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E se a meritocracia predominasse?

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Por: Nelson Faria

A meritocracia, conceito de base teórica, palavra formada por “mereo” (ser digno, ser merecedor) e o sufixo grego “kratos” (poder, força), que, basicamente, significa o alcance do poder ou reconhecimento, seja ele qual for, através do merecimento, formulando o sentimento de justiça, salvaguardando a igualdade de oportunidades e tratamento, fazendo valer valores que deveriam nortear a gestão de pessoas na sua vida em sociedade.

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O reconhecimento do mérito advém do nosso sentido ético e, como referido, de justiça, de valores intrínsecos à premissa de que todo o esforço, dedicação e sacrifício que geram resultados positivos ou acima dos esperados, devem ser reconhecidos, mormente se as realizações denotam qualidade e eficiência acima das metas ou expectativas. Portanto, o mérito objetivo, resultante do talento, inteligência, dedicação, empenho e resultados obtidos é contrário ao favorecimento por razões subjetivas, hereditariedade, família (política, clubística, religiosa), amizade, ilha, classe social ou outros condicionantes e preferências subjetivas.

A meritocracia também pressupõe, como condição necessária para o desenvolvimento das sociedades, existência de princípios verdadeiramente democráticos onde todos os indivíduos têm as mesmas oportunidades e possibilidades de se destacarem pelo mérito, com critérios previamente estabelecidos, o que gera confiança necessária entre todos. Ao falar da confiança como ativo da meritocracia estamos a falar de um reconhecimento, de crédito atribuído a outrem, ou a um sistema capaz de respeitar as oportunidades e igualdade de tratamento das partes interessadas, na prática, todos os cidadãos. Uma pergunta que sempre ronda o processo meritocrático é como garantir que todos tenham as mesmas condições de desenvolvimento e que somente as capacidades intrínsecas e a competência sejam avaliadas no processo de competição para reconhecimento do mérito?

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Se calhar, antes de falarmos da meritocracia e como garantir a sua predominância na nossa sociedade, devêssemos falar de outros pilares, nomeadamente a democracia e a nossa formação e aplicação ética. Sei bem que todos se defenderão, mesmo na perspetiva individual e conveniente, que a democracia e o nosso sentido ético são palpáveis e apurados… Serão? As consciências individuais e coletivas responderão.

Nas sociedades modernas e igualitárias, a meritocracia é um sistema essencial para atingir os objetivos e anseios dos seus indivíduos. Porém, considerando que não caracteriza boa parte delas, não é despropositado refletir se a meritocracia pode parecer uma ideologia “utópica” na sociedade em que vivemos.

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Na sua essência, a liderança é a habilidade de influenciar, motivar e inspirar pessoas, preferencialmente, de forma positiva. Neste sentido, o exemplo, a ética, o saber ser, estar e fazer, a capacidade de criar novos líderes, a habilidade comunicacional e de relacionamento com pessoas são aspetos fundamentais a serem visualizados pelos liderados. Da mesma forma, espera-se do líder o reconhecimento do mérito como bandeira a ser defendida nas suas ações. A minha dúvida é: até que ponto as nossas lideranças têm sido hábeis em promover o mérito em detrimento de outros critérios subjetivos? Que sociedade teremos se o mérito for continuamente desconsiderado e outros critérios de “confiança” privilegiados pelos líderes?

Mesmo que a meritocracia não seja um poço de apenas virtudes, sendo estas maiores que os seus contras, mesmo que a meritocracia não seja a receita para todos os nossos males e sentimentos de injustiça, nem das iniquidades e ineficiências, não há dúvidas que nas sociedades onde caracteriza a essência da vida social, produz resultados que elevam os patamares de desenvolvimento, equilíbrio e paz social. Posto isto, penso que seria interessante irmos além da perceção dos “amiguismos”, “compadrios”, favorecimento partidário, “incompetência”, “desresponsabilização” e avançarmos com estudos que relacionam este tema com muitos dos nossos atrasos e ineficiências. Não me inibo de questionar, quase sempre, que país teríamos se imperasse a meritocracia em todos os sectores da nossa vida em sociedade?

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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