Por: Nelson Faria
“Dôd ê cmida d’sabid!” Não sei de onde vem esta expressão popular em São Vicente, apenas consigo entende-la e ver a sua aplicabilidade em muito da nossa vida, particularmente no que a nossa política diz respeito. O termo “dôd”, neste caso e na minha perspetiva, não deve ser entendido literalmente como uma pessoa em situação de perda das suas faculdades mentais, mas, sim, como uma pessoa ingénua, manipulada, “inocente”, como se diz, que é aproveitada por outra, o “sabid”, um esperto, um “malandro” no sentido brasileiro do termo, nem sempre mal-intencionado, capaz de lhe “passar pau” e de fazer “vigarices” várias no fito de interesses próprios e de grupos.
Infelizmente, de “dôd” e “sabid” esta terra está cheia. Aliás, vi em tempos uma publicação cómica na internet onde numa “barcearia” qualquer, dizia um dos sábios da grande sabedoria popular: “mais que dôd, Soncent tá chei d’gent tá dá pá dôd”. De facto, se ao “dôd” acrescentarmos “kês ek tá dá pá dôd”, o “sabid” está no seu paraíso.
Onde para o “sabid”? Muitas vezes perdurado e protegido pelo poder político. E o que tem feito o “dôd”? Muitos, se calhar, “te continuá tá dá pá dôd”… Facto é que “kel dôd e kel ek tá dá pá dôd” têm sido regularmente manipulados e tratados de acordo com as conveniências para manutenção do poder. Não julgo as necessidades e as circunstâncias que levam muitos “a dá pá dôd”, a nossa terra como é e os recursos como são geridos levam muitas vezes a esse cenário, porém, para sair deste cárcere cabe a cada um ser inteligente onde deve e não se perpetuar numa situação que não faz bem às pessoas individualmente e muito menos ao coletivo. Cabe a cada um querer libertar-se da Síndrome de Estocolmo onde nos encontramos, que é caracterizada por um estado psicológico de intimidação e abuso do “sabid”, que, contudo, em vez de repulsa, tem-se criado simpatia, normalização ou até mesmo laços emocionais de amizade ou amor por ele, muitos por conta do clube partidário, outros por necessidades e ainda os por interesses individuais.
Em tempos de campanha eleitoral, são muitos os lançamentos das primeiras pedras, por isso protejam-se com capacetes porque a chuva de pedras é propícia para agudizar a situação de “dôd”. O período das inaugurações convenientes e atrasadas em andamento, que serão aos montes, servem para manter as memórias vivas para as eleições e aproveitar-se de “kis dôd e kês ek tá dá pá dod”. Portanto, a escolha é e será sempre do cidadão… Claro que devemos congratular com o que é bom e útil, não é nenhum favor que nos fazem, aproveitar das benesses da circunstância, mas, atentos ao objetivo do “sabid” e não se colocar na posição de “dôd”.
Aproxima-se um período eleitoral autárquico e confesso que tenho imensa curiosidade para saber o desfecho. Para saber se a ilha de São Vicente continua um paraíso do “sabid” onde “kis dôd e kês ek tá dá pá dôd” são a maioria, ou se definitivamente conseguimos avançar para um novo paradigma onde o “sabid” é corrido e o município é gerido de outra forma, com aproveitamento real das suas potencialidades, com uma verdadeira democracia participativa, cidadãos inclusive, uma ilha que luta pelo seu orgulho e autonomia, que valoriza o seu património, a cultura e o desporto na dimensão da história e dos campeões que temos construído, que inclui a diáspora e é deveras transparente, livre de suspeições de corrupção, tráfico de influência e jogadas de compadres.
A ver vamos se “dôd tá continuá cmida d’sabid” ou se “dôd e kês ek tá dá pá dôd tá spertá pá tmá sis canja” na medida “d’gota d’água, gron d’arroz e puntinha d’galinha” que todos merecem.