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Xenofobia em Portugal: Deveríamos lembrar do Êxodo Bíblico

"O tema da emigração faz parte da condição humana. Não podemos pensar que apenas este ou aquele povo, desta ou daquela parte do globo, seriam emigrantes."

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Por: Cídio Lopes de Almeida*

O título é um pretexto para contemplar algo mais abrangente e derivou de um artigo da jornalista Flávia Villela no jornal Sputnik. É lamentável observar quando uma sociedade nacional começa a experimentar, de forma mais generalizada, a sensação de ter entre si um grupo de pessoas indesejadas. O tema não é novo, aconteceu cerca de 6 anos atrás na Espanha, sob a denominação aporofobia (Adela Cortina, 2018, El Pais), o medo dos pobres, para ficarmos em exemplo mais próximos a nós. Apesar de ser um fenômeno verificável em várias culturas humanas, sua incidência é sempre lamentável, pois é injusta e não consegue oferecer uma explicação adequada para os problemas reais dos que partem e das comunidades onde se instalam.

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Este não é um fenômeno exclusivo das terras de Viriato (II a.C). Na África do Sul, um fenômeno semelhante ocorre e é bastante recente. Em ambos os casos, podemos observar que há um problema social que afeta a maioria das pessoas e elas tentam encontrar uma solução.

Na África do Sul, o problema concreto tem sido uma epidemia de uso de drogas ilícitas entre a juventude, associada aos estrangeiros presentes naquele país. No caso dos nacionais de Portugal, como evidenciado nos jornais tradicionais e nas redes sociais, o tema imediato está relacionado com o custo de vida, especialmente em relação ao aluguel e valores de compra de moradia. Os “ordenados” (salários) recebidos pelos trabalhadores(as) têm sido insuficientes. Algo que é um problema global, verificado em Londres ou entre os trabalhadores(as) nos EUA, que, mesmo empregados, vivem em situação precária, como mostrado no filme Nomadland (2020), refletindo uma questão do neocapitalismo.

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O tema da emigração faz parte da condição humana. Não podemos pensar que apenas este ou aquele povo, desta ou daquela parte do globo, seriam emigrantes. A humanidade está sempre em movimento, os povos tradicionais do que hoje denominamos Brasil estavam em constantes fluxos migratórios. E subjacente a esse fenômeno está a motivação da emigração para resolver um problema imediato ou interno. Sair do lugar para resolver os problemas de existência é a mais longeva solução observada na história humana. Não só os portugueses atravessaram oceanos, mas também povos turcomanos saíram da “Sibéria” até a atual Turquia, para ficarmos com dois exemplos.

Os portugueses que foram morar em casas de lata (bidonvilles) nos anos 50 e 60 na periferia de Paris não o fizeram porque estava tudo bem sob o governo de Salazar. A comunidade portuguesa de Genebra, Luxemburgo e Münster (DE) não é fruto de uma escolha livre das pessoas, mas foi uma solução para algum problema em sua terra natal.

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Esta memória tão recente deveria suscitar, de maneira generalizada, outro tipo de resposta aos problemas imediatos, mesmo a nível de senso comum. Ideia que vale também para nós brasileiros, uma nação de migrantes que, por vezes, ensaia a ideia de querer mandar embora um “outro culpado” por nossos problemas. Uma solução sempre frágil, pois nós deveríamos ser capazes de prover a resolução de nossos próprios problemas, começando pela memória de que nossos avós chegaram aqui como parte da solução para os problemas de suas vidas.

A emigração, portanto, gera um ambiente complexo. Nestas respostas de culpar os de fora pelo mal-estar há perguntas silenciadas. Afinal, por que meus entes queridos emigraram? Eu que fiquei e não emigrei sou parte deste problema? Por que as condições locais não são capazes de absorver as novas gerações? Perguntas que não são dirigidas apenas aos nacionais de Portugal, mas a todos nós como partes de nossas comunidades nacionais. Por que não criamos, desde sempre, melhores mecanismos para pensar e fornecer respostas sobre o tema da inserção das novas gerações na vida social local? Qual é a revolucionária “tecnologia social” das políticas públicas para a juventude?

A reflexão sobre a migração faz parte até da mítica religiosa cristã, em que há um livro inteiro dedicado a este fenômeno, o Êxodo. Como literatura sagrada para as comunidades cristãs, o tema deveria inspirar mais cuidado e compaixão, temas correntes na discursividade desta religião hegemônica na chamada cultura/civilização ocidental. Sem receio, a humanidade é migrante, retirante, é quase impossível pensar que nossos bisavós e avós não foram migrantes. Eu sou emigrante dentro do Brasil, meus pais foram emigrantes.

É sobre compaixão e a percepção adequada de si mesmo como parte deste fluxo humano pelo globo terrestre. Nossa solidariedade deve ser ativada pela nossa condição de migrantes como um traço inerente à vida humana.

Inspirado no pensamento do Prof. Dr. Agostinho da Silva (1906 – 1994), o mundo futuro que vale a pena deve ser cooperativo, fraterno e devotado à criação poética da vida. Nesta comunidade futura, perpassada por uma ideia de Espírito Santo como força a movimentar o viver, o mais relevante, superado as demandas concretas do viver pela prática do cooperativismo, é o viver para se fazer poesia.

* Doutorando em Ciências das Religiões – Faculdade Unida de Vitória – Bolsista/Pesquisador FAPES

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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