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Será Cabo Verde um Centro de Formação para a CPLP: O discurso dos políticos e a realidade da Educação

Os políticos precisam entender que não podem prometer algo da esfera do ideal e utópico, talvez algo mais para os filósofo e poetas ou revolucionários.

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Por: Cídio Lopes de Almeida

O vice-Primeiro-ministro de Cabo Verde, Olavo Correia, recentemente propôs um projeto ambicioso para transformar Cabo Verde em um centro de formação para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e para várias geografias mundiais. Esta ideia está veiculada em matéria de Luís Miguel Fonseca na Agência de Notícias de Portugal – LUSA. No entanto, este projeto parece estar longe de ser factível, dadas as limitações materiais e legais do país.

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Apesar do heroico trabalho dos professores de Cabo Verde, tanto no território nacional quanto no exterior, a realidade material se mostra muito distante para tal projeto ser posto em curso. Para evidenciar este descompasso, e a título de exemplificação, uma das vias para execução de tal ideia ambiciosa seria o uso dos meios de Educação à Distância – EAD, mas a legislação cabo-verdiana não permite tal modalidade.

Um projeto universitário neste sentido foi submetido em 2022, do qual era parte, e teve o pedido negado pela Agência ARES. A interdição do pedido foi fundamentada no correto argumento de não haver abrigo legal para tal projeto educacional em Cabo Verde. Ademais, sobre a modalidade de educação EAD no contexto cultural da Lusofonia se faz recorrente certa suspeita sobre a sua exequibilidade. Reina uma apreciação negativa sobre projetos educacionais que utilizam as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) aplicas à Educação. Ignora-se o exemplo da UNED em Espanha, e como esta modalidade tornaria mais próxima da realidade a ideia que podemos verificar na referida reportagem em tela.

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A assinatura de um memorando de entendimento com Portugal para investir quatro milhões de euros nos próximos dois anos no setor da formação profissional, com o objetivo de atingir cerca de 2.000 pessoas em áreas como energias renováveis, economia digital, áreas sociais, turismo, metalomecânica, mecatrónica e construção civil, parece ser um passo positivo. Contudo, se considerarmos a chama da matéria, que nos passa a ideia de ser um Centro da CPLP, os valores são insignificantes para tal ambição política. A questão não é sobre se há profissionais de educação cabo-verdianos capacitados, estes abundam por vários países e em Cabo Verde. O tema é se há condições instaladas para abrigar este ecossistema de cientistas professores que se estende a toda a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

A ideia é sedutora de todos nós, como Agostinho da Silva nos anos 50 que, além de apresentar no plano das ideias filosóficas a pertinência de uma Comunidade Lusófona, fundou em Salvador o Centro de Estudos Afro-Oriental – CEAO. E advogava os aspectos cooperativos, avesso ao imperialismo, que deveria perpassar as várias comunidades lusófonas. Ideal que também inspira o Projeto Institucional da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.

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O discurso político muitas vezes parece estar desconectado da realidade, e esse projeto na forma como está noticiado é um exemplo disso. O texto em causa, ao atribuir estas ideias ao político, parecer estar a prometer mundos e fundos, mas não se preocupam em verificar se as condições estão dadas para que esses projetos sejam de fato realizados. O resultado mais efetivo deste descolamento da realidade é que as pessoas ficam desiludidas e acabam perdendo a confiança na política. A chamada da notícia seduz e eriça nossas mais vivas expectativas de trocas culturais entre os universos de produções acadêmicas brasileira e cabo-verdiana.  

É importante que os políticos sejam realistas e cuidadosos com suas comunicações, as matérias jornalísticas são fundamentais para este ajustamento. Um dos fatores da chamada Crise das Democracias (CASTALDO, 2018) pode ser verificado justamente nesta esfera da experiência subjetiva dos cidadãos, que neste caso da matéria parece ser estimulada de modo inadequado.

Os políticos precisam entender que não podem prometer algo da esfera do ideal e utópico, talvez algo mais para os filósofo e poetas ou revolucionários. Porém, se assim o fizerem, deverão ser exemplo vivos do empenho na realização das políticas públicas que fazem da democracia a forma de governança mais equânime nossos ideais de justiça já imaginado e praticado na história humana. Do contrário, o efeito mais factível, como tem sido nas últimas décadas, é colaborarem para acentuarem a crise das democracias. Nosso maior bem civilizatório do qual Cabo Verde é um exemplo proeminente da nossa grande pátria cultural que é a lusofonia.

*Doutorando Ciências das Religiões – Faculdade Unida de Vitória

Bolsista FAPES

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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