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Cuk Tel, um rapper “encurralado” entre a revolta e a esperança: “A minha situação de vida e a música estão misturadas”

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Cuk Tel Martelo é um jovem que vive entre a revolta e a esperança. Compositor e intérprete, transporta para a sua música essa dualidade. “A minha situação de vida e o lado artístico estão misturados. Foram questões familiares e sociais que me levaram a entrar para o mundo do Rap”, confessa António Pedro Lopes, 26 anos, mais conhecido por Cuktel, um nominho inspirado em cocktail molotov, a bomba caseira dos manifestantes. Pegou em “Cuk”, como sempre foi tratado por uma irmã, acrescentou “tel” e criou a sua marca de guerra.

“Criei no meio da revolta, sou frontalmente contra a injustiça e não morro de amores pela polícia”, acentua Cuktel, que já teve passagens pela Esquadra da Ribeira Grande, na ilha de Santo Antão. É que Cuktel tem vivido situações que ele considera ultrajante e sem nexo, que o deixam transtornado. A mais marcante foi uma decisão judicial que permitiu o acesso de um vizinho ao quintal da casa de pedra e palha onde mora com a mãe.

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Acontece, segundo este jovem, que um vizinho resolveu fazer uma construção num terreno baldio situado na parte traseira da sua moradia por longos anos, na chamada Rua d’Aga. Só que, explica, os proprietários não tinham acesso a essa obra, que ficou encurralada. “Eles alegaram que o meu falecido pai lhes garantiu o acesso e o caso foi a tribunal. O juiz decidiu que podiam passar pelo nosso quintal para terem acesso à casa deles”, diz Cuk Tel, que considera essa decisão descabida, um acto que lhes retira o direito à privacidade.

Mesmo assim, Cuk Tel e a sua mãe disponibilizaram uma chave da porta do quintal aos vizinhos. E estes, conta o jovem, entram e saem à hora que querem. “Acabaram por ter o acesso, mas sempre houve conflitos. Chegaram ao ponto de agredir a minha mãe quando eu estava longe de casa. Felizmente que reagi com ponderação e decidi apenas levá-la à Esquadra para apresentar queixa”, conta.

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Inconformado com essa situação, e receando males piores, Cuk Tel pediu a intervenção da Câmara da Ribeira Grande para mediar o conflito, mas sem sucesso. Isto quando reina um clima de crispação entre as duas famílias vizinhas.

Cuk Tel afirma que o seu desígnio é lutar pela privacidade e dignidade dele e da sua mãe. Eles que moram numa casa em perigo de ruína. Construída de barro e pedra, coberta de palha, pode desabar a qualquer instante e soterrar quem estiver la dentro. Quando chove, diz Cuk Tel, fica com o coração na mão. “Custa-me dizer isso, porque todos sabemos qual a importância da chuva para a ilha de Santo Antão, mas a chuva representa uma ameaça para a nossa segurança”, frisa o jovem artista, que retratou esse drama no clipe Kastel de palha, publicado na sua página no Youtube.

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Proveniente de uma “família problemática e desfragmentada”, Cuk Tel preferia estar na rua do que em casa. Só que na rua, diz, uma criança nessa situação fica sujeito a outras influências e distúrbios, que acaba por levar de volta para a casa. “Levamos a nossa rebeldia da casa para a rua e somos excluídos. Por outro lado, trazemos para dentro de casa frustrações que enfrentamos na rua”.

Ao longo da sua vida, Cuktel enfrentou dilemas e a sua mente tem mais perguntas do que respostas. A ponto de ter dificuldades em fechar os olhos e dormir. Mas, ainda na adolescência teve o primeiro contacto com o Rap. “Aquilo que os rappers diziam eram como que conselhos de irmãos para mim“, enfatiza o jovem, que adoptou o Rap como sua expressão artística de eleição aos 16 anos, mas que se “oficializou” como rapper em 2014.

Cuk Tel demorou esse tempo para se lançar no campo musical porque, diz, tinha medo porque não se sentia preparado e devido ao nível de marginalização que ele e os próprios rappers sofriam. “Sentia-me excluído, mas encontrei amigos que me motivaram. Um deles foi o Indzaiz, um rapper que notou em mim e que me deu a mão. Passava horas a falar comigo”, revela o jovem, que acabou por ver no Rap o seu combustível para a vida e o seu processo de transformação.

Como resultado dessa sua metamorfose, e motivado pela condição social da própria mãe, Cuk Tel criou o projecto CSIA – Construindo Sonhos, Inspirando Almas. Lançou camisolas e passou a organizar actividades de carácter social, algumas com o objectivo de ajudar na reconstrução da casa da mãe. Pelo caminho acabou por criar a oportunidade a outros jovens talentos na música.

No tocante à sua carreira artística, Cuktel teve momentos altos e outros nem tanto. Tal como todos os cabo-verdianos sofreu impactos da pandemia, um deles foi o cancelamento de uma viagem para Cuba. Para o compositor era uma excelente oportunidade para ganhar visibilidade internacional, mas que foi cancelado.

Intérprete das suas próprias composições, Cuk Tel já actuou no festival 7 sóis 7 luas, lançou 17 videoclipes, 1 EP, intitulado Autorevolução e os mixtapes Tempestade e Bonança e A safra.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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