Por: Nelson Faria
Em 25 anos uma pessoa torna-se adulto, quiçá estuda, aprende uma profissão, trabalha, progride e entra em novas fases da vida. Há 25 anos, nasceu a lei do consumidor, bem enquadrada no seu tempo de nascimento, entretanto, por várias condicionantes não tem sido permitida crescer, progredir e entrar nas novas fases de proteção dos consumidores como se desejaria.
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Não fosse a carolice dos associados e colaboradores da ADECO e de mais algumas instituições, nacionais e internacionais, creio que descurávamos a importância da nossa condição natural de cidadão-consumidor e da necessidade de adequar aos novos tempos a lei[1]( Lei nº 88/V/98 de 31 de Dezembro) de há 25 anos… 25 anos! Lei essa que, como referido, apesar de bem-intencionada e da realização de alguns dos seus propósitos, ficou por cumprir integralmente muito por responsabilidade de entidades públicas implicadas na própria lei.
Mas, o que diz a Lei nº 88/V/98 de 31 de dezembro? De forma sintética e resumida, diz mais ou menos o seguinte:
A lei de proteção e defesa dos consumidores em Cabo Verde aplica-se aos bens, serviços e direitos fornecidos por todas as entidades, tanto privadas quanto públicas, embora, ainda em muitos casos, temos a perceção de sermos tratados como se não fossemos consumidores com direitos salvaguardados. Direitos esses que, pelo Art.º 7º Lei nº 88/V/98 de 31 de Dezembro, passam pela garantia da qualidade dos bens e serviços que nos são facultados; pela garantia da proteção da saúde e da segurança física; pela formação e educação para o consumo; pela informação para o consumo, o que a ADECO tem feito; pela proteção dos interesses económicos; pela prevenção e reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, coletivos ou difusos; pela participação, por via representativa, na definição legal ou administrativa dos seus direitos e interesses; pela resolução judicial dos conflitos em que seja parte, pelo processo mais célere previsto na Lei geral incluindo, as providências cautelares; pela isenção de preparos de custas judiciais nos processos em que seja parte; pela informação prévia em processos de corte ou interrupção de fornecimento de bens ou prestação de serviços efetuados por empresas funcionando em regime de monopólio e exclusivo ou que sejam concessionárias de serviço público.
Na generalidade são pontos que a ADECO tem tentado dar vasão com intervenções lúcidas e assertivas quer a nível da sua comunicação nos meios formais como a nível de intervenção direta junto dos consumidores. Contudo, nem todos os parceiros desta empreitada têm-se mostrado cooperantes.
A incumbência geral do Estado na proteção dos consumidores pressupõe a intervenção legislativa e regulamentar adequada em todos os domínios envolvidos, o que tem faltado. Além disso, o Estado é responsável por promover uma política educativa para os consumidores, integrando matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores em programas e atividades escolares, bem como em ações de educação permanente, papel esse assumido pela ADECO, essencialmente na base de recursos próprios dos seus associados contando ainda com uma comparticipação irrisória do Estado e menor das autarquias, salvo exceções da Câmara Municipal do Sal e de Porto Novo.
Diz a lei que as associações de consumidores são apoiadas pelo Estado e pelas autarquias locais de diversas maneiras. O Estado é responsável por apoiar a constituição e o funcionamento das associações de consumidores, bem como pela execução do disposto na lei de proteção e defesa dos consumidores. Além disso, o Estado deve promover uma política educativa para os consumidores, integrando matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores em programas e atividades escolares, bem como em ações de educação permanente. Diz a lei… o cumprimento integral é que tem sido penoso para a ADECO.
As associações de consumidores gozam de direitos, como o estatuto de parceiro social em matérias que digam respeito à política de consumidores, o direito de antena na rádio e na televisão, cumpridos na íntegra, nos mesmos termos das associações com estatuto de parceiro social, e o direito de representar os consumidores no processo de consulta e audição pública a realizar no decurso da tomada de decisão suscetível de afetar os direitos e interesses daqueles.
As autarquias locais também devem desenvolver ações e adotar medidas tendentes à informação em geral do consumidor, integrando a função informação e formação do consumidor nos serviços municipais competentes, adotando mecanismos de acompanhamento, supervisão e controle das medidas de defesa do consumidor, criando serviços municipais de informação ao consumidor e constituindo conselhos municipais de consumo, com representação, designadamente, de associações de interesses económicos e de interesses dos consumidores. Quais as autarquias locais têm potenciado a defesa dos seus cidadãos-consumidores em todos os seus direitos? Quer nos serviços que presta, quer no apoio a associações de defesa do consumidor? No município onde está sediado a ADECO, o tratamento tem sido, de todo, antagónico ao que diz a Lei, elucidado em processo que se encontra pendente no Supremo Tribunal de Justiça sabe-se lá até quando.
Passados 25 anos, torna-se evidente a necessidade de adequar a lei aos novos tempos e, sobretudo, fazê-la cumprir integralmente, visto que a lei que ainda está em vigor, como demonstrado, falta ser materializada em vários dos seus pontos essenciais. A alteração da Lei justifica-se por várias razões, nomeadamente: os avanços tecnológicos, os novos produtos e serviços digitais levam a que a nossa lei mereça adequação, inclusive na ponderação de livros de reclamação eletrónicos; a proteção dos consumidores dos serviços financeiros, precauções ligadas com a privacidade, proteção de dados e tipos emergentes de fraude; a globalização e as transações a nível global na harmonização da defesa dos consumidores em todas as partes do mundo; pelo histórico da atual lei com lições aprendidas das partes que ainda não foram integralmente cumpridas e da necessidade de obrigar as instituições privadas e públicas, Tribunais inclusive, na resposta célere sobre situações que dizem respeito aos consumidores e para adequar-se ao nível de informação e de necessidade de transparência dos consumidores da atualidade, em harmonia com outras leis adjacentes.
A lei, como um elemento cultural, desempenha um papel crucial na orientação dos comportamentos em uma sociedade. Ela é vista como um produto das relações culturais e deve refletir os anseios dessa sociedade. Portanto, a lei, enquanto elemento cultural, não apenas reflete a cultura de uma sociedade, mas também orienta o comportamento dos indivíduos, serve como um guia para o que é aceitável e o que não é, ajudando a moldar a cultura e os comportamentos ao longo do tempo, no caso concreto sobre a defesa do consumidor que é sobremaneira importante pela paz social, pela qualidade de vida, pelo bem-estar e pelo reconhecimento dos valores que queremos transmitir para os nossos e quem nos visita.
Passados 25 anos, podemos dizer que a lei de defesa do consumidor carece de atualização urgente e necessária, sob pena da atual não ter utilidade para a sociedade que visa servir. É dever de todos zelarmos para que este desiderato se cumpra, afinal, consumidores somos todos nós. Que o consumo por esta altura seja consciente e racional, com votos de Boas Festas e um próspero 2024!