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Arquitecto Michael Heim: “As melhores casas em S. Vicente são as do tempo colonial”

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Autor do projecto da residencial Casa d’Poço, o arquitecto Michael Heim visitou a obra e ficou satisfeito com o resultado. O alemão traça as características do prédio, inspirado tanto na força cultural da cidade do Mindelo como nos terraços agricolas de Santo Antão, e deixa evidente as dificuldades para se edificar uma ideia arquitectónica em Cabo Verde devido a escassez de materiais e a “baixa” qualificação dos trabalhadores. Assumidamente crítico, Heim chama atenção para dois aspectos nas construções em S. Vicente: casas inacabas – que afectam a estética visual – e a propagação do som/ruído dentro das residências, que influenciam a qualidade de vida dos moradores. Para ele, os edifícios do tempo colonial têm mais qualidade que os modernos e falta diversidade nas construções em S. Vicente.

Mindel Insite – É autor do projecto da residencial Casa de Poço e está neste momento em S. Vicente. É a primeira vez que visita a obra desde que foi construída? 

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Michael Heim – Sim, era para vir antes, mas a viagem foi adiada devido a pandemia, mas visitei o local durante a construção por duas vezes.

MI – A construção respeitou o espírito do projecto? Está satisfeito com o resultado?

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MH – Sim, estou muito satisfeito, embora haja sempre alguma tolerância ao nível dos detalhes. E este para mim é um dos handicaps das obras aqui em Cabo Verde, que muitas vezes não são muito exactas. A formação dos trabalhadores muitas vezes é baixa e não têm também as melhores condições.

MI – Acha, então, que é mais difícil construir aqui?

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MH – Sim, mais complicado. Por exemplo, se tens uma ideia enfrentas algumas dificuldades para edificá-la porque fica-se muito dependente dos recursos disponíveis. E esta foi a primeira coisa que fizemos quando fui convidado pela Juliette Brinkmann para fazer este imóvel. Fiz uma viagem para poder sentir o lugar, o clima arquitectónico e social, o modo de vida da cidade…; entender Cabo Verde, ver a distinção entre as ilhas.

MI – Se fosse possível construir esta obra na Europa qual seria o resultado?

MH – Este é um projecto muito distinto, específico para esta ilha e Cabo Verde. Quando vou preparar um projeto tenho de sentir o local. A casa foi concebida para este espaço. Queria criar algo que não fosse muito estranho. Perspectivei isso também para conceber bem-estar aos clientes, que muitas vezes são europeus. Antes de elaborar o projecto fiz uma viagem à ilha de Santo Antão e só depois resolvi desenhar a obra. 

MI – Quais são as principais características deste prédio?

MH – A casa tem três parâmetros: primeiro é a torre, elemento muito bruto/rústico e que se vê muito por aqui. Este pormenor foi integrado na cultura arquitectónica local. O segundo parâmetro é a casa no geral, que tem 2 lados: a fachada e o interior, que são distintas. Para mim, Mindelo é uma cidade cultural muito ligada à música e ao carnaval. Expressei isso na fachada, que representa um jogo cultural e aliei qualidade. Não é sobre luxo, mas sobre comunicação.  Depois temos uma segunda fachada dentro do pátio. Em Santo Antão usam terraços na agricultura e isso foi uma inspiração adaptada nesta casa, que emana a calma e o verde. E sentimos isto quando estamos nos quartos, que são para a fachada e para o pátio. São pontos importantes para estares e sentires o lugar, que é para turistas e emigrantes, que podem ficar 2 meses, e não dias. Pessoas que não querem um mero hotel, mas um lugar onde estar, por isso tem uma cozinha comum. 

MI – Este edifício pode ser considerado ecológico?

MH – A lógica da construção de uma casa no geral nunca é ecológica. Pensei em construir a casa em madeira, mas aqui não é possível fazer um edifício de 4 pisos em madeira. Penso que, apesar disso, houve uma intenção ecológica porque aqui não é um lugar de luxo. Foi construído com detalhes e qualidade e parece-me que as pessoas vão usar este prédio com cuidado e respeito e por muito tempo. Quando as coisas são usadas por muito tempo e com respeito ao longo do tempo tornam-se ecológicas. Quando a casa muda de proprietário, o novo dono vai ter respeito e não destruir para construir outra. Na Europa, neste momento, uma casa não dura mais do que 30 anos. É muito pouco tempo. Depois é destruída para satisfazer outras demandas. Uma atitude algo consumista. As pessoas constroem com base no capitalismo.

“O tipo de arquitectura aqui é quase sempre o semelhante”

MI – Qual a sua concepção da arquitectura em Cabo Verde, nomeadamente em S. Vicente. Muita gente critica aqui o tipo de obras nos montes circundantes da cidade do Mindelo, que são consideradas pouco estéticas. Quero saber se partilha da mesma opinião.

MH – Sou uma pessoa muito crítica e gosto de construir dentro das cidades, onde há civilização. A civilização é condensada nas cidades e nós não vamos para o campo. Tendo feito esta observação, posso dizer que reparei que o tipo de arquitectura aqui é quase sempre o semelhante. Há alguns estrangeiros que tentam outros estilos de construção, mas geralmente as pessoas apenas constroem uma casa para viver e há muitas casas inacabadas. Sinto que existe uma falta de definição de onde está a civilização e onde está a paisagem, mas isso também é um grande problema na Alemanha.

MI – Aquilo que está a dizer é que temos muitas casas para morar na cidade muito parecidas e que não há muita estética? É isso?

MH – Sim, são casas muito parecidas. No geral desejo ver mais pluralidade e mais detalhes tanto na fachada como no interior. Um aspecto crítico que precisa ser visto é o nível de propagação do som/ruído dentro das casas. Isto ocorre porque as janelas e as portas são pouco isoladas em termos sonoros e esse factor influencia a qualidade de vida dos moradores. No entanto, a qualidade também está ligada à capacidade financeira das famílias. Há que ver, por outro lado, que esta ilha tem as suas regras. Gosto de Mindelo, que ainda guarda alguns traços tradicionais de certa maneira.

Um aspecto crítico que precisa ser visto é o nível de propagação do som/ruído dentro das casas. Isto ocorre porque as janelas e as portas são pouco isoladas em termos sonoros e esse factor influencia a qualidade de vida dos moradores.

MI – Como vê o casamento entre a arquitectura colonial e a moderna em S. Vicente?

MH – Esta é uma questão difícil. Estamos vivendo no tempo pós-colonial e a discussão está lançada. Como integrar uma cultura democrática com a colonial? Reparo que as melhores casas são as do tempo colonial aqui em S. Vicente. As casas coloniais têm muita qualidade e repassam isso para a cidade, o que é muito positivo. O importante é o uso em contraponto com a história. É um assunto também discutido na Alemanha, quando as casas do tempo nazi têm uma imponência monumental e não as queremos destruir. Temos de as adaptar, renovar, torná-las nossa propriedade. Há que integrar a nossa história.

Não percebe nenhum choque entre o colonial e a moderna na cidade do Mindelo? 

O choque entre o antigo e o novo não é uma questão típica da cidade do Mindelo, acontece em todo o mundo. São arquitecturas diferentes, digamos que a moderna é em certa maneira um contraste com a antiga. Em S. Vicente parece-me que há uma mistura bem alcançada, há casas com mais imponência na fachada, que se destacam perante outras com menos impacto visual, mas há uma certa harmonia. 

As casas coloniais têm muita qualidade e repassam isso para a cidade, o que é muito positivo. O importante é o uso em contraponto com a história. É um assunto também discutido na Alemanha, quando as casas do tempo nazi têm uma imponência monumental e não as queremos destruir.

MI – A cidade do Mindelo está rodeada de montanhas, acha que há um bom aproveitamento dos montes ou uma poluição visual?

MH – Normalmente as casas nos pontos mais privilegiados em termos panorâmicos pertencem aos ricos. Acabam por marcar a distinção social. Vejo que há pessoas que aproveitam essa localização para terem um modo de vida mais tranquilo. Mas há também construções clandestinas que se apoderam dos montes porque não há alternativa. São pessoas que não podem obter um terreno na cidade ou periferia e se instalam nos montes. E acabam também por usufruir de uma paisagem especial. Esta questão exige uma planificação para poder ser resolvida. É preciso definir zonas de construção e de paisagem. Se as coisas acontecem sem controle provocam um desenvolvimento negativo. Mindelo deve ter uma ideia clara do seu desenvolvimento arquitetónico, saber onde pode densificar construções, mas definir o que se pode construir.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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