Por: João Pires
... desde que ela (Imane Khelif) subiu ao ringue nestas olimpíadas de 2024, e venceu de forma categórica uma adversária em apenas 46 segundos de combate, levou a que se dissesse e se escrevesse muita barbaridade sobre o seu género, inclusive que a Associação Internacional de Boxe (IBA) já havia proibido a excelsa atleta de competir, por ser homem.
A pugilista argelina Imane Khelif, 25 anos de idade, sagrou-se campeã olímpica na categoria superleve (–66 Kg) no dia 9 de agosto. Trata-se de um ato extraordinário, digno de aplausos efusivos de todos aqueles que gostam do desporto e, em especial, do pugilismo feminino.
Infelizmente, desde que ela subiu ao ringue nestas olimpíadas de 2024, e venceu de forma categórica uma adversária em apenas 46 segundos de combate, levou que se dissesse e se escrevesse muita barbaridade sobre o seu género, inclusive que a Associação Internacional de Boxe (IBA) já havia proibido a excelsa atleta de competir, por ser homem.
É facto que em testes médicos, de género, a boxeadora acusou elevados níveis de testosterona – hormônio masculino – condição que não determina que esse ser humano é do sexo masculino, mas, sim, de uma alteração genética no sistema endócrino designada por Síndrome de Morris, como acontece com a diabetes, o hipotiroidismo, o hipertiroidismo, as doenças de Cushing e Addison ou a acromegalia, ou, por outra, designada por Síndrome dos ovários policísticos, que, não é o caso em apreço.
As disfunções hormonais que causam o aumento da testosterona afetam/afetaram milhares de mulheres e já havia acontecido com outras atletas, nomeadamente com a sul-africana Caster Semenya, as namibianas Beatrice Masilingi e Christine Mbomba, a burundesa Francine Niyonsaba, a queniana Margaret Wambui, entre outras.
Deve ser, ou deveria ser, de conhecimento da maioria que os géneros feminino e masculinos são determinados pelos cromossomas sexuais: XX (mulher) e XY (homem), que geralmente se manifestam entre a 7ª e 10ª semanas de gravidez da gestante/mãe. Porém, como o ser humano não é 100% perfeito, há casos anómalos, notadamente XXX (Síndrome do triplo X), X (Síndrome de Turner), XXY (Síndrome de Klinifelter) e XYY (Síndrome de Jacobs).
Em todo o ser humano, seja mulher ou homem, as glândulas adrenais/suprarrenais e as gónadas (ovários e testículos) segregam hormônios femininos e masculinos, respetivamente progesterona e testosterona, na corrente sanguínea do mesmo indivíduo, mas em proporções muito distintas.
Dados de relatórios publicados na revista científica norte-americana Clinical Endocrinology 2019; 90:15–22 apontam que a faixa normal de testosterona feminina e masculina, em adultos, diferem marcadamente, sendo o limite inferior da faixa masculina aproximadamente quatro a cinco vezes maior que o limite superior da faixa feminina.
Em condições “normais”, termo utilizado no sentido científico ou estatístico, a taxa de produção de testosterona, hormônio masculino, nos homens varia de 300 a 1200 nano gramas por decilitro de sangue e a de progesterona, hormônio feminino, varia de 20 a 90 nano gramas por decilitro de sangue.
Também, em condições normais, a taxa de produção de testosterona, hormônio masculino, nas mulheres varia de 12,09 a 59,46 nano gramas por decilitro de sangue e a de progesterona hormônio feminino, varia de 20 a 90 nano gramas por decilitro de sangue.
Assim, todo o teste de género feito às mulheres e acuse níveis de testosterona acima de 60 nano gramas por decilitro de sangue, independentemente de a pessoa ser portadora de todos os órgãos sexuais femininos e, ser cisgénero – identificar-se com o seu género cromossómico ou género de nascença – o resultado do teste traduzirá a ideia de que é homem.
Imane Khelif é mulher, é cisgénero, contudo sofre de Síndrome dos ovários policísticos? Não, porque os sintomas o contradizem. Sofre do Síndrome de Morris que, por sorte, confere-lhe uma excelente vantagem desportiva.
Professor de Educação Física, Desporto e Recreação