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O ILS CATIIIC do AICE, a BestFly e o “Canguru” Australiano

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Por: Américo Medina

Again and again, sorry (!): transportes aéreos não rimam com demagogices, manipulação, parlapatices do tipo daquelas que ouvimos ontem na AR! Nem os problemas de transportes aéreos que nos afligem se esgotam, se resumem à moribunda TACV!

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O episódio envolvendo uma aeronave da TAP com destino a São Vicente, dia 12.04, e que foi obrigada a derivar para o Sal devido a bruma-seca veio confirmar aquilo que muitos vinham alertando:

Primeiro, que as declarações do Sr. UCS&Gôy Gonçalves sobre os tais apetrechos colocados no Aeroporto Internacional “Césaria Évora”, visando a erradicação definitiva de cancelamentos de voos devido a bruma-seca, não passavam de uma fusão entre uma grosseira mentira e uma monumental confusão entre desenhar procedimentos e implantar instrumentos, quando a 30 de Junho de 2017 anunciaram conjuntamente ao país a boa nova.

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Eu, daquilo que tinha aprendido nas minhas formações, depreendi que só podia ser um ILS CATIIIC que nem Portugal possuía, e que até ontem um Ilustre Deputado pensava que, no mundo, só existia na Austrália. Entretanto, bom que se lhe diga que a pura farolice anunciada na altura contou com a omissão conveniente e cumplicidade “étnica” de muitos técnicos reputados do sector, eles lá saberão porquê;

Segunda asserção, que o nosso sistema interno de transportes aéreos não é suficientemente fiável, organizado, reputado e seguro para fazer o escoamento de passageiros desde um aeroporto alternante interno (Sal) para o aeroporto de destino inicial (SV).

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A TAP, acredito que, na base de uma análise de risco, de uma avaliação das vantagens e desvantagens muito bem ponderada (risco comercial, financeiro, safety, reputação, imagem) não fez recurso à operadora doméstica, não se entregou nas mãos da BestFly, preferiu reabastecer e regressar com os passageiros a bordo para a Portugal, surreal!!

Muitos a bordo não terão compreendido, pensando até que se tratava de um sequestro segundo relato de familiares com quem falamos. Mas é evidente que, qualquer decisor na posição dos gestores da TAP, companhia aérea europeia, com aquele mix de passageiros de várias nacionalidades a bordo, sabendo dos constrangimentos que imperam nos nossos transportes aéreos internos (falta de capacidade, ratio de avarias elevado, ineficiência, imprevisibilidade) procuraria poupar, e bem, esses infortunados clientes a uma via sacra de consequências imprevisíveis, a uma experiência com todos os ingredientes a montante para se transformar numa aflição maior, num tormento.

Daí, na minha opinião, terem esses desfortunados passageiros feito um toque no chão sagrado da terrinha e regressado logo de seguida à procedência.

Essa ocorrência deve ser tratada principalmente desse prisma, que reflitamos sobre isso tudo com a seriedade e honestidade que a gravidade da situação exige. É que os brados e olés dos nabos na bancada, bem como as demagogices e populismo dos políticos vão acabar por nos entalar.

Isso merece uma análise dos stakeholders do sector, de toda a sociedade, de todos os utentes, operadores económicos e suas associações de classe. Uma ocorrência aparentemente trivial, mas que não é relevante na sua essência e no que encerra, acredito que por detrás razões que desassossegam!

As retóricas ilusórias do tipo que há cancelamentos na Europa e USA mais não são de que argumentos pueris, de fenómenos descontextualizados, intencionalmente castrados e que não resistem a um debate sério entre técnicos à volta de uma mesa, pura paparrotada :

1. É falso que havia visibilidade “0” em SV, a mesma, no momento da decisão do piloto no comando, era de mais 2.000m e menos de 3.000m o que estaria abaixo dos mínimos de uma aproximação de não-precisão, publicados nas cartas aeronáuticas… – em nome da verdade;

2. É falso que a visibilidade, por si só, esteja na base de uma centena e meia de cancelamentos em Portugal (em que aeroportos/categoria, com que aeronaves/aviónica, qual o perfil dos pilotos que estavam no comando?). O tipo de fenómeno atmosférico que atrasa e cancela voos é chamado na indústria de “inclemente weather”, que consiste numa combinação de fenómenos atmosféricos conjugados ou não, como ventos muito fortes, tempestades de neve, wind shear, formação de gelo, neblina, chuva forte – também em nome da verdade e do rigor com que esssas coisas devem ser tratadas;

3. Os problemas puramente de visibilidade são em termos estatísticos os que menos impactam nos cancelamentos e atrasos na Europa e USA estando muito bem identificados as maiores causas. Tomando o exemplo do Ilustre Deputado, de 160 casos em Portugal sem indicar referências temporais (15 aeroportos) isso corresponde a 0,06% dos movimentos das aeronaves nos céus do “Império”, num total de mais de 400.000 movimentos pré-pandemia e cerca de 300.000 pós-pandemia;

4. Muitas companhias que cancelam voos num dado aeroporto alegando visibilidade, na realidade o problema não é a visibilidade em si e apenas, como sabe o Ilustre Deputado. O problema está no piloto que não está habilitado para utilizar o ILS CAT IIIA, CAT IIIB, ou CAT IIIC! É o que acontece com os nossos pilotos quando vão para Lisboa e por vezes são obrigados a irem para Faro pois não estão certificados para operarem em Lisboa (CATII) abaixo de determinados mínimos, mas outras companhias aterram porque o aeroporto não é fechado, fica operacional para determinados pilotos certificados e aeronaves equipadas para o efeito. Lembra-se o Ilustre Deputado que em determinadas circunstâncias os Comandantes da SAA aterravam no Sal e os nossos não sob as mesmas condições de visibilidade, recorda-se porquê? Seria intelectualmente honesto imputar toda essa responsabilidade de não aterrar à visibilidade? Como assim, se outras companhias aterravam?

5. Também é falso quando o Ilustre deputado afirma que em nenhuma parte do mundo não se opera com visibilidade “0”. Caro Deputado (você sabe!), devia saber que o ILS CAT IIIC não tem limites quanto ao “Decision High” e Runway Visual Range (RVR): ambos 0,0 de limites Sr. Deputado! CATIIIB, Decision High 15m e RVR de 200m, o que é quase nada;

6. Sr. Deputado, visibilidade “0” só na Austrália (???), mais uma vez enganado, totalmente enganado e não “modernizado”! Hong Kong, toda a China, o Médio Oriente, todos equipados e muitos países europeus também equipados para operações com “0” visibilidade… nevões etc., etc., menos o caos atmosférico, claro – só na Austrália, onde viu isso, Sr. Deputado? Um privilégio apenas de “Cangurus” australianos ou isso é uma fábula do mundo de “cangurus aeronáuticos”? Lisboa é que não, na base de estudos feitos e que não recomendam CATIII, não se justificava por razões várias, daí terem CAT II.

Era isso que devíamos estar a dizer aos cabo-verdianos e não manipula-los a cada passo, com a cumplicidade de certos técnicos: justificar um dado investimento/opção, explicar a relação custo-benefíco do mesmo, nunca deixar de sublinhar que o negócio tem que suportar o investimento, afastando-nos dos delírios desta ou aquela classe de profissionais, grupos de pressão e políticos demagogos.

Não duvido que escolhemos uma via tortuosa para lidarmos com os transportes aéreos. Mas também não duvido que estamos a pagar e vamos continuar a pagar caro o populismo, a falta de rigor e o amadorismo, não obstante os olés dos nabos na bancada, bem como o puxar de galões por parte deste ou daquele, para no final do gesto e da retórica, se concluir que melhor era não se vestir de gala para tão desprovida e pueril “dissertação” acerca da visibilidade “0” em São Vicente que motivou a deriva de um voo da TAP ( dia 12.04.) desta Ilha para o Sal.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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