O enfermeiro mindelense “Trans”, Caio Fernandes, que está na linha da frente na luta pela vida de internos no lar de idosos onde trabalha em Paris, espera servir de referência para a liga LGBT em Cabo Verde. Em meio à transformação e transição na sua vida, Caio Fernandes, que outrora foi Cátia, conta como foi o processo para se encontrar e poder sentir-se bem consigo mesmo.
Por Sidneia Newton
MI: Primeiramente, como foi o sua infância no Mindelo?
Caio Fernandes: A minha infância posso dizer que foi normal, como qualquer criança dos anos 80/90 no Mindelo. Fui “educada” como uma menina. Minha adolescência foi igual a qualquer “menininha” da minha idade e tinha o meu grupo de amigas.
MI: Quanto percebeu que era “diferente”?
CF: Desde cedo sentia que era diferente. Sempre senti atraído pelo sexo feminino, mas nunca me considerei lésbica. Nunca me senti atraído ou tive interesse sexual pelas lésbicas. É como se tivesse um bloqueio em relação a isso e nunca sube explicar…
MI: Lembra-se do seu primeiro envolvimento amoroso com uma mulher e a reação da sua família?
CF: Sim. Ainda adolescente tive o meu primeiro contato com outra mulher. Deste então vivi esta experiência com maior naturalidade. Não foi preciso dizer à minha mãe ou outros familiares nada porque, para mim. não havia nada para ser dito.
MI: Chegou a sofrer algum tipo de preconceito?
CF: Acho que, pelo fato de sempre ter respeitado o espaço de outras pessoas, por ser uma pessoa reservada e saber que meus limites acabam aonde começam os dos outros, nunca fui desrespeitado ou cheguei a sofrer qualquer tipo de preconceito. Também, mesmo até agora com a minha transição, nunca impus nada a ninguém. O respeito é um dever de todos.
MI: Como chegou à enfermagem e a Paris?
CF: Enfermagem sempre foi meu sonho de criança e Paris meu sonho de adolescência. Saí de Cabo Verde para fazer um curso profissional em Portugal. Depois concorri e em 2010 entrei para a Escola Superior de Viseu. Ao concluir a licenciatura, em 2014, decidi ir viver em Paris. Após algumas etapas, em 2016, consegui meu contrato como funcionário público no hospital Pitié Salpetriere.
A transição
MI:Em meio às realização dos sonhos, como foi o processo até a transição?
CF: A decisão de fazer o tratamento foi bastante complicada. Por pelo menos dois anos sofri muito, sem saber o que se passava. Sentia-me como se estivesse dentro de uma caixa ou de um vestido que não me servia. No trabalho ia tudo perfeito, tinha o emprego dos meus sonhos e vivia na cidade dos meus sonhos: Paris. Ainda, viajava para onde queria…
MI: O que lhe faltava?
CF:Paracia tudo muito perfeito. Mas não era. Eu me fechava cada vez mais, até que um dia minha mãe, já angustiada porque via o meu sofrimento, sem uma razão visível, mandou-me procurar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Em Maio de 2017 tive a primeira consulta com um psiquiatra. Depois de pelo menos uma hora de conversa, ele falou-me de algo que era novo para mim: a transexualidade. Foi então que percebi que, até aquele momento tinha vivido uma vida que não era a minha. Pesquisei muito.
MI:Pensou nas implicações que uma mudança de sexo poderia trazer para a sua vida?
CF: Na altura meu maior medo era explicar isso para a minha mãe, apesar dela sempre me permitir decidir o que achava melhor para mim. Mas era algo que iria implicar muita mudança na minha vida. Tive uma conversa aberta e tranquila com ela e disse-me logo de cara: “estou contigo para o que der e vier”. Então pensei, se minha mãe aceitava minha decisão, não precisava da aprovação de mais ninguém.
Continuei as consultas com o psiquiatra. Tinha de fazer a transição e o chamado «coming out» – a etapa que algumas pessoa não entendem, a de ser tratado no masculino. No ano seguinte realizei um sonho, quando fiz a mastectomia.
MI: Chegou a ter problemas no trabalho por causa da homossexualidade?
CF:Em relação ao meu trabalho e a minha transição, antes de qualquer mudança, falei com o meu chefe e nunca me trataram diferente, pela homossexualidade. Sempre falei abertamente e deixaram claro que o que conta é o meu trabalho. Por isso sou tratado por Sr. Caio por toda gente.
Covid-19
MI: Trabalhar nesta altura da pandemia do Covid-19 tem sido ume desafio para os profissionais da saúde. Como tem sido consigo, enquanto enfermeiro?
CF: Ê verdade e, no meu caso, no ano passado pedi licença do hospital onde trabalhava para experimentar outras áreas. Neste momento trabalho com idosos. Com o Covid-19 continuamos com as precauções do dia-a-dia, mas com uma atenção redobrada. Estava tudo bem e, de repente, começaram a chegar o testes positivos nos lares. Depois não pararam de chegar. Começamos a perder alguns internos, mas a nossa luta continua. Tenho já as mãos peladas de tanto as lavar, não podemos ligar para urgências porque já não há leitos disponíveis.
MI: Em meio a este caos, tem tempo para sonhar?
CF: A minha vida sempre foi marcada por desafios, lutas e conquistas. Mas, como dizem « espirt d luz ka te infronta » (risos) e tenho alguns sonhos. Um deles é fazer outra licenciatura, sempre na área da saúde. Outro importante é de poder casar em Cabo Verde com a minha mulher. Quero também poder ajudar pessoas em Cabo Verde que fazem parte da LGBT. A luta é minha também. Quero ajudar a mudar ainda mais as mentalidades e dar visibilidade ao LGBT em Cabo Verde e que, a partir do meu exemplo, um dia possa ser possível ter uma equipa multidisciplinar para permitir o tratamento lá.
Orgulho bo sempre pa bo ter assumide quem bo e continua te luta deuse te companhobe sempre .mi apoia LGBT whatever makes you happy. As long you happy thats what matters