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São Vicente não merece – I

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Por: Armindo Gomes

Muito se tem escrito e falado sobre o alegado estado de ingovernabilidade da Câmara Municipal de São Vicente. O Dr. Augusto Neves, indiferente ao arrazoado caos instalado e as pretensões manifestadas e desejo insistentemente confessados de “a queda” dos órgãos do poder autárquico ou da destituição da sua presidência, mantem-se firme e intransigente no seu posto. Demostrando, assim, ser um verdadeiro general em período de “guerra”, convencido de que vai vencer esta batalha, ou então, não seria um militar de carreira, que se tornou o político, que não perde as disputas eleitorais.

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 Seguramente, o “Gust” é o capital mais valioso do MpD em São Vicente para o desespero da oposição, de alguma franja da população e até de sensibilidades no MpD que não aprovam a sua forma de conduzir, e gerir a Câmara Municipal de SV. Aqueles que defendem o estado caótico da governabilidade da CM-SV, alegam que, vivemos nesta ilha numa verdadeira situação de anomia política, e que se for indexada às crises pandémicas, seca severa e reflexos da guerra na Ucrânia, nos dizeres deles, farão de São Vicente, um dos piores lugares do mundo para se estar. Augusto Neves contrapõe-se, dizendo, não obstante as crises e dificuldades existente em SV., na ilha não tem faltado pão à mesa dos sãovicentinos, e que a sua Câmara na condição de empregador local, jamais deixou de honrar os seus compromissos e programas, designadamente, pagar salários aos seus mais 2000 funcionários, e de conjuntamente com o Governo planificar a retoma económica tão desejada por todos.

Sendo certo que, a dialética argumentativa inter partes neste dilema perdeu a classe pois, com acusações recíprocas os protagonistas desse confronto optaram pela Lei do Tailão do “olho por olho dente por dente”. Quando as posições são extremadas entre os atores políticos, prevalece a irracionalidade, e o escrutínio popular fica difícil e prejudicado. O povo não entende, nem aceita, essa guerrilha inspirada na concepção da luta pelo poder idealizada por Maquiavel que, na política para se atingir os fins, pode-se socorrer de quaisquer meios.                                                                                  

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 Vários analistas vieram à praça defender que o problema é político. Pensamos que sim, embora ele tenha essa vertente a gota de água que extravasou o copo, foi de cariz essencialmente jurídica. Com efeito, a reunião ordinária da Câmara Municipal SV, marcada pelo Presidente Augusto Neves no dia 30 de dezembro de 2021, e cuja a falta de comparência dos Vereadores da oposição (UCID + PAICV), originou a falta de quórum, para se reunir em primeira sessão, levou o Presidente da Câmara a optar pela marcação de uma reunião extraordinária para o dia 02 de janeiro, um domingo de manhã.

Tudo feito legalmente e à luz do artigo 47˚ dos Estatutos do Município, aprovado pela Lei n˚134/IV/ de 03 de julho. Contudo, a oposição por ter dois Vereadores ausentes da ilha, o que não lhe conferia maioria absoluta nessa reunião, voltou a faltar deliberadamente a sessão extraordinária, convencidos que, essa falta de comparência não traia consequência nenhuma. Mal andou a oposição pois, a Câmara reuniu com a presença de quatro dos seus membros, como aprova o número 2 do artigo atrás do referido estatuto. Sendo certo que, o estatuto estabelece que, para sessões extraordinárias os órgãos municipais podem reunir-se com a presença de qualquer número dos seus membros, desde que superior a um terço dos membros efetivos.

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Assim sendo, e atendendo que, a Câmara de São Vicente tem 9 (nove) membros, uma sessão extraordinária convocada por falta de quórum na primeira reunião, pode legalmente reunir-se em sessão extraordinária com um qualquer número de membros, desde que superior 1/3 dos nove efetivos, ou seja, com quatro ou mais membros.  Foi o que aconteceu no caso em apreço, pois, na reunião em causa estiveram presentes 4 (quatro) dos nove eleitos, que compõem o elenco camarário: três Vereadores do MpD e o Presidente da Câmara eleito pelo mesmo partido. Os presentes na reunião votaram favorável os pontos da ordem trabalho dessa sessão extraordinária, aprovando-os e deliberando-os por unanimidade, e estas foram publicadas no B.O. N˚40, II série de 15 de Marco de 2022. Clarinho, clarinho, como dizia o outro.

Inicialmente, os membros da Câmara faltosos alegaram que, a reunião foi ilegalmente convocada. Os comentadores afetos à oposição que proliferam nos órgãos de comunicação do país, tentaram vender publicamente a tese da ilegalidade dessa sessão camarária. Essa posição foi corroborada por bloguistas e profetas das desgraças das redes sociais. Esse arranjo não vincou pois, da simples interpretação declarativa dos Estatutos dos Municípios, facilmente se conclui que, tudo foi feito nos parâmetros da lei, como se demostrou atrás. Nesta matéria, seguramente, a razão esta do lado do Augusto Neves.

Inconformados com a derrota política, estranhamente, os vencidos mudaram de rumo, e através de analistas sem formação jurídica anunciaram inconstitucionalidade dos Estatutos dos Municípios e do acto administrativo praticada pela Câmara, como se a Constituição da República fosse algo trivial e simplório para se interpretar. Aceita-se-lhes a ignorância evidenciada. Já não é aceitável que, juristas de formação se pronunciem sobre interpretações jurídicas sem o mínimo de rigor técnico e científico, convencidos que uma narrativa mal formulada, mesma que errónea, repetida várias vezes pode transformar-se em verdade científica. Salvo o devido respeito, o acto realizado pela Câmara foi legal e politicamente correto, como se disse atrás, e nem choca com a Constituição da República, como se demonstrará mais adiante, na segunda parte deste artigo.

Face a insustentabilidade da tese da ilegalidade do acto administrativo praticado pela Camara, a oposição socorrer-se de uma alegada inconstitucionalidade sucessiva do Estatuto dos Municípios para continuar uma guerrinha improcedente e inconsequente, e que tem deixado São Vicente muito mal. Como ensina o PROFESSOR Jorge Miranda e passo a citar “… o alargamento da intervenção do poder político na vida económica, política, social e cultural e as mutações sofridas pela lei tem levado alguma indefinição acerca das matérias que devem receber a qualidade de constitucionais e daqueloutras que devem ter-se por administrativa (1). Fim da citação.    

Estamos em crer que, o procedimento efetuado pela Câmara não deixa de ser um acto administrativo. Assim sendo, quem o considerar presumivelmente ilegal, deve “ataca-lo” junto do Tribunal Administrativo. Destarte, a oposição tenta legitimar a tentativa abusiva de assalto ao poder camarário, transformando atos administrativos – que alegadamente dizem ser ilegais – em inconstitucionalidades, criando assim certos equívocos que embora altamente veiculados pela oposição neste confronto não colam, e não têm base jurídica.  _____________

  • Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional- Tomo I, 7 ª Edição, págs. 19.           
  • Tome nota: São Vicente Não Merece parte II será publicada logo a seguir.           

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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