A mãe Fátima Mendes está revoltada com o suposto abandono pelo hospital de S. Vicente da sua filha, que se encontra acamada faz mais de dois meses e sem perspectivas de poder voltar a ter uma vida normal. A progenitora acusa o HBS de ter prescrito medicamento para epilepsia à sua filha durante 12 anos sem ter a certeza absoluta da sua doença, e que, por conta disso, a menina ficou dependente de fármacos e sofreu outros danos como, por exemplo, falta de força muscular. Na sequência disso, Maria Lina Barbosa, 22 anos, teve de ser operada ao ombro esquerdo no Senegal, onde finalmente confirmaram que a jovem é realmente epilépica.
“Gostaria de perguntar ao hospital porque motivo deram medicamento para elipepsia à minha filha durante 12 anos sem terem a certeza absoluta que ela padecia desta doença. Se tivessem certeza disso, um dos médicos não teria dito que seria melhor evacuar a minha filha para a cidade da Praia para que tivessem certeza absoluta de que ela tem epilepsia, antes de ser operada”, comenta essa foguense. Segundo Mendes, só no ano passado foi possível confirmar que a filha tem realmente epilepsia, depois de a levar para Dacar, com ajuda de familiares e amigos.
Em conversa com o Mindelinsite, Fátima Mendes deixa transparecer toda a sua indignação pelo estado actual da jovem que, diz, passou a viver presa numa cama e precisa ser evacuada para Senegal para ser reavaliada. É que, garante, a menina voltou bem de Dacar no final do ano passado, depois da mudança de medicamentos e de cirurgias feitas ao ombro esquerdo e na costa. Entretanto, registou pioras significativas com o tratamento para elipepsia que voltou a ser sujeita no hospital central de S. Vicente e a qualidade da fisioterapia feita por uma clínica privada para tratar o ombro e a costa.
“Se o hospital já não pode fazer nada com ela, então que me ajude a evacua-la para Senegal. Aliás, o ministério da Saúde e a própria Câmara Municipal de S. Vicente deviam também colaborar porque não é justo uma jovem de 22 anos viver o resto da vida numa cama, cheia de dores e bastante triste”, considera Fátima Mendes, natural da ilha do Fogo, mas residente em S. Vicente.
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Esta mãe afirma que tem carregado um fardo muito pesado, tentando fazer de tudo para tirar a filha do sofrimento. No ano passado, diz, conseguiu mobilizar recursos junto dos familiares e amigos residentes nos Estados Unidos – entre os quais Afonso Batista e a Associação de Cabeça Monte -, e levar a filha para Dacar no mês de Agosto. As passagens, conta, custaram quase 200 contos, a cirurgia ao ombro esquerdo 170 contos e a na costa ficou por 173 mil escudos. Além disso, a estadia da filha no hospital rondou os 5.900 escudos dia, tendo ficado quase três meses internada. Custos elevados que, segundo Fátima Mendes, valeram a pena porque a filha voltou para casa normal, caminhando sem problemas.
Sol de pouca dura
No dia que chegou à cidade do Mindelo, Fátima Mendes levou a filha para jantar e celebrar a sua recuperação. “Estava muito feliz”, sublinha.
Porém, a felicidade foi sol de pouca dura. Isto porque Maria Lina começou a sentir dores na costa. A mãe desconfia que isso possa ter acontecido devido ao esforço despendido na viagem. No entanto, acrescenta, ela foi avisada pelos médicos que a operaram no Senegal que poderia sentir algum desconforto nos primeiros tempos.
Mesmo assim, resolveu levar a filha para o hospital Baptista de Sousa. Chegaram por volta das 11 da manhã e foram logo atendidas por uma enfermeira. Só que, segundo Mendes, a moça só veio a ser vista por um médico já noite, tendo passado muitas horas de pé. “Depois de muito tempo é que lhe deram uma cadeira de rodas”, revela a mãe, para quem o cansaço terá prejudicado a filha.
Nesse dia, a jovem ficou internada, depois recebeu alta com a indicação de que deveria fazer fisioterapia para o ombro e a costa. Deste modo foi levada para uma clínica privada. Acontece, segundo a mãe, que usaram aparelhos de choque sem saber primeiro que a paciente estava operada e que tinha, inclusivamente, um parafuso no ombro. Tudo isso, na sua perspectiva, acabou por gerar mais danos do que benefícios.
Corpo desfalecido
Na primeira pessoa, Maria Lina conta que começou a receber choques ligeiros na costa, depois a fisioterapeuta passou a usar uma máquina maior e mais potente. “O meu corpo tremia quando usavam essa máquina”, revela a jovem.
Numa das sessões, a moça ficou com o corpo desfalecido, sem forças nas pernas. “Nessa sessão acabei por adormecer. Quando terminou, a fisioterapeuta disse-me que podia ir embora. Eu disse-lhe que estava sem forças e ela disse-me para descansar mais um pouco. Já na rua, deixei cair uma bolsa que trazia. Tentei apanha-la no chão, mas não pude – não conseguia abaixar-me”, conta Maria Lina, que foi ajudada por uma transeunte.
Assim que recebeu a bolsa, a jovem deu alguns passos e caiu. Bateu com a cabeça na base de um poste e magoou o ombro operado. Perdeu os sentidos e só acordou no hospital.
Já na casa, a jovem começou a sentir dores fortes no ombro. No dia seguinte voltou para a clínica de fisioterapia. Desta vez, conta, usaram um aparelho de choque no ombro. Cada vez que recebia a carga, diz, parecia que o ombro, que tem um parafuso, saía do lugar e voltava a encaixar-se. “Achei estranho, era a mesma sensação que tinha antes de operar”, compara. Segundo Maria Lina, passou algum tempo suportando esse tratamento porque a técnica ligou o aparelho e saiu da sala.
Por conta disso, o ombro ficou inflamado e ela teve que voltar para o hospital. Foi sujeita a um raio-x, mas, como conta, um médico – e mais tarde uma médica – disse-lhe que estava a ver apenas o parafuso, que faltava uma placa. “Fiquei com medo porque disseram-me que o metal podia andar-me pelo corpo”, acrescenta a jovem, que viria a ser internada mais tarde. No entanto, sempre que era ajudada para ir tomar banho sentia fortes dores no ombro.
Maria Lina recebeu alta e enviada para casa de ambulância. Faz dois meses que vive estatelada numa cama, onde come, dorme e faz as necessidades básicas. A mãe é o seu principal suporte.
Um problema antigo
O problema de saúde de Maria Lina Barbosa não é recente. Segundo a mãe, ela tinha 10 anos quando tudo terá começado. Nessa idade, deu uma queda à caminho da escola. “Ela veio para casa, comeu e voltou a correr para a escola. Deu uma queda e vomitou”, recorda.
A criança foi levada para o hospital de S. Vicente e um médico receitou-lhe um remédio usado para tratamento de epilepsia. Porém, segundo Fátima Mendes, esse profissional não chegou a fazer um diagnóstico para ter a certeza absoluta que a filha padecia dessa doença. Aliás, acrescenta, até hoje isso nunca aconteceu por parte dos profissionais do HBS.
O certo é que Maria Lina passou a usar esse fármaco durante todos estes anos e ficou dependente do mesmo. Nestes últimos 12 anos, conta, a filha perdeu a conta de tantas consultas que fez no HBS e numa clínica privada. Entretanto, o seu estado de saúde nunca melhorou. Pelo contrário, acabou por perder quase toda a força no braço esquerdo. Sintoma que, para ela, resulta do uso exagerado do medicamento.
“Um médico em S. Vicente disse que ela teria que ir para o hospital da Praia para terem a certeza que sofria de epilepsia, antes de ser operada ao braço. Ou seja, durante todos estes anos ela usou um medicamento sem saberem ao certo que doença ela tinha”, critica Fátima Mendes, que acabou ela própria por dar expediente e levar a filha para Senegal.
Neste país é que descobriram que, realmente, ela sofre de epilepsia. No entanto, mudaram-lhe os remédios e as doses e registou melhoras. Só que os medicamentos acabaram e voltaram as crises. Deste modo, Fátima Mendes quer levar a filha de volta para Dacar a fim de ser vista pelos médicos que a atenderam. Para o efeito, acrescenta, precisa de apoio do hospital Baptista de Sousa e de outras autoridades.
Doente não preenche critérios de evacuação
O problema é que Maria Lina não preenche os critérios de evacuação, segundo a médica Ana Brito, directora do hospital Baptista de Sousa. Se fosse o caso, diz, a paciente seria enviada para Portugal, único país com o qual Cabo Verde tem esse tipo de parceria.
“Ela já foi vista por vários médicos, recebeu todo o tipo de tratamento, mas ela não preenche os critérios de evacuação. Lamentamos isso porque nenhuma mãe quer ver uma filha com uma patologia que causa sofrimento e afecta a sua capacidade de locomoção”, comenta Ana Brito, enfatizando que o hospital não pode falar publicamente da doença de um paciente, mas que, nesse caso, o director clínico conversou com a mãe da jovem e forneceu-lhe todos os dados possíveis.
O Mindelinsite entrou também em contacto com um dos médicos que tratou a paciente e este assegurou que está ética e deontologicamente impedido de abordar na comunicação social casos particulares dos pacientes.
Tudo indica que Maria Lina vai ter de procurar outros meios para continuar o tratamento. Segundo a mãe, foi-lhe negada a evacuação porque pensam que a sua família tem condições financeiras. Mas, diz, isso não é bem assim.
Presa numa cama, Maria Lina vive triste, com dores e psicologicamente abalada. “Apesar do apoio incondicional da minha mãe sinto-me abandonada. Muitas vezes sinto-me muito em baixo, mas evito passar isso para a minha mãe porque ela está muito preocupada”, diz a jovem, que tem uma filha menor e gostaria de poder cuidar dela. Isto, no entanto, é praticamente impossível neste momento.