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Opinião

Estamos todos condenados à morte: o que a religião nos diz sobre isso?

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Por Arlindo Nascimento Rocha*

por mais bela que seja nossa vida, um dia jogar-nos-ão terra sobre a cabeça” [MARTINS. A. Venturini]. 

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A relação do homem com a religião seja como negação, fuga, horror à morte ou aceitação dela, desde sempre faz parte de um quadro de referências complexas, características do pensamento religioso, mas, pessoalmente acredito que não deveria existir uma relação necessária entre religião e morte. Porém, acredito e estou ciente de que ambas são duas dimensões “essenciais” da condição paradoxal do homem.

Para o filósofo francês Blaise Pascal (séc. XVII), “o homem é um ser essencialmente paradoxal, naturalmente insuficiente e contingente, pois, sua grandeza e sua miséria são dimensões de uma existência efêmera”, povoado de acontecimentos que, pela sua incapacidade de abraçar tudo, flerta com teorias sobre a vida, a morte, vida após a morte, reencarnação, ressurreição, etc. A única certeza que temos é que a morte é certa, pois, como disse Victor Hugo em sua obra O último dia de um condenado, “os homens todos são condenados à morte”. O trágico em tudo isso é que ninguém ainda descobriu o antídoto para curar ou salvar o homem desse “terrível” destino.

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Será que o homem em sua dimensão existencial concreta necessita refletir sobre tudo isso? Concordo com Martins, pois, em sua obra A verdade é insuportável afirma que, “um certo grau de cegueira quanto ao próprio destino é fundamental para vivermos o cotidiano de nossa vida”. Tomando essa frase como premissa básica para que o homem comum possa viver sem grandes preocupações existenciais, questiono: a nossa vida e a dos nossos amigos seria melhor se conseguirmos responder todas as questões candentes sobre a nossa “real” situação? Precisamos ser religiosos para tornar mais sublime nossas reflexões sobre a vida e a morte? Ou, precisamos acreditar que a vida após a morte é, em último caso, a possibilidade de realizar tudo o que essa vida passageira não nos possibilitou realizar?

É fato que, desde os primórdios da humanidade, o homem sempre questionou sobre a sua existência e seu perecimento, pois, diante de todas as frustrações era preciso encontrar respostas que apaziguassem suas dúvidas. Porém, ainda hoje, continuamos fazendo as mesmas perguntas e tendo as mesmas dúvidas. Ser religioso realmente é uma garantia que após essa curta passagem terrena estaremos aptos para uma segunda chance? Nesse caso, pela pluralidade de religiões, qual seria a religião “eleita” por Deus que garante efetivamente que nossas ações enquanto homens comuns tenham a eternidade como recompensa? Face a esses questionamentos, prefiro pensar a religião na dimensão existencial como “fenômeno” social que molda o comportamento dos homens, mas não resolve o “problema” da morte. Então, o temor da morte é inútil, pois, com ela, há a nossa dissolução, e o que é dissolvido deixa de ter sensações.

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Essa é a verdadeira marca da nossa miséria, quando nós nos deparamos com a nossa pequenez e infinitude diante de um cosmo infinitamente grande, quando comparado com a nossa existência mísera. Em um dos seus famosos fragmentos Pascal questiona: “afinal que é o homem diante da natureza”? Ele mesmo responde: “nada, em relação ao infinito; tudo, em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve.”

Ao interpretar esse fragmento constata-se que o desespero do homem é tão grande, que torna um imperativo fazer construtos cada vez mais elaborados na tentativa de escapar desse vazio interior que o assombra. A morte talvez seja uma das maiores preocupações do homem, porém, não deveria ser, ou se fosse, seria para que o homem pudesse viver melhor enquanto habitante desse cosmo. Então sigamos o conselho de Jean Grenier e habituemos a pensar que a morte, nada é para nós, pois, todo o bem e todo o mal apenas mostram-se através das sensações. Então ela nada representa para nós, dado que, enquanto existimos, a morte nada é, e, quando ela ocorre já não somos mais.   

Como nada está garantido ao homem, a melhor solução é nunca apostar contra o infinito, porque caso o fizer ele perde sempre. As pessoas preferem confiar nos dogmas religiosos como ‘mediadores’ entre a finitude humana e a infinitude de Deus. Fazendo isso, e de acordo com Pascal, não se perde nada! Isso me fez lembrar mais uma vez de outro fragmento do mesmo autor, onde tenta convencer racionalmente um libertino (ateu) sobre a existência de Deus. É o argumento da aposta. Segundo ele, “se você acredita em Deus e Ele não existe, você não perde nada; se você acredita em Deus e ele existe, você ganha a eternidade; mas, se você não acredita em Deus e Ele existe, você será condenado eternamente.” Daí, ser preferível acreditar na existência de Deus porque o homem não tem nada a perder.

Seria legítimo fazer o mesmo com as religiões? Bom, pelo menos sobre as religiões sabemos algumas coisas! E sobre a morte, o que sabemos? Nada! Só sabemos que ela é certa! E o que vem depois dela? Paraíso, inferno, escuridão, caos, fogo eterno? Como se diz no senso comum, nunca ninguém voltou para dizer como é! Entretanto, ultimamente e com a facilidade de usar e acessar as redes sociais, muito se tem falado e compartilhado ‘experiências científicas’ provando a existência da alma e a vida após a morte!  Em primeiro lugar, é preciso suspender o juízo e depois procurar saber as fontes de tais informações, pois, nem tudo o que se partilha ou publica provém de fontes fidedignas.

Embora essa reflexão esteja afastada do centro das reflexões filosóficas, não deixa de ser uma preocupação comum. No entanto, é possível constatar também que, boa parte dos homens estão mais preocupados com o aqui e o agora! Será que eles estão errados? E se não estiverem? Viver um dia de cada vez e usufruir o máximo de prazer, alegria e felicidade seria o melhor caminho? Tenho minhas dúvidas! Pois, o vazio existencial que muitas vezes me assombra leva-me a constatar o contrário! Precisamos nos angustiar antes, para que possamos valorizar momentos de felicidade? Também não tenho uma resposta! Mas sei que preciso viver para poder morrer! A vida e a morte são passagens para outras dimensões ou com a morte tudo acaba? Bom, se tudo acaba, é melhor aproveitar a vida! Mas, se existe um propósito e uma nova etapa após a morte, vale a pena levar uma vida austera e mais uma vez não apostar contra o infinito! Infinito! Mas o que sabemos do infinito? Será que morremos para poder viver ou vimemos para poder morrer!? Não há saída, uma vez que, por mais bela que seja nossa vida, um dia jogar-nos-ão terra sobre a cabeça, pois, quando nascemos nossa sentença já está dada.

Vivamos todos porque um dia morreremos todos!!!   

*Doutorando na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil (Bolsista da CAPES)

Sugestão de leitura:

PASCAL, Blaise. Pensamentos. – 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005. – (Paidéia).

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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