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Para ti, amigo meu !

O jovem em relação ao mundo da droga

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Quando se fala de droga não posso deixar de pensar em meu amigo de juventude, inteligente e humilde que, ainda muito jovem, começou a fumar. Um dia, com cerca de 20 anos, estando completamente drogado atravessou uma estrada , sem dar conta que passava um camião e ficou atropelado. Tornou-se deficiente e, desde então, nem lembra o seu nome.

Lembro também de um outro amigo, colega de turma na primária. Era tímido, sempre silencioso. A sua família tinha vindo do sul Itália a procura de trabalho. Ele deixou cedo a escola e meteu-se na compra de óculos Rayban roubados que, naquele tempo, eram uma novidade e muitos procurados. Mais tarde tornou-se consumidor de heroína. Aos 25 anos eu entrava nos capuchinhos e ele morria de Sida, contraída através uma seringa infecta.

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Hoje quero lembrar também da morte de um jovem da Ribeira Bote. Tinha sido avisado que os jovens de uma gangs adversária vinham procura-lo, mas ele estava drogado, não percebeu o perigo e não correu. Quando chegaram, eles também bebidos e drogados, bateram nele com pedras e catanas. Ele esta sepultado; os outros estão na cadeia.Estas são algumas das consequências do uso da droga.

O que é a droga? Do holandês droog, o termo droga quer dizer seco, árido; isso porque a droga,
normalmente, vem duma planta exsicada. Essas plantas são conhecidas desde sempre e utilizadas como especiarias na cozinha e também de diferentes formas na medicina.

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Num livro de mais de 2000 anos sobre plantas, o autor, um tal Teofrasto, fala da papoula (da qual vem a heroína) e diz: com 1 palmo ficamos alegres, com dois começamos a ver duplo, com três com fortes desorientações de cabeça, com 4 vamos morrer. A natureza não nos oferece nada de mau. A planta da papoula, da coca, da cannabis não são, por si só, mortais.

Antigamente com a cannabis se fazia cordas, óleo e papel. A cannabis era uma indústria que dava trabalho a muita gente. Da papoula hoje se faz a morfina utilizada nos hospitais como forte calmante da dor. Nem o veneno dum cobra é mau porque constitui a sua forma de defesa e ao homem é útil para fazer o antídoto.

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Também para o álcool vale o critério da capacidade de gerência. Se durante uma refeição bebo um copo de vinho estou bem, mas se exagero e bebo umas ou duas garrafa posso cair em coma etílico e encontrar-me à beira da morte. Também tenho de saber que antes dos 18 anos e depois dos 50 tenho o corpo humano tem menos enzimas e tem de beber menos. A mulher tem de saber que tem menos enzimas do que homem e, portanto, tem de saber regular-se de maneira diferente. Todos tem de saber que o fígado não consegue digerir o álcool e bebendo grandes quantias arriscamos o câncer do fígado.

Mas não basta saber. O conhecido cantor Ildo Lobo era perfeitamente consciente dos seus malefísios. Cantava “nha garganta ta matam” e continuou a beber até a morte. Era estúpido ? Não. Era dependente! O que é a dependência ? Há vários tipos de dependência. Existe a dependência psicológica, como por exemplo a dependência do móvel, do net e do jogo de dinheiro.

Existe a dependência afectiva, que pode levar um alguém ao suicídio ou ao homicídio. Existe a dependência da pornografia e do sexo. Há substâncias que utilizamos todos os dias que criam dependência alimentar como por exemplo o açúcar e o café; também há remédios que criam dependência, como por exemplo, os que ajudam a dormir.

Todas as dependências diminuem a liberdade da pessoa; com a dependência a pessoa volta a viver uma forma de escravatura. Na escravatura, qualquer pessoa, consciente ou menos consciente, sofre! As piores dependências são causadas pelo fumo, o álcool e as drogas. A dependência dada por estas substâncias torna-se perigosa porque interessa directamente o cérebro. O cérebro é o órgão mais complexo e importante do nosso corpo. Tudo provem de comandos que o cérebro acciona: palavra, vista, ouvido, etc.

O cérebro funciona com milhões de células, muito pequenas, chamadas neurónios. Estas células trocam continuamente informações (mesmo durante o sono), accionando todos os movimentos, sentimentos, pensamentos da nossa pessoa. Essa troca funciona com uns transmissores de diferentes espécie chamados neurotransmissores.

Quando comemos uma fatia de bolo ou fazemos um trabalho com satisfação sentimos prazer porque o cérebro produz o neurotransmissor da dopamina que identifica o prazer para ser memorizado como algo de bom que o corpo recebeu. As drogas interferem nesse equilíbrio criando falsos prazeres. No caso da cocaína, o seu principio activo, entrando no cérebro através do sangue, produz uma falsa
dopamina criando assim uma alegria artificial na pessoa. Esta alegria artificial e pode durar máximo uma hora e meia. Ao seguir esta falsa alegria a pessoa prova tristeza e depressão e, a memória do cérebro, pede novamente a introdução de cocaína para recuperar alegria.

Nessa continua alternância de falsa alegria e falsa tristeza, que requer continuamente a introdução de mais cocaína, a pessoa é levada à dependência. Para algumas, é este um processo de poucas semanas. Quando não tiver cocaína a pessoa entra em crise de abstinência provando ânsia, depressão, cansaço, pensamentos suicidas, vómito, náusea e, em certos casos, pode ter a sensação horrível de insectos que caminham em todo o seu corpo. Um forte consumo de cocaína arrisca a overdose que gera convulsões, ictos e enfarto.

Com o cigarro acontece uma coisa semelhante. A nicotina contida no cigarro é um veneno. A nicotina, sendo fumo, entra junto com o oxigene nos pulmões e passa no sangue que vai ao cérebro. A estrutura química da nicotina é semelhante á dopamina levando da mesma forma a pessoa à dependência. Pode ser interessante saber que a nicotina é um veneno utilizado nos pesticidas da agricultura e parece um dos responsáveis da morria das abelhas.

Com a marijuana fala-se do principio activo do THC o qual, como a nicotina e a cocaína, chega ao cérebro através do sangue. O THC é semelhante a um dos neurotransmissores que interessam os movimentos, a memória recente, o equilíbrio notório e a regulamentação do apetite. A marijuana pode dar relaxe, as vezes criar alegria mas também pode gerar pânico, paranóia e, em quem tem predisposição, gerar doenças psíquicas. Nos adolescentes pode também diminuir a capacidade do intelecto de 8 pontos.

O álcool tem o principio activo chamado etanol. O etanol através do intestino chega ao fígado e através do sangue ao cérebro. O fígado não pode gerir o etanol mas o transforma com os enzimas. Um primeiro enzima transforma o etanol em acetaldeído que é tóxico e cancerígeno mas para ele entra em acção um outro enzima. Dessa forma o álcool é tratado mas se introduzimos uma alta quantidade no corpo esses
transformações não acontecem e no corpo circulam o etanol e o acetaldeído de forma livre provocando com o tempo o câncer do fígado. No cérebro o álcool provoca também alterações no neurotransmissor da dopamina.

A dependência é portanto causada por um comando do nosso cérebro que pede de
introduzir no nosso corpo, um veneno, que se confunde como bem. È um engano,
como tantos outros que aparecem na vida, para os quais temos de reagir!
Vídeo: “ https://youtu.be/k9CI5cm35nY; https://fb.watch/hHafcZzU4M/?mibextid=2Rb1fB

Quem são os consumidores ? Se nos perguntamos quem são os consumidores encontramos gente de todas as classes sociais e idades mas sem duvida os maiores consumidores são os jovens e
adolescentes. O jovem, por ser jovem, não tem experiência, tendo toda a vida em frente vive anseios
e entusiasmos, pode deixar-se levar pela curiosidade, necessita de protagonismo e cultiva ideais as vezes muito altos que podem gerar desilusões. Tudo isso é característico da juventude e não é um defeito. Mas dessas características ou fragilidades do período juvenil, há quem aproveita.

Os comerciantes de morte

A droga existe desde sempre mas, pelo menos no ocidente, era vício de pequenos grupos de ricos. Nos anos 60, na América, os estudos tornam-se mais baratos e as universidades começam a ser frequentados para um número maior jovens. Os jovens começam a ter mais conhecimentos e começam a dar ouvir a sua voz na sociedade e a sentir-se protagonista do desenvolvimento do seu próprio país.

A América, na altura, entrava numa guerra absurda com o Vietnam e vivia, como hoje, profundos problemas raciais. Os jovens entram em luta para uma sociedade melhor e começam a juntar-se para partilhar ideias e criar consenso. Mas, uma das formas de estar juntos, são os festivais de música. Famoso foi o festival de Woodstock de Agosto de 1969, com 400 mil participantes.

Foi observando esta nova situação que os espertos do momento, para o interesse do próprio bolso, aumentam fortemente a produção de droga, baixam os custos e levam o produto aos festivais da juventude. É lá que o cannabis inicia a sua difusão. Hoje os Estados Unidos produzem mais cannabis do que trigo e milho. Havia também uma droga (LSD) que levava rapidamente a ter alucinações e a propagandeavam como “Droga Paraíso”. Mas, o paraíso era o hospital psiquiátrico.

Há quem diga que esta operação enganosa não foi simplesmente para interesses comerciais, mas houve um acordo entre traficantes e os governos de então que estavam com medo da voz da juventude e queriam travar a queixa que eles faziam. De facto assim chamada “revolução juvenil dos anos 70” que interessou a América e alargou-se à Europa fracassou. Na Itália, a imagem utilizada para reconhecer o alastrar-se do fenómeno da droga, era o desaparecimento dos jovens das bancadas dos estádios de futebol.

Não é o único exemplo da história. No meio da revolução industrial de 1800, 50% da juventude da Europa morreu a causa do consumo exagerado de álcool. Os jovens dos campos aventuravam para o trabalho na cidade caiam de baixo da propaganda dos comerciantes de álcool que promulgavam a “fusca até cair no chão”, como a promotora da saúde.

A história é uma sucessão de enganos dos mais fortes para os mais fracos, que muitas vezes são os jovens. Nestes dias, vemos dezenas de milhares de jovens que vão à guerra para morrer em serviço mas, na verdade, morrem por satisfazer os desejos de expansão territorial dos seus governantes.

Comerciantes e criminais

Hoje, não somente comerciantes e políticos desfrutam das vantagens da venda de drogas. À volta da droga, que envolve grandes quantias de dinheiro, existem as maiores organizações criminais do mundo.
O jovem tem de conscientizar-se que consumindo droga esta contribuindo para o financiamento da criminalidade. Hoje ele é vitima do engano da droga; amanha poderá ser vitima da violência brutal dum criminoso para o qual ele, com o seu consumo, contribui-o para este obter poder e armamentos.

Calcula-se que o mercado da droga movimenta um trilhão de dólar por ano; numero que ultrapassa mais de mil vezes o orçamento anual de Cabo Verde.

Qual a saída do uso das drogas: abraçar a vida com toda a força

O nosso cérebro é ainda uma maquina rica de mistério superior aos robot de inteligência artificial. Nos últimos anos os estudos dizem que as células do cérebro são capazes de auto-regeneração. Conheço muitos jovens que conseguem ter uma vida normal mesmo depois de muitos anos de consumo do veneno da droga. Ultimamente frequento um grupo de jovens, pelos quais a reunião semanal pertence
ao próprio percurso de recuperação. Na maioria são jovens que estiveram na Granja da Praia.

Acho que podemos sintetizar em três termos o percurso de recuperação deles:

1º) Guerreiros

Muitas vezes, nas mensagens do facebook para dirigir-se aos elementos do grupo, é utilizada a palavra guerreiro. As mensagens são exortações a não pensar no dia seguinte mas a concentrar-se simplesmente no propósito que neste dia de hoje, não me deixarei levar ao consumo. No dia seguinte se repete a mesma luta e passam assim os anos recuperando saúde físico psíquica. A vida assume assim o carácter de luta sem fim. Neles vejo um grande sofrimento mas ao mesmo tempo vejo uma grande lição de vida da qual o nosso tempo precisa.

2º) Partilha

A partilha é uma fonte de novas forças na qual cada um deles se alimenta para continuar a luta da vida. A partilha cria irmandade e junta-nos um ao outro. Nesta união fraterna, caminhamos juntos e o passo de cada um é sustentado pelo passo de todos os outros. È muito importante ter um grupo com o qual partilhar para recuperar força de vontade e manter o próprio horizonte de vida.

3º) Deus

Nessa situação de fragilidade e sofrimento Deus volta a ocupar um lugar. Oiço sempre os jovens invocar o apoio de Deus. Cada encontro acaba com uma oração. Posso dizer que a presença de Deus é manifesta. Não sei qual Deus, mas é um Deus próximo, amigo, companheiro. È um Deus amor; é o Deus que origina vida e conhece o seu mistério. E, mais, conhece o mistério de cada um de nós.

Digo que nestas três palavras são contidas as dinâmicas necessárias para sair da droga mas, ao mesmo tempo, essas mesmas dinâmicas, são necessárias para qualquer queira construir a sua vida!

Mensagem do grupo

Da experiência desse grupo tiramos uma mensagem: “caros jovens se quereis construir a vossa vida tereis de sair da nuvem do fumo, olhar para a vida na clareza da sua realidade e lutar com todas as forças que o vosso interior dispõe e que são mais de quantos vocês já experimentaram. Procurai fazer o bem para si e para os outros, encontrareis irmãos no caminho, descobríreis que o amor existe e que Deus vos acompanha desde o nascimento. Se não alcançareis as metas queridas não espantais, porque descobrireis que a vossa irmandade e a vossa luta pelo bem, são a verdadeira meta da vida.“

Os jovens escrevem história

Os governos tem razão a ter medo da juventude. São os jovens os que têm as forças de lutar para obter as mudanças necessárias à história da humanidade. Em 1975, em Cabo-verde, foram jovens a lutar pela independência e, nos anos 90, foram outros a lutar pela democracia. Neste momento as jovens mulheres do Irão são baleadas pelos Ayatollhas porque vistas como capazes da derramar a ditadura.

Jovens cabo-verdianos abandonamos o fumo e entramos na luta! A luta é diferente da guerra. A luta para o bem utiliza a arma do amor que mesmo com a morte continua a disparar amor e mesmo para quem causou a sua morte ! Esta é a única luta que tem vitória certa ! É por amor que saíste da escravidão da droga. É com amor que podeis e podemos construir a vida ! É necessário escrever esta história !


Mindelo 05.12.2023 frei Silvino

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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