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Religião, Democracia e as Redes Sociais: O ver a si na Lusofonia

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Por: Cídio Lopes de Almeida*

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Sobre as tecnologias e as redes sociais, ou mesmo as chamadas Grandes Empresas de Tecnologias (Big Tec), nossa compreensão depende de trabalhos jornalísticos e de outros especialistas. Resta-nos uma suspeita geral sobre as intenções destas e como elas condicionam nosso olhar da vida cotidiana. Sobretudo nas próximas eleições democráticas a ocorrerem aqui no Brasil e em Cabo Verde neste ano de 2024.

Ecoa uma autopercepção negativa de si no contexto cultural da Lusofonia. Essa postura em dizer sobre si tem alguns esforços de teorização. Para José Hermano Saraiva, a identidade portuguesa é “uma identidade assente em séculos de história, e não num passado recente de guerras ou revoluções”. As afirmações de Saraiva foram feitas em uma entrevista ao jornal português “Público”, em 2010. Na mesma entrevista, o historiador disse que a identidade portuguesa “é uma identidade aberta, que acolhe a diversidade”.

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Apesar dos limites dessa ideia, recebida com críticas por alguns setores da sociedade portuguesa à época, não se pode furtar que Portugal, como país e nação, tem uma estabilidade longeva e que é bem distinta de outras nações mais recentes. Ademais, a formação de Portugal em relação à cultura mourisca também não é um fato em segundo plano, pelo que também encontra eco na ideia do historiador sobre a diversidade cultural.

Este preâmbulo se faz não para discorrer sobre Darcy Ribeiro e a sua ideia de harmonia dos povos, mas para propor a reflexão de que este modo de ver a si se coloca em outro debate importante. Não ver a si de modo positivo, sobretudo na esteira de uma cultura baseada na colonização e no extrativismo escravagista, pode-se chegar em nossos dias sendo presa fácil, novamente, dos interesses capitalistas em geral. Sobretudo a partir do Brasil, essa autopercepção negativa, principalmente cultivada pelas classes médias que “amam pensar que lá fora é melhor do que aqui”, gera uma cegueira para o lugar estratégico do Brasil a que podemos estender, sem prejuízo, para a Comunidade Lusófona do Atlântico.

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Não ver a si, mesmo sendo transpassados por contradições sociais pelas quais somos em efetivo responsáveis por elas, acaba por nos deixar sem compreender por que as grandes (big) empresas de tecnologias (tec) (Facebook-Meta e Google) “injetam” fundos milionários no jornalismo brasileiro, fazendo destas paragens o segundo maior volume mundial, apenas atrás dos U.S.A., sede das empresas. Em reportagem de Tatiana Dias, (The Intercept Brasil, 2024), que recorre ao trabalho científico de Charis Papaevangelou sobre o tema, temos os detalhes desse caminho indecente e perigoso para os processos legítimos da democracia.

Sobre as tecnologias e as redes sociais ou mesmos as chamadas Grandes Empresas de Tecnologias (Big Tec), nossa compreensão depende de trabalhos jornalísticos e de outros especialistas. Resta-nos uma suspeita geral sobre as intenções destas e como elas condicionam nosso olhar da vida cotidiana. Sobretudo nas próximas eleições democráticas a ocorrerem aqui no Brasil e em Cabo Verde neste ano de 2024. Como cientista, deve-se ter um cuidado para não se jogar nas maquinações conspiracionistas. Contudo, dois temas do nosso interesse têm se mostrado misturados a esta realidade comunicativa das redes sociais: Religião e Democracia. No Brasil, ele se mostra em estado de ebulição, e nas próximas eleições municipais rondam-nos uma suspeita de que o clima será ainda mais exacerbado este ano

A democracia e a religião têm-se integrado nas redes sociais eletrônicas de modo como nunca visto até então. Se no passado histórico o habitual era as próprias religiões deterem os meios de comunicação e os mesmos serem produzidos como parte integrante das Instituições religiosas, neste momento as Big Tec têm os seus projetos apartados destas duas outras esferas da vida social. E a reboque destas duas, temos a democracia.

No caso da reportagem de Tatiana Dias, que parte dos dados objetivos que foram o volume de dinheiro “investido” em certas empresas de jornalismo, a tese jornalística é explicitar a intenção das Big Tec em intervir e impedir a regulação das redes sociais, aqui no Brasil denominado de PL das Fake News. (PL 2630). Ponto que nos leva a se perguntar até que ponto este modelo também não foi aplicado noutros setores. A chamada interferência na vida social de um País, um jogo por vezes nomeado de engenharia social, tem mais dois outros casos. Na mídia Estatal Russa, Sputink News, temos notícias sobre o Facebook e aquela história da Cambridge Analytica, uma empresa de assessoria política sediada no Reino Unido, que foi flagrada em casos de interferências nas eleições nos U.S.A. Portanto, interferindo nos processos da democracia. Pelo que nos leva ao caso mais recente no Brasil da ONG Transparência Internacional e sua associação ilegal com a chamada “ Operação Lava Jato”, que fizeram profundas interferências nos processos democráticos do Brasil recente.

E neste meio podemos ainda verificar o discurso religioso intencionado em agir na esfera pública da vida social, tomando parte na gestão da vida social a partir do olhar do seu credo religioso. Lideranças das mais variados confissões, ainda que no Brasil em particular o destaque tenha sido os “Evangélicos”, fazem uma hibridização entre o religioso e o político, apelando para o que um querido professor nomeou como “saudade teológica”, isto é, foi eriçado nestas comunidades religiosas uma fantasia de um governo religioso, fundada no credo professado. Algo como uma teocracia, ainda que os adeptos fervorosos não tenham pensado nisto, apenas foram ativos compartilhadores destas ideias pelas redes sociais mediadas por meios eletrônicos. Pelo que podemos também perceber um agenciamento da narrativa religiosa para os fins da política vinculada ao Estado e que resultou em fim último atender os interesses do capital/empresas.

O grande maestro a tirar vantagens nos parece ser as abastadas Big Tec. Os atores vitimados, além de todos nós defensores da democracia, têm sido a própria democracia e os fenômenos religiosos como dimensão fundamental da condição humana. Comunidades religiosas inteiras têm sido arrastadas para certas modulações narrativas contrárias aos seus valores fundamentais. À primeira vista soa difícil pensar a contradição da narrativa do ódio em comunidades cristãs, fundadas sob a égide do tema e da prática do amor. Contudo, a manipulação da intencionalidade política, operacionaliza pelos meios das redes sociais eletrônicas, permitiu e amplificou a explosão da intolerância política-religiosa no Brasil.

Estas são questões mais evidentes sobre uma autopercepção de si em baixa conta, e que têm afetado os processos democráticos entre nós da Lusofonia, mas como também um fenômeno global de crise das democracias. De certo modo, estes processos de manipulação possíveis de serem feitos pelas redes sociais eletrônicas atuaram em pontos fracos de cada cultura. Creio que na Lusofonia o ponto explorado tem sido se aproveitar desta não percepção de si de maneira positiva e até certa medida naquilo que se tem debatido sobre colonização cultural, em especial das culturas anglófonas.

O problema desta exploração não o nosso ponto fraco, mas o fato de que os interesses irão utilizar algum ponto. Sento até mesmo uma percepção egocêntrica e distorcida de si em sentido de inflar a si para além da conta outra forma de manipulação. O debate mais relevante do nosso interesse é que para os processos democráticos serem efetivos, serem verdadeiro sistema de representação dos cidadãos, devemos olhar com suspeitas as narrativas excessivamente positivas e ingênuas sobre as famigeradas redes sociais mediadas pelos meios eletrônicos. Os meios que agenciam as redes sociais pertencem a empresas com atuação global, com faturamentos na casa dos bilhões de dólares norte-americanos. Do outro lado, estaremos todos nós a utilizar estes meios no contexto das eleições autárquicas em Cabo Verde e as municipais no Brasil.

 Neste cenário é que tenho me indagado qual será o papel de nós educadores e comunicadores. Conseguiremos nós estabelecer como a nossa pauta profissional a defesa da democracia? O que poderá se passar como falsa pauta? Quando distinguir uma pauta de defesa da democracia como verdadeira ou falsa? Seremos capazes de desmascarar as falsas discursividades que às vezes se mostram como defensoras da democracia, como ONG Transparência Internacional se colocou a fazer aqui no Brasil?

Devemos retomar nossas redes sociais anteriores, que hoje se utilizam das redes sociais para se comunicar, para um diálogo franco e orgânico sobre a democracia. Fazer surgir em todas as latitudes circuitos de diálogos críticos. Os colegas professores e professoras neste sentido somos fundamentais, pois somos a maior classe trabalhadores e trabalhadoras espalhados não só pela Lusofonia, mas por várias outras paragens do globo terrestre.

Sem aqui recair no lugar comum da ideia internacionalista do proletariado, como professores e professoras atuamos na construção da percepção de si e na formação para a cidadania. No âmbito da Lusofonia temos ainda outros fatores que nos permitem dialogar a partir desta comunidade cultural. Trabalho que também pode ser partilhado pelas manifestações religiosas e suas lideranças orgânicas às comunidades locais. Ambos os setores poderão ser a base deste processo de formação dos regimes democráticos. O professor, a professora, o(a) líder religioso(a), não somos “influencers”: caminhamos juntos e juntas aos indivíduos de uma comunidade concreta, pela qual cuidamos, na qual o “face-a-face” nos leva a ser ela também, o que implica no cuidado ético, oposto ao anonimato e distância do outro que tem sido a tônica das redes sociais virtuais.

A Lusofonia não é uma pátria no sentido em que se articulam os Estados de Direito e os seus nacionais; é um campo multicultural que partilha narrativas, boas e ruins, mas que partilham histórias e histórias poderão ser construídas. Em termos de democracia e percepção de si, não será perder tempo ter a nós mesmos mais em conta. Para evitar sermos vítimas não dos outros, mas de nós mesmos, que não nos vemos adequadamente. Sem vermos a nós, não vemos nossa diversidade e como ela é nossa força. E como somos estratégicos para o mundo de hoje. E como educadores e educadoras, que também são as lideranças religiosas, são o fundamento deste ver si em justa medida.

*Doutorando em Ciências das Religiões – Faculdade Unida de Vitória

Bolsista FAPES

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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