Por: Xazé Novais
Acabam de ser publicadas pelo INSP as novas regras para viagens inter-ilhas, com critérios e respetivas regras advenientes que já ninguém mais compreende porque são totalmente incompreensíveis e prenhes de arbitrariedades e que só podem ser entendidas assumindo um desfasamento claro entre o tempo da recolha de informações no terreno e o tempo das decisões. Mas onde ressalta uma evidência, o facto de São Vicente ficar uma vez mais como por acaso bem prejudicado neste novo contexto. Critérios esses que se adaptam a objetivos pouco claros e, desculpem-me mas assim o interpreto, com boa dose de política pelo meio. O que nunca deveria acontecer.
E, para melhor nos entendermos, precisar que a Taxa de Incidência TI (como por acaso a única utilizada como critério para estas novas regras) é o número de novos casos da doença, dividido pelo número total de pessoas, num determinado período (neste caso nos últimos 14 dias antecedentes de 16/02 a 01/03). A Taxa de Incidência mede, pois, o surgimento e a dinâmica de uma doença, fornece informações sobre o risco das pessoas serem contagiadas pela doença e é muito importante no estudo de suas causas.
Enquanto que a Taxa de Prevalência TP (índice importantíssimo para se perceber a realidade factual da doença num território, mas nulamente tida em conta nestas novas regras – eles lá saberão e eu também aqui saberei porquê) é calculada usando o número de casos ativos em determinado momento, dividido pelo número total de pessoas. A Taxa de Prevalência mede assim a proporção da população que tem a doença, determina o número total de casos de uma doença num determinado e preciso momento e o impacto que isso tem na sociedade.
Não será, pois, por acaso que, por exemplo, se opte por falar do concelho da Praia, quando isso arranja certos objetivos, ou se opte por falar da Ilha de Santiago, quando esses objetivos são melhor compostos por esse prisma. Esquecendo-se por exemplo que temos Ilhas/concelhos, como o caso de São Vicente e demais, assim como o facto de não fazer absolutamente nenhum sentido tendo em conta a mobilidade das pessoas de se falar da Ilha de Santiago como um todo, como se os diferentes Municípios ali não se situassem e nomeadamente o da Praia, que alberga metade da população de toda a ilha.
Ditam as novas regras que os passageiros oriundos de SV só não são obrigados a testes quando viajam para SA, assumindo, e muito bem, o binómio SV-SA. Isso, dizem as novas regras, porque a Taxa de Incidência em São Vicente é superior a 150/100 mil hab. Entretanto temos em Santiago, Praia, Rª Gde de ST e S. Miguel todos com índices igualmente superiores a 150/100mil hab. Mas como no cômputo global a Ilha fica abaixo dos 150, os santiaguenses podem viajar sem testes pelo território nacional, incluindo claro os oriundos de concelhos com taxas de incidência largamente acima dos 150/100mil hab. Outros concelhos não podem mas os concelhos da Ilha de Santiago esses podem…
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Para a Boavista, outro exemplo, ilha com a maior Taxa de Incidência neste momento, infelizmente, que conta uma TI de 358/100mil hab. contra os 235 de São Vicente, incompreensivelmente as novas regras ditam que os passageiros da Boa Vista só não são obrigados a fazer testes se viajarem para São Vicente, que tem menor Taxa de Incidência…
Já da Ilha do Sal, que tem uma TI inferior a 100/100.000hab, tem que fazer testes para SN, com TI muito superior…
Os exemplos são vários que demonstram a saciedade e aleatoriedade, a duplicidade de critérios ou falta de verdadeira sustentação técnica destas regras ora publicadas. E nesse computo, o caso da Ilha de Santiago é paradigmático, tendo em conta que as Autoridades fazem de conta que a ilha é um todo, que não existem contrastes abismais entre os diferentes concelhos e sobretudo aproveita a boleia para tentar minorar a situação pandémica na cidade da Praia “diluindo” os seus assustadores números na contabilidade global da Ilha de Santiago.
Mas os números não mentem e esses números dizem que neste momento o concelho da Praia tem uma TI de 162/100mil hab, igualmente superior a 150 tal como São Vicente. Mas dizem igualmente que o concelho da Praia tem uma Taxa de Prevalência de 136/100mil hab, 4 vezes superior à de São Vicente, continuando a concentrar praticamente metade dos casos ativos de todo o Cabo Verde. Mas as novas regras autorizam os praienses, não como praienses, mas enquanto santiaguenses (não me perguntem se é para rir ou para chorar), a viajar sem obrigatoriedade de testes para praticamente todas as ilhas de Cabo Verde.
Repito para que nos entendamos: do concelho com a maior concentração e uma das maiores proporções de casos ativos (portanto contagiosos) do país viaja-se sem testes para o resto do país. E estamos a falar do concelho com maior capacidade financeira para viajar, sem contar com o concurso da mobilidade compulsiva da máquina central do Estado…
Nada move os nossos governantes de reservarem um lugar ao Sol ao seu concelho de residência. Nem mesmo o aparecimento de dois casos positivos da nova estirpe inglesa na ilha demove as Autoridades de fecharem o olho a essa parte da Nação. Quando o mundo inteiro apresenta algum pânico pela falta de conhecimento desta nova estirpe e dos seus riscos acrescidos, aqui na tapadinha nacional anuncia-se com pompa e circunstância a mobilidade generalizada da nova estirpe…
Isto faz-me relembrar o início da pandemia, quando a Praia e mais tarde (a meu ver por incúria das Autoridades) toda a Ilha de Santiago estava em situação muito complicada relativamente ao resto do país, se deu início de novo à mobilidade inter-ilhas, descontrolada e sem testagem obrigatória, resultando naquilo que as Autoridades sempre apelidaram de “inevitável” (sic), ou seja, o contágio abrangente de todas as ilhas e concelhos…
Mas existem algumas particularidades em todo este processo que merecem ser destacadas. Uma delas é o facto de São Vicente apresentar a 2ª maior proporção de testagem do país, 2.5% da população da ilha nos últimos 14 dias. É caso para se dizer que em SV o conhecimento da realidade da doença está corretamente fundamentado em dados do terreno.
Mas também o facto de que em ST, tirando Praia e São Miguel, a percentagem de amostragem recolhida ronda praticamente os 0%, o mesmo acontecendo com as ilhas do Sal e da Boavista. Ou o facto impensável de quando a 26 de fevereiro se descobrem 18 casos positivos em 21 amostras na Rª Gde de ST, espantosamente no dia seguinte já são só 2 amostras recolhidas nesse concelho, todas positivas, para no dia 28 já não se recolher nenhuma amostra. Ou seja, lá onde decidem, não há testagem, pior que isso, não há seguimento de contactos diretos, fari indiretos.
Não podendo aqui deixar de fazer uma menção expressa à Taxa de Prevalência que incompreensivelmente não entra nos critérios para a fixação das novas regras da mobilidade inter-ilhas.
Esta, que bem mais que o total de casos ativos existentes, relata a proporção, ou seja, o impacto desses casos ativos no computo da população global desse concelho, é a meu ver uma expressão a ter em conta na análise da realidade efetiva da doença num determinado território e num preciso momento. E São Vicente tem neste momento uma das mais baixas TP do país. Ou seja, é neste momento uma das ilhas menos afetada pela doença. Quatro vezes menos afetada que o concelho da Praia, sete vezes menos afetada que os concelhos de S.Miguel e Rª Gde de ST por exemplo.
Terminar esta já longa resenha com uma constatação que a meu ver em nada deverá deixar incrédulos os sanvicentinos, o facto de que neste momento, estando nós ainda em calamidade exclusiva e nos batendo para continuar a baixar consistentemente e diariamente os números da doença na ilha com muito sucesso, as Autoridades deste país decidem estabelecer como princípio basilar das novas regras da mobilidade inter-ilhas que para viajar para São Vicente NINGUÉM precisa fazer testes. Que de todas as ilhas do país as pessoas podem viajar para Soncent sem nenhum tipo de cuidado e proteção, SEM TESTES, porque aqui tud ê bada…
É caso para se dizer, Soncent podê ser infetód largód!…
Mindelo 04 de março de 2021