Por: José Manuel Araújo
Num país com onze regiões desportivas e onde a lei exige um mínimo de cinco associações regionais para se poder constituir uma federação, isto é, para se poder realizar oficialmente as competições a nível nacional, será moralmente correto avançar com a realização dum campeonato “nacional” com apenas quatro regiões, quando ainda há outras interessadas em participar?
Na presente época foi assim e resultou numa cadeia de fatos a que nos propomos enumerar:
(I) O ABC da Praia vê-se vencedora do campeonato 2022/23; (II) ela não se confrontou com equipas de S.Vicente, sérias interessadas no título; (III) A FCA não tremelicou um instante que fosse, transmitindo a confiança de que, cumpridos os dois pontos anteriores, a realização estaria alcançada; (IV): assegurada a vitória para o ABC, o presidente da FCA apresenta um discurso de fair-play e de lamentos pela ausência das equipas mindelenses; (V) assegurada a exclusão do Amarante e do Atléticodo nacional, a presidente da ARASV apresenta um discurso muito agastado com a situação.
Sendo estes os fatos mais destacáveis desse torneio, agarremos só no que conta para tentarmos compreender as razões de fundo para a diferença entre o discurso do presidente da FCA e o da presidente da ARASV.
O presidente da FCA, entende ter sido firme e coerente com as suas decisões tomadas e atempadamente comunicadas, sobre a assunção dum novo rigor que discipline a modalidade e sirva de exemplo para todos.
E a presidente da ARASV? Terá reagido com base neste mesmo espírito? O que a terá deixado tão agastada?
No ano em que ela, tendo trabalhado com zelo todo o plano traçado, vê o esforço de S.Vicente esbarrar-se com uma implacável, inegociável, fria e quase desumanizada implementação dum novo rigor, a sua reação se justificará certamente por razões diferentes das do presidente da FCA, quando ela, olhando para o todo, se depara com a seguinte paisagem:
(Iº) Em que por ausência de rigor,o Futebol Club Dérbi é obriado a esperar durante dois longos meses por uma data repetidamente adiada pela FCF, porque a região da Praia necessitava resolver problemas de desentendimentos internos, mesmo conscientes que esse período de dois meses, na mesma medida que injetava jogo fresco nas pernas da representante da Praia, desmobilizava as restantes equipas e regiões cumpridoras, e ao Dérbi em particular, de bónus, por lesão, três dos seus pilares fundamentais, Duquinha, Tubola e Djica; (IIº) E em que mais tarde, agora ironicamente por exigência do rigor, que o Atlético e o Amarante são afastados do Nacional de andebol porque não se pode esperar meia dúzia de dias para se dar o exemplo de rigor; (IIIº) Em que por ausência de rigor, durante anos os campeões regionais de Basquete da Praia se fizeram representar no nacional com jogadores profissionais vindos de grandes equipas estrangeiras contratados para o efeito, em suma, trocar de equipa para enfrentar o nacional; (IVº) que, após anos de reclamações de S.Vicente por essa prática, compreendendo que a única saída seria usar do mesmo expediente contratando jogadores internacionais só para a fase nacional, agora, ironicamente em que por exigência do rigor criado à medida, precisamente nessa época, S.Vicente vê a FCB introduzir nos regulamentos uma cláusula que proíbiria a contratação de profissionais internacionais, porque, não se pode esperar mais tempo para se dar o exemplo de rigor.
Queiramos ou não, esta tipologia de sequências de acontecimentos evidenciam o seguinte cenário:
Se as decisões são tomadas em ambiente de falta de rigor, S.Vicente sai penalizada e Praia, beneficiada e se as decisões são tomadas assentes no rigor para se dar o bom exemplo, S.Vicente sai penalizada e Praia, beneficiada; e tudo, sempre por mero acaso e puras coincidências…
Não terá sido este, o cenário que determina a diferença entre as reações dos dois presidentes?
Mas, e se a presidente da ARASV ainda tivesse presente os seguintes acontecimentos: (I) que se tentou retirar ao Mindelense o título de vencedor da primeira Taça de Cabo-Verde (um título único para a história e que ninguém mais pode conquistar) simplesmente porque, a segunda edição da mesma foi realizada noutros moldes e que por isso, uma equipa da Praia se deveria tornar a nova vencedora da primeira Taça de Cabo-Verde? (II) que viu o Atlético do Mindelo se esforçar para merecer a destacada representação do país numa Taça dos campeões africanos de andebol, e logo se aperceber que, afinal, uma outra equipa, da Praia, está a merecer esse mesmo privilégio e uma outra região, a Praia, o mesmo destaque, sem os ter conquistado desportivamente? (III) Ou que também viu a sua ilha de S.Vicente marginalizada duma final por causa do desaparecimento da chave dum estádio de futebol, situação muito simples de resolver mas, a que a FCF preferiu deixar inundar-se de tamanha confusão e polémica que acabariam por desaguar na vitória final da representante da Praia? (IV) Ou de, neste país que já era Cabo-Verde e já era Nação antes de 1975, onde nunca se disputou por uma única vez que fosse o campeonato portugues mas sim e sempre, o próprio campeonato desse Cabo-Verde e dessa nação, e, tendo no que concerne ao futebol, mantido tudo na mesma após a independência, ou seja, sem qualquer mudança que o justificasse, ver tanto empenho da FCF em criar um novo critério de ranking das equipas, cuja única consequência visível foi a perda dos títulos nacionais conquistados por S.Vicente antes de 1975 (a ilha que tinha muito mais perderia muito mais), numa operação administrativa que tenta equilibrar artificialmente os palmarés de Santiago e de S.Vicente (imaginemos a FIFA a decidir que o Brasil deixa de ser penta campeão mundial só porque os seus primeiros troféus não foram da competição Copa do Mundo mas sim da competição Taça Julles Rimet)? (V) Ou de ver o Batuque perder um campeonato nacional, após o Sporting da Praia ter assumido todas as despesas da equipa bravense que até regressou ao campeonato de que já tinha desistido, só para perder por 9 x 0 com a equipa da Praia e, em ato contínuo, voltar a desistir de novo, desse mesmo campeonato?
Se considerarmos que tudo isso são erros de extrema gravidade, sempre passivamente presenciados por instâncias de responsabilidade supostamente nacional, escandalosos mesmo, apesar da aparência inocente e inofensiva, e por ironia, todos facilmente evitáveis, e todos eles alinhados coincidentemente para corromper as posições de competitividade entre Praia e S.Vicente, seguramente que com o seu discurso menos paciente, a presidente da ARASV terá pretendido lançar um sonoro alerta para que se ponha termo a este tipo de condutas que vem perigosamente traçando o destino sombrio para o desporto do país.
Passados 48 anos, já é tempo de começarmos a debater estas situações com fatos, sem rodeios, sem fantasmas, sem chantagens e sem pedras na mão.