David Leite
Cinco noites de sabura para “alegrar a alma e celebrar a resiliência” do povo de S. Vicente…
Sou contra! E atenção, ninguém me conhece como estraga-festas: festejar é comigo, faço pista de qualquer chão para alegrar o pé, seja na areia ou na rua de Lisboa! Ou não fosse a nossa grande festa de S. Silvestre uma marca registada de S. Vicente, para os turistas um ex-libris da nossa morabeza. Olá se vou passar, e provavelmente vou dançar…
Mas sou contra as cinco noites, e não vejo nisso hipocrisia! É que em qualquer país “normal”, a passagem de ano é no dia 31 de dezembro e devemos ser o único lugar no mundo onde a festa começa 5 dias antes! S. Vicente, quando quer, é um Brasilão!
Na actual conjuntura pós-temporal, em plena situação de calamidade (não só em São Vicente, mas também em Santo Antão e S. Nicolau), a sociedade pensante diz-se perplexa perante esta overdose de réveillon. Aqueles que se mobilizaram por S. Vicente, nas ilhas e fora delas, acusam o governo camarário de fomentar uma bulimia festiva que já não conhece limites. Vozes discordantes ecoam no seio da nossa diáspora solidária que acudiu em socorro das vítimas do temporal e que agora nos envia uma mensagem subliminar: – “tanto nos sacrificámos para ajudar a resolver os problemas de S. Vicente, e S. Vicente festejando para esquecer os seus problemas!”
Devolver a “esperança”? Verdadeira esperança não se derrete ao raiar do sol, muito(a)s voltando para casa sem um tostão no bolso e muitas crianças dormindo com o estômago vazio! E o dinheiro não ficou só no balaio (coitado do balaio), ficou nos balcões das grandes cervejeiras e outros mega-patrocinadores que a seu tempo saberão devolver os favores recebidos.
E quando amanhecer, no dia 1 de janeiro, vamos tapar o sol com a peneira? Fingir que tudo não passou de diversão inocente, com o álccol e outros estimulantes (não declarados) mandando na rua durante cinco noites seguidas? Vamos dizer que dinamizamos a cultura só porque houve cinco noites de palco? A quem aproveitam essas “culturas” todas? Quantas festas por aí rivalizando afinal com a cultura que pretendem promover, com negociantes e traficantes (e não só) contando os lucros? Podemos falar de diversão, de negócio – mas cultura, come on!
Ainda não é hora de celebrar!
Não, o povo de S. Vicente não está “triste” – está é passando dificuldades, e sabemos todos porquê. Claro que vai tomar as cinco noites de sabura que lhe dão porque ninguém lhe perguntou se não preferia mais trabalho para ter menos dificuldades.
Oxalá o bom-senso não fique entalado entre sabura e amnésia: dpôs d’sab, não esquecer que um outro “Erin” pode nos visitar! Ouso acreditar que esteja em estudo um sistema de correcção torrencial feito de diques e barragens de retenção, canais de drenagem e reservatórios subterrâneos, enfim tudo para mitigar os efeitos devastadores de uma nova onda tropical.
Muito já foi feito no pós-temporal, aliás fomos todos soldados nessa “guerra”. Aguardamos agora que os nossos “generais” exponham os seus planos de combate para a batalha seguinte!
Muito já foi feito sim, mas muito resta ainda por fazer: não baixar a guarda até ser eliminado de vez o cheiro imundo dos esgotos aqui e ali, reerguidas as paredes que ruíram, colmatados os buracos, removidos os montes de terra para não serem levados numa nova enxurrada.
Até ganharmos esta “guerra”, não é hora de cantar vitória! Não é hora de celebrar…
Festejar sim, mas não assim!








