STJ recusa requerimento de A. Oliveira sobre incidente de suspeição contra as juízas Circe Neves e Maria das Dores
Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça acordaram recusar o requerimento do arguido Amadeu Oliveira sobre um incidente de suspeição suscitado contra as magistradas Circe Neves e Maria das Dores Gomes, que integram o colectivo do Tribunal da Relação de Barlavento que realizou o seu julgamento. O expediente da defesa aconteceu nos primeiros dias da audiência, mas a decisão saiu apenas ontem, véspera da leitura do acórdão do TRB. A declaração da sentença estava marcada para as nove e meia desta quinta-feira, mas foi adiada para o período da tarde.
Para a defesa de Amadeu Oliveira, esteve em causa a violação do princípio do juiz natural, ao alegar que o processo não foi alvo de sorteio entre os magistrados do TRB para ter caído nas mãos do juiz Simão Santos, apesar de este ter dito num despacho que “não houve e nem poderia ter havido distribuição/sorteio do processo para o primeiro interrogatório do detido”. Os defensores do arguido afirmam que até o início do julgamento desconheciam qualquer pronunciamento das magistradas Circe Neves – Presidente do TRB – e Maria das Dores sobre a matéria. Entretanto, dizem, os nomes das duas juízas aparecem, entretanto, num outro despacho “contraditório” do juiz Simão Santos em que este afirma que, assim que os autos foram entregues, houve sorteio entre os juízes que compõem o TRB.
Conforme a defesa, no dia 29 de agosto, data do arranque do julgamento, o arguido suscitou esse facto durante as questões prévias, tendo invocado a violação do direito/princípio do Juiz Natural. Porém, a sua intervenção mereceu despacho de indeferimento pelo colectivo de juízes do julgamento.
Após insistência do arguido em tocar nesse assunto, diz a defesa, a magistrada Circe Neves, presidente do colectivo de juízes, deu o “dito por não dito” e foi em contramão com um despacho que proferiu a 1 de outubro de 2021, agora para se vincular ao conteúdo do último despacho de Simão Santos sobre a realização do sorteio para o efeito do primeiro interrogatório judicial de Amadeu Oliveira. “No mesmo sentido, a magistrada Maria das Dores, querendo complementar a sua referida colega na justificação e legitimar o sorteio/distribuição comprometido nos despachos referidos, veio confirmar o acto de sorteio para efeito do primeiro interrogatório”, acrescenta a defesa, que diz denotar “graves contradições” nos esclarecimentos da juíza Maria das Dores, a ponto de ela dizer que o processo de distribuição aconteceu após despacho de pronúncia, “assumindo duas realidades diferentes, contraditórias e excludentes entre si”.
A conduta de Circe Neves e Maria das Dores, na óptica da defesa, “dando o dito pelo juiz desembargador Simão Santos como não dito”, constitui um motivo sério e grave para abalar a confiança sobre a imparcialidade das mesmas no julgamento. E lembra que a intervenção de um juiz num processo pode ser recusada quando ocorrer o risco de ser considerada suspeita. Neste sentido, a defesa requereu que as referidas magistradas fossem declaradas suspeitas, com todas as consequências legais.
Motivos da suspeição
Conforme o STJ, as duas magistradas foram ouvidas e responderam, em síntese, que não houve violação do principio do Juiz Natural, “porquanto o juiz que procedeu à diligência em causa é o que estava de turno”, neste caso Simão Santos. Além disso, acrescentam, o processo coube ao referido magistrado a quando da distribuição. As duas juízas reconhecem, no entanto, que algumas afirmações referidas pelo requerente, “se descontextualizadas”, podem sugerir contradições. “Porém, nada que possa afectar a imparcialidade das mesmas, pelo que concluem pelo indeferimento da pretensão formulada, por ser manifestamente infundada”, revela o STJ no seu acórdão.
Conforme os magistrados do Supremo Tribunal, a lei impõe que os motivos da suspeição que fundamentam o pedido de afastamento de um juiz terão que ser “ponderosos, sérios e graves”. “É que o afastamento do juiz natural de um processo só pode ocorrer excepcionalmente e, por isso, se mostra rodeado de especiais cautelas do legislador, não se bastando, assim, com um qualquer fundamento”, salienta o STJ.
No caso em apreço, o Supremo diz que, apesar da extensão do requerimento visando sustentar a suspeição das juízas em referência, o certo é que a fundamentação se centra na “alegada discrepância entre as declarações dos magistrados a propósito da ocorrência, ou não, do acto de distribuição do processo”. Este ponto, acrescenta o STJ, parece evidenciar uma “certa confusão” entre os fundamentos da suspeição e a questão da alegada ausência do acto de distribuição, cujo escrutínio esta reservado para outra sede.
Acrescentam os juízes do STJ que ressalta à evidencia que as declarações de um juiz, ou juízes, proferidas numa diligência processual – sobre se terá ou não tido lugar no acto de distribuição, – ainda que as mesmas possam estar em contradição com as declarações anteriores, “nenhuma relevância assume em sede de aferição da sua independência ou imparcialidade”.
O requerimento da defesa foi, deste modo, recusado “por manifestamente infundado”. Em consequência, Amadeu Oliveira foi ainda condenado ao pagamento de trinta mil escudos, com base no Código do Processo Penal.
Esta é a segunda “derrota” de Amadeu Oliveira nas instâncias superiores, depois de o Tribunal Constitucional ter negado razão a esse ex-deputado num recurso de amparo. Os juízes do Tribunal Constitucional decidiram que o Supremo Tribunal de Justiça não violou o direito do arguido Amadeu Oliveira à “liberdade sobre o corpo” quando confirmou a prisão preventiva aplicada pelo Tribunal da Relação de Barlavento a Amadeu Oliveira, com base no crime de atentado contra o Estado de Direito Democrático