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Maçonaria como cultura castrense (militar)

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Por: Prof. Drd. Cídio Lopes de Almeida

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Doutorando em Ciências das Religiões

Faculdade Unida de Vitória Bolsista FAPES

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amf3.com.br

ALMEIDA, C.L. Maçonaria como Cultura Castrense. São Paulo: AMF3 Escola de Filosofia. 2023. Disponível em: https://amf3.com.br/maconaria-como-cultura-castrense .Acesso em (dd/mm/ano)

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Resumo:

Adiantes desenvolvo algumas notas que aproxima o que seja um dos fundamentos do que seja a Maçonaria com o que penso ser uma Força Militar. Nossa problemática é esboçar que a maçonaria utiliza uma didática que vai além dela mesma, e é parte da nossa condição humana, pelo que esta semelhança com traço aqui selecionado da cultura castrense endoça esta nossa ideia.

Palavras Chaves: filosofia de vida, maçonaria, castrense.

Que a Força esteja convosco!

Se diz castrense a cultua militar, que em latim nos remete ao “acampamento militar”, como também caserna, isto é, referência a um local dentro de um quartel ou forte militar.

Para podermos compreender a comparação da maçonaria como militar, precisamos ainda explicitar as funções antropológicas inerentes às forças militares, para além dos aspectos históricos desse ou daquele exército. Especialmente romper com a visão de “militar” a partir do que temos no Brasil contemporâneo, que se formatou numa perspectiva da Escola de Paris, sendo o General de Exército Paul Aussaresses, um proeminente nos anos 60 aqui no Brasil. Não discutiremos aqui essa metodologia originada a partir da experiência francesa com a “Indochina” e a tragédia dos “Acontecimentos” (Guerra na Argélia nos anos 60).

A maçonaria tem, portanto, essas semelhanças não porque se enseja uma emulação de força miliciana, mas por utilizar um método utilizado em outros espaços de uma sociedade, que é a metodologia de instituir-se contra o caos. Por instituir-se podemos tomar como o ato coletivo de construir, fazer tornar presente, estabelecer espaços semânticos onde só há o vago, o aberto, disforme. Portanto, temos que notar que o Exército também pode ter faces temporais de um algo universal e atemporal. Esse atual exército e sua formatação não é “a formatação” de tudo que possa ser uma Força, enquanto parte constitutiva dos Estados em geral, mas especialmente do Estado Moderno, enquanto instituição humana.

Para nós brasileiros é fundamental compreendermos que a face do que compreendemos por Exército é apenas uma forma; e não a coisa na sua essência. Isso será bom para os dois grupos de percepção do que seja o tema, para os que, na ausência de saber o que seja mesmo a Força, se põe a defendê-la, sem saber o que seja em essência ela; para os que se posicionam contrários a ela, em função do seu comportamento histórico mais recente entre nós; e igualmente não sabem distinguir fatos pontuais e históricos do que seja mesmo a instituições naquilo que ela tem de fundamental.

Indo à coisa propriamente, essas características começam com o princípio básico de que uma força precisa interagir com o caos e produzir uma ordem. Essa é a primeira realidade que o militar de um corpo de Força deve atuar. Mesmo em época da paz e ordem, as Forças devem sempre simular esse cenário de ação para o qual ela é essencialmente justificada e necessária. Um exército ou qualquer outro ramo que se institui como sendo a Força, deve se preparar para ser usada em cenários de violência generalizada, próprio da guerra. Neste quadro a Força é a violência contra a violência.

Na guerra não há ordem, não há instituições. Há a violência, o caos, a morte. O desterro, o outro a ser exterminado. O outro é um outro que incide sobre mim de modo asfixiante; e impulsivamente preciso extermina-lo, sob pena de eu mesmo ser exterminado.

A Força é pura força e num átimo seguinte, ela se organiza. Se institucionaliza e dela decorre todas as demais instituições. Desse momento fundante ela guarda para sempre alguns instrumentos, que nunca deverão ser esquecidos; pois esse é o seu lugar natural: a guerra. O primeiro tema é o da morte. Morrer é o único horizonte da guerra, matar vem como reação, quem não abraçou a morte, não tem a dignidade inerente de quem serve a Força. E nesta esteira, o militar fala pouco, porque o idioma de quem abraça a morte e nela se acalma, é sem palavras, apenas silêncio. Pelo que o militar se retira de bom grado da política, atividade da sociedade civil, da fala, da dialética, da polis. Dimensões da ordem social fundada pelo Estado que sempre tem inerente o fato fundante da luta contra o caos, feito pela Força.

Um segundo desdobramento, depois da morte, será a necessidade vital de uma estrutura capaz de resistir o assédio da violência externa. Por estrutura pensamos logo em castelos, mas, anterior às edificações, precisamos de uma linguagem que funcione no pavor, na animalidade; sem essa linguagem o primeiro caos que abateria a Força seria o terror. Pelo que suas estruturas evaporariam numa simples guerra de propaganda. Os servidores da Força falam outro idioma, diria os semioticistas da cultura (LOTMAN), uma linguagem de segundo nível, isto é, uma linguagem própria dentro de um idioma.

Sem comunicação a Força não se orienta. A rigidez cultivada pela cultura militar só é compreendida quando posta nesse cenário. Ela precisa ser clara, profunda, simples; aguentar fraturas localizadas sem tergiversar o sistema no seu conjunto. E para um olhar civil, até certo ponto mórbida, pois deve ser uma linguagem quase dos mortos.

Deste dois aspectos, morte e linguagem, é o da morte que nos marca. A filósofa Hanna Arendt, desdobrando pensamentos já presente no seu mestre Heidegger, discorre longamente de como o “aparecer e o desaparecer” marca nossa vida. O militar encara, convive habitualmente, com o seu próprio desaparecer.

Morrer é um absurdo. Esse absurdo marca toda a linguagem da caserna, como na vida em geral. Esquecer da morte, por exemplo, como feito da cultura de “consumo para a massa”, gera a experiência de profundas angústias e falta de sentido para a vida. Sem a presença explicita do fator “morremos”, tal pavor fundamental se torna desconhecido da consciência e fica a rondar como “angústia”; a nossa volta. No geral capturado pelo consumo insano de nossos dias.

A morte, portanto, cria um sentimento de camaradagem; o outro como companheiro de viagem; o prazer do outro; o prazer de estar com o outro; esse outro que é meu conhecido, que luta do meu lado, meu íntimo. Não aquele Outro lá fora, que não é delimitado, mas um disforme absurdo e fonte do meu pavor.

Toda Força Funda

Sobre a estrutura da Força me parece que acima estão seus traços mais fundamentais. Agora passo a comparar em que medida ela se faz presente na Maçonaria.

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A maçonaria surge no contexto da Filosofia Natural de Isaque Newton e do Iluminismo (Esclarecimento – Kant). Pelos fins do 1600 e meados do 1700. De todo modo, a maçonaria se consolida no 1700, ganhando contornos públicos nos Estados Unidos da América do Norte, dado que aquele Estado nascente tinha como ideias gerais justamente os princípios filosóficos destas filosofias naturalistas e do iluminismo/liberais; com suas especificidades e, sobretudo contradições, como a abjeta escravidão.

A maçonaria nos seus traços fundamentais herda do Iluminismo a ideia de que a razão deve se impor sobre o caos do não racional. As trevas como metáfora do caos, será amplamente utilizada e denotada nas mais variadas formas de algo que coloca o homem em risco.

Incluindo aí modelos de governança que não se fundam nesta filosofia. Opondo-se a tudo o que era o Ancien Régime, pelo que da ótica destes, eram um movimento conspiratório. E que visava acabar com aquela ordem. E que para os maçons e outros pensadores liberais, estabelecer uma nova ordem.

Esse é o ponto que fundamenta da Ordem Maçônica. Ela surge como atividade da esfera civil que se propõe substituir uma ordem por outra. Pelo que a estratégia adotada foi a de vincar a constelação de pensamento da sociedade intelectual, política, religiosa, literária, da época. Pois só assim se fundariam uma nova Ordem. No âmbito das ideias, da cultura, das ciências, era preciso fazer surgir uma nova ordem, a antiga ordem deveria deixar lugar. A Maçonaria nunca advogou para si um papel de Força Militar. Ainda que vários revolucionários tenham se filiado a ela.

O Iluminismo (Les Lumières) ou esclarecimento (do alemão: Aufklärung), como Immanuel Kant escreve em “O que é o esclarecimento”, como movimento cultural macro, adotou uma verdadeira tática de guerra contra o caos do não-racional. Esta maneira ou pedagogia passou ser a forma de estar no mundo. Este movimento macro, dentro do qual a Maçonaria também se formou e consolidou-se, colheu dessa estratégia os Estados de Direitos democrático, como conhecemos hoje.

A maçonaria, portanto, é fruto desse contexto histórico. E adotou nas suas estratégias de sociabilidade justamente o pensamento filosófico baseado no Iluminismo e na Filosofia Natural.

Daí seu apreço por temas comuns à caserna. E vamos mais, seu método de formação filosófica, que é seu foco único, estriba-se justamente no fundamento de que “todos morremos”, e será a partir desse fato, que é trágico segundo esse conceito de Nietzsche (Ver obra: O nascimento da Tragédia a partir do espírito da música), que os demais métodos serão dispostos.

Numa luta contra o não racional, que historicamente para o Iluminismo era uma dada forma de religiosidade, a maçonaria tem dentro de si as ideias de que é uma Ordem, justamente para fazer face à desordem do não-racional. Sua linguagem, para atender a fragilidade da razão em se por em marcha segundo suas aspirações, será a linguagem simbólica. E o seu cultivo será articulado por uma sociabilidade fraternal, com uma metodologia pedagógica capaz de fazer romper este caos, não só dos governos tirânicos, mas de toda forma de tirania sobre a liberdade humana.

A linguagem simbólica guarda a particularidade de ser simples; fácil retenção na memória; passível de ser retomada semanalmente; e contendo a possibilidade de você poder ir aprofundando sentidos sobre um mesmo símbolo. Permitindo o exercitar em termos de “virtude”, segundo a máxima da filosofia na qual não possuímos a virtude, mas exercitamos nela. A linguagem simbólica tem ainda a marca de fazer com que se experimente conceitos de modo imediato; abrindo a mediação, o pensamento elaborado destes signos/símbolos experimentados para momentos posteriores. É o que pedagogicamente dizemos, retomando a ideia de Nietzsche, ruminar as ideias.

Nesse ponto temos mais uma semelhança com as instituições da Força. A linguagem precisa funcionar de modo instintivo, pelo que o uso de uma comunicação símbolo tem essa rapidez. O caos da caserna é tanto psíquico quanto físico, o caos da maçonaria é mais da ordem do psiquismo, da cultura; do modelo social. É contra tal falta de ordem que ela, junto do resto do Iluminismo, se insurge. Pois, nas argumentações dos vários filósofos dessa vaga cultural, não pensar; não criar os instrumentos mais importantes para se contrapor aos assédios irracionais; seria se sucumbir à tirania da ignorância; da servidão.

Portanto, o outro que o Iluminismo tinha no horizonte era a ignorância. E a melhor forma de organizar a batalha contra esse inimigo era justamente no seu terreno, as ideias. Não se combate esse caos com a espada habitual, agora é a pena do filósofo a serviço de afugentar esse caos; a Força agora é racional; a instituir-se contra o caos; que figura no horizonte e  enseja arremeter-se contra essa “força”.

Em conclusão, daqueles cenários dos séculos XVIII e XIX para nossos dias houve muito aprendizado da Maçonaria e dos filósofos em geral e das Tradições Religiosas daquela época. Hoje falamos abertamente que é possível a convivência de instituições religiosas e filosóficas/filosofia de vida no interior do Estado de Direito Democrático e que outrora estavam em litígio. A Igreja/Estados Papais de outrora não existe mais. A Igreja Católica Apostólica Romana e o Estado do Vaticano, sobretudo no Concílio do Vaticano II, caminhou para o mundo presente, e fora do seu Estado Teocrático (Cidade Estado do Vaticano), não atua para eliminar a Maçonaria. Pelo que a Maçonaria não tem como horizonte o Acien Régime, sua luta, e neste ponto é parceira da Igreja Católica Apostólica Romana, é contra tudo o que não gera vida com qualidade às pessoas; é a injustiça que retira a dignidade da pessoa. O desafio hoje é lutar contra os modelos que geram caos econômicos, caos contra a natureza. A Maçonaria como “peleadora” do caos é mais uma Instituição que atual no interior da Democracia para que a vida cidadã seja plena a todos. E nesta nova chave do convívio de uma certa diversidade, o ponto que gera mútua admiração destes antigos peleadores é a luta militar contra tudo que não garante um mundo de justiça.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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