Os pais de Kelton Bento decidiram apresentar uma queixa-crime contra agentes da Polícia Nacional por alegados actos de tortura cometidos contra esse jovem na passada quinta e sexta-feira, nas Esquadras do Comando Regional de S. Vicente e de Fonte Inês. Nelson Bento muniu-se de um atestado médico para provar que o filho foi “barbaramente” espancado por pelo menos 6 policiais – quatro no Comando e dois em Fonte Inês – com o intuito de o obrigar a confessar um crime de roubo contra a filha de um colega de profissão.
“Queriam mata-lo de pancada e isso não pode acontecer. Se ele fez alto errado deveria ser tratado com base na lei. No entanto ele é espancado de forma severa e sequer é apresentado ao tribunal”, critica Nelson Bento, que procurou o Mindelinsite acompanhado do filho para fazer a denúncia pública do ocorrido.
Conta Kelton Bento, 21 anos, que estava a fazer uma volta à noite pelos lados da Praça Nova quando foi acusado por dois rapazes de ter roubado uma menina que, por sinal, é filha de um agente da PN. Entretanto, diz, aparece o suposto namorado da moça a tentar agredir-lhe com uma faca. Kelton afirma que alegou sempre inocência e ameaçou chamar a polícia. Mas tal não foi preciso, pois momentos depois chegou uma viatura da PN e foi detido.
Levado para o Comando, diz, começou a ser agredido por quatro agentes para confessar o crime e entregar os objectos roubados: uma bolsa e três mil escudos. “Sempre que alegava inocência era agredido. Bateram-me com socos, pau, ferro e taco de baseball por todo o corpo, inclusive na cabeça”, revelou Kelton Bento ao jornalista, enquanto mostrava sinais de ferimentos pelo corpo supostamente causados pelas agressões dos policiais.
Kelton conta que foi metido na cela do Comando e enviado para a Esquadra de Fonte Inês na manhã seguinte. “Na Esquadra de Fonte Inês fui algemado com violência, a ponto de me terem provocado ferimentos no pulso. Voltaram a pedir-me para confessar o crime e entregar os objectos roubados e voltei a alegar inocência. Deitaram-me de barriga para baixo com as mãos algemadas por trás das costas, prenderam-me as pernas e voltaram a bater-me com pauladas pelo corpo todo”, relata o jovem. Como ele diz, os policiais “apanharam leite” à vontade.
Esta tortura, prossegue, foi presenciada pelo pai da suposta vítima do roubo, que, conforme Kelton Bento, chegou a bater-lhe, mas não tanto como os colegas. Aliás, afirma que foi o pai a pedir aos outros policiais para pararem com a sessão de pancada, depois de algum tempo.
Kelton diz que foi torturado de manhã, os agentes foram almoçar, voltaram e continuaram a obriga-lo a confessar o crime. Este conta que um dos policiais chegou ao ponto de usar um alicate no seu dedo mindinho do pé direito, tendo ameaçado arrancar-lhe a unha. “Ele não arrancou a unha mas feriu-me com o alicate. Como eu estava a gritar de dor meteu-me um lenço na boca para abafar o som”, prossegue.
Kelton Bento tem cadastro policial por conta de um assalto que cometeu com um colega em 2017. Foi julgado e condenado, com pena suspensa por dois anos. Este diz que aprendeu a lição e desde então passou a lavar carros e a contar com a ajuda do pai e da mãe, que vive no estrangeiro. Revela, inclusive, que a mãe enviou-lhe um telemóvel e que este foi apreendido pela PN. O jovem continua a afirmar que é inocente e pede justiça.
Abordado pelo Mindelinsite, o comandante regional da PN disse que tinha ouvido algo sobre o ocorrido no dia anterior e que a vítima deveria apresentar queixa e identificar os autores para que sejam tomadas as medidas adequadas. “Este tipo de situação não pode acontecer, ainda mais numa Esquadra. A força física só deve ser usada para repor a ordem, quando justificar”, comentou Alírio Correia, que encaminhou o jornalista para o Chefe da Esquadra de Fonte Inês a fim deste pronunciar-se sobre o caso. Este disse, por sua vez, que o incidente estava a ser investigado e que não podia adiantar mais nada a este jornal.