de paradigma no processo educativo, não há receita de bolo. Trata-se de um processo de construção coletiva, que deve se valer de experiências anteriores, mas muito pautadas no fazer, avaliar impactos, corrigir erros e refazer de novo, sempre em busca da excelência. Um processo tão desafiador quanto uma mudança repentina de rota em pleno vôo.
Trata-se de um cenário de busca por soluções tanto no ensino presencial quanto em novos formatos de ensino remoto, educação á distância, educação híbrida, educação on-line, educação digital etc (termos muito comuns atualmente). Não importa as nomenclaturas, o momento atual e pós-pandemia deve ser de reflexões e planejamento de ações. O que deve ser entendido de fato é o caminho percorrido até aqui, o que precisa ser corrigido e atualizado, definir as mudanças necessárias e os meios para efetivar as mudanças. E por fim avaliar os impactos das mesmas e corrigir quando necessário. Neste processo é necessário olhar para experiências de países que já avançaram neste sentido e começar o quanto antes a pensar e a colocar em prática as mudanças que se impõem. O isolamento social imposto pela pandemia acelerou este processo de reflexões e de experiências práticas que certamente vão contribuir com a busca de soluções rumo à Educação 4.0.
O caminho é longo e deve passar por algumas etapas ou fases: (i)consolidação e popularização das infraestruturas de TICs nas escolas numa perspectiva de inclusão digital; (ii)preparação e capacitação permanente de gestores e educadores; (iii) atualização de práticas pedagógicas e curriculares; (iv)preparação e criação de ambientes laboratoriais de criação e de experimentação; (v) Por fim mas não menos importante atentar-se para a urgência de criação de leis que incentivam e protegem o direito autoral e a criação e que sem implacáveis com os crimes cibernéticos e a DESINFORMAÇÃO.
Nessa caminhada deve-se tirar proveito de todas as vantagens e ensinamentos que nos trouxeram até aqui e das novas possibilidades. Neste sentido incorro-me no risco de afirmar que do ponto de vista ideal a Educação 4.0 deve ser inclusiva, focada em metodologias ativas de aprendizagem, dinâmica, socialmente impactante e híbrida (na opinião deste articulista). Híbrida para extrair o melhor dos dois mundos entre o presencial e a cibercultura.
Numa altura em que nosso país completa 45 anos de Independência, ofuscado por tempos pandêmicos, finalizo enviando um grande abraço virtual a todas e a todos e desejando que este momento muito difícil para a nossa geração seja superada, mais urgente possível e com menor impacto possível em vidas humanas, e que possamos seguir a caminhada. Viva Cabo Verde! Viva a nossa independência! Viva a democracia e a liberdade!
Feira de Santana/BA (Brasil), Julho de 2020
(*) Engenheiro Eletrotécnico/Professor Universitário (jbosco.cv@gmail.com)