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Abuso sexual em Salamansa: Moradores “gritam” por justiça à porta do Tribunal de S. Vicente

Familiares recorrem da sentença de 4,8 anos de pena suspensa e 250 contos de indemnização para cada uma das três crianças

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Os moradores da localidade de Salamansa concentraram-se no início da tarde desta quarta-feira nas proximidades do Tribunal de S. Vicente para pedir justiça para as três crianças desta comunidade abusadas sexualmente por Arlindo Matias, de 62 anos. Vieram mostrar a sua indignação pela sentença proferida pelo segundo juízo crime, que condenou o malogrado a 4,8 anos de cadeia, suspensa por quatro anos, e a pagar uma indemnização de 250 mil escudos a cada um das vítimas. 

Trajados com camisolas brancas com uma mão pintada de vermelho a pedir basta, empunhando balões brancos e cartazes, os moradores de Salamansa, em número expressivo, pediram justiça e rejeitaram o dinheiro da indemnização. Aliás, esta era palavra de ordem: “No cre justiça, no ca cre dnher”.

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Decidimos fazer esta manifestação porque não aceitamos a sentença. O juiz entendeu aplicar ao agressor quatro anos e oito meses de pena suspensa, o que revoltou os familiares que há muito clamam por justiça. Para nós esta sentença é uma ofensa. E, se não bastasse a pena ínfima, ainda este determinou o pagamento de uma indemnização de 250 mil escudos a cada uma das crianças. É inaceitável, tanto para mim enquanto mãe, como para todos os envolvidos”, desafava Ticiana Matias. 

Esta garante ainda que estão a decorrer os trâmites para o recurso, mas prometem não baixar os braços. “Vamos fazer o possível e o impossível para obter uma justiça justa porque não se fez justiça”, promete, destacando a luta que a família iniciou hoje com a manifestação, que mobilizou a população de Salamansa. “Está aqui presente uma boa parte da população de Salamansa. Temos crianças, jovens e adultos, incluindo os pais e avós das crianças. Esperamos que as pessoas do centro do Mindelo juntam-se a nós. Vamos permanecer aqui até ás 14 horas concentrados a apelar por justiça.” 

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Na mesma linha segue Jéssica Matias, mãe de uma outra das crianças, que faz questão de realçar o parentesco entre as três vítima. “Eu também estou aqui porque quero justiça para a minha filha, para a minha prima e para a minha sobrinha. Somos todos uma família. Estamos muito tristes porque não estávamos à espera deste desfecho. Quando o juiz começou a ler a sentença, estávamos todos com esperança de que iriamos ganhar esta causa. Foi uma decepção enorme.”

Por isso a decisão de mostrar o descontentamento das famílias na rua. “Somos uma comunidade pequena e esta sentença teve muito impacto. No primeiro dia foi um desastre. Agora os ânimos estão mais calmos, mas a qualquer momento pode ocorrer nova escaramuça”, adverte Jéssica, que se mostrava satisfeita com o número de pessoas que aderiram à manifestação. “Estamos com muitas pessoas do nosso lado nesta luta por justiça”, afirma esta mãe, que disse ainda sofrer com a dor destas crianças que, frisa, se arrastou por muito tempo. “Elas ficaram em silêncio por medo”, lamenta. 

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Minha filha sempre foi uma criança carinhosa. Na altura, começamos a perceber algumas mudanças no seu comportamento, mas nunca poderiamos imaginar que estava a ser abusada. Pensávamos que era porque estava a crescer. Quando o seu pai brincava com ela, a minha filha tentava evitar. Foi apenas quando a questão veio a público que pudemos relacionar a sua mudança de comportamento com a violação”, revela, lembrando que, na altura em que foi abusada sexualmente, a filha tinha apenas cinco anos. “Hoje tenho uma filha revoltada. Por isso, ela está com acompanhamento de uma psicóloga.”

Sentindo-se impotente e revoltado, Renato Matias diz estar indignado com a justiça de Cabo Verde. “Estivemos muito tempo à espera de uma justiça justa para vermos agora o agressor ficar impune. Para mim, esta sentença não puniu o violador. Estamos a falar de uma agressão sexual contra três crianças muitos pequenas. Por isso não aceito que seja condenado a quatro anos de pena suspensa.”

Mais grave ainda, diz este pai, foi o juiz estipular uma multa de 250 contos pela violação da filha. “Temos de recorrer porque não foi feita justiça. Viemos aqui mostrar a nossa indignação porque deixaram o agressor livre para repetir o seu crime. Estou indignado com esta situação e quero deixar claro que a minha filha e nem ninguém da família vai aceitar o dinheiro. Queremos é justiça e que o agressor pague por seu crime. O valor de 250 contos e nem nenhum dinheiro do mundo paga o que ele fez com a minha filha. Não aceitamos. Podem ficar com o dinheiro.” 

A sentença foi conhecida no dia 27 de dezembro e, de imediato, os familiares e amigos mostraram a sua revolta. Primeiro à porta do Tribunal de São Vicente e, mais tarde, na localidade de Salamansa, onde o acusado e as vitimas residem. O ambiente ficou tenso devido a insatisfação das pessoas. 

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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