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Privatizar sem leme: O caso da TAP e o alerta para Cabo Verde

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Américo Medina*

A recente proposta de reprivatização da TAP, tal como foi apresentada pelo Governo português, deveria ser lida em Cabo Verde não como modelo a seguir, mas como lição a estudar com atenção crítica, minha opinião!

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Com base num acordo parassocial, o Estado português pretende manter poder de decisão sobre aspetos fundamentais da gestão da companhia, nomeadamente a localização do hub, a definição de rotas estratégicas e até a manutenção da sede, isso tudo mesmo após a venda da maioria do capital. Embora tal mecanismo procure proteger interesses considerados “nacionais”, os riscos desse modelo híbrido são evidentes para quem conhece as exigências do setor aeronáutico.

O problema não está em querer garantir conectividade nacional… – O problema está na forma como isso é feito, a saber: com controlo político sem responsabilidade operacional ou financeira, soa-nos a uma armadilha que deve ser evitada, sobretudo por países como Cabo Verde, onde os recursos são escassos e os erros estratégicos têm consequências de grande impacto e alcance temporal.

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TAP: Um modelo de privatização sem transferência real de poder

No setor da aviação, privatizar significa, antes de tudo, transferir risco, capital e capacidade de decisão. Ora, o modelo português compromete esse princípio ao manter o Estado como co-gestor estratégico, gerando incerteza jurídica e eventualmente afastando potenciais investidores/players da “Premier League”!

A experiência internacional “enaltece” na indústria os exemplos da Lufthansa, Swiss International, Aegean Airlines, onde todas evoluíram com liberdade de gestão, sujeitas a regras claras, não a vetos informais. Quando o Estado quer manter rotas ou serviços que o mercado não sustenta, o mecanismo adequado é a contratação de Obrigações de Serviço Público (OSP), não o bloqueio à estratégia empresarial de quem arrisca capital.

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O hub e as rotas: não se definem por Decreto

Um hub nasce de critérios objetivos:

                •             Eficiência operacional e capacidade aeroportuária;

                •             Conectividade regional e intercontinental;

                •             Infraestrutura de apoio e atratividade para companhias parceiras;

                •             Previsibilidade regulatória e fiscal, dentre outros aspectos cruciais!

Quando o hub é-nos imposto politicamente – e não sustentado pelo tráfego, pelo mercado e pelas redes – torna-se um elefante branco ou não passar de uma bonita apresentação em Power Point! O mesmo vale para rotas “estratégicas”: se não são viáveis comercialmente, devem ser compensadas por mecanismos transparentes, mas nunca impostas como obrigações implícitas e unilateralmente definidas.

O alerta para Cabo Verde: A tentação de copiar o modelo TAP

Em Cabo Verde, a TACV continua a consumir recursos públicos, sem um plano sustentável de médio prazo, sem contas auditadas publicamente e sem uma estratégia clara de viabilidade operacional.

A tentação de seguir o modelo português — mantendo o Estado como árbitro político de decisões comerciais — é real e perigosa, vejam as nossas experiências recentes! Há uma cultura institucional de replicar sem adaptação tudo o que vem do “Cais do Sodré” (ou será São Bento) sobretudo em setores como o da aviação, telecomunicações e regulação económica. Mas Cabo Verde não tem margem para mais erros, nem para modelos de “privatização com cinto de segurança estatal”. Se queremos de facto uma TACV viável, a reestruturação deve preceder qualquer privatização; a futura privatização deve ser limpa, clara e com regras de mercado; o Estado deve atuar como regulador e cliente (via OSP), não como sócio informal com poder de veto.

Lição estratégica: Privatização séria, não simulada

A privatização, quando bem feita, liberta o Estado para investir onde é mais necessário (educação, saúde, regulação) e entrega ao mercado a tarefa de competir, inovar e gerir com eficiência… – O Estafo regula e faz supervisão via as agências competentes!

Mas, quando mal concebida, a privatização falha no essencial: transfere o risco para o contribuinte e a decisão para o político, produzindo empresas tuteladas, disfuncionais e incapazes de se sustentar, como a própria TAP tem demonstrado desde a nacionalização de emergência e as nossas experiências recentes  no país atestam!

Não repetir o erro

Portugal pode arcar com uma má privatização da TAP, ainda que a fatura seja pesada. .. – Cabo Verde não pode!

Num país arquipelágico, com um mercado pequeno, dependente da aviação para a coesão territorial e a ligação à diáspora e ao turismo, a única forma responsável de gerir uma companhia aérea nacional é com profissionalismo, transparência e regras claras!

Privatizar é entregar o leme de facto! Quem vende, mas insiste em comandar o rumo, mais cedo ou mais tarde leva o navio a pique, com o erário público a servir de boia… – Não estará esse nosso fato suficientemente escaldado ainda ? Vejam lá de que cobra virá a próxima seringa de banha!

*Consultor em Aerospace

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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