“O discurso de amor e paz gera amor e paz, o discurso de ódio gera ódio. A palavra tem poder e isso não é opinião, é um fato”
Por Selton Monteiro*
“Eu pergunto, esta coisa é um homem, uma mulher, ou outra coisa qualquer?”, “Quem é que esta bichona pensa que é?”, “Bandido bom é bandido morto”, “Preto não se sabe comportar”, “Ó preto, vai para a tua terra”, “Macaco de m#rd#”, “Se meu filho fosse homossexual encheria ele de po##ada” “ Não te est#pro porque és feia”, “As pessoas deficientes vivem à custa do estado” , “Tem muito verme no nosso país”, “Ela já nasceu de luto”…
Há quem acredite que desta forma estará a exercer a sua liberdade. Aí perguntamos: onde está o limite da liberdade do outro para que eu possa usufruir da minha? Será que a nossa liberdade acaba lá onde começa a do outro? Se o outro não termina a sua, onde posso começar a minha? É simples. Parece que, on-line, não nos importamos tanto com os sentimentos do outro.
As tecnologias de comunicação, nomeadamente as redes sociais, trouxeram novas formas de interação entre as pessoas e a sociedade, como por exemplo, nos negócios, na aprendizagem, nos relacionamentos, no entretenimento e, principalmente, na comunicação. O acesso, a partilha e produção de informação foi democratizado. Qualquer indivíduo, com acesso à internet, é capaz de produzir conteúdo de entretenimento, educacional ou de opinião e compartilhá-lo para que outras pessoas possam vê-lo. Criou-se um maior ambiente de expressão, um espaço onde o utilizador pode libertar-se e, em consequência, transformar-se num disseminador de informações verídicas e inverídicas, de opinião, de ideologia e de qualquer assunto que o sujeito queira comentar. Deste modo, surge um dos maiores problemas nessas comunidades virtuais, a propagação do ódio.
Winfried Brugger, professor de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, define o discurso de ódio como sendo a emissão de uma mensagem em forma de desenho, palavra ou gesto, que ofende e discrimina um determinado grupo. Esse discurso incita ao ódio e ao preconceito contra um grupo específico de pessoas. A discriminação pode ser devido à cor, raça, classe social, orientação sexual ou até mesmo a uma deficiência.
“As palavras com conteúdos ofensivos, preconceituosos e discriminatórios são vistas como propagação de ódio. A psicologia preocupa-se com estes tipos de discursos, repudiando toda e qualquer forma de ofender, humilhar e discriminar o outro. Atualmente virou ‘modinha’, onde todos tem algo a dizer ou postar, todos tem militância”, salientou a psicóloga, Drª. Liliana Andrade, que trabalha na Escola Secundária Cesaltina Ramos, na cidade da Praia.
Tendo em conta vários especialistas da área da tecnologia, informação e comunicação, hoje, com as redes sociais, devido ao seu grande alcance em termos de audiência, o discurso de ódio tem atingido um número cada vez maior de pessoas, catalisando mais adeptos. É preocupante que ideias contra os direitos humanos e a dignidade das pessoas estejam encontrando ressonância num espaço que, na sua essência, era para ser livre, diversificado e democrático.
Segundo a psicóloga Liliana Andrade, “Haters”; é o termo utilizado para definir os agressores virtuais que tem como finalidade humilhar o outro. Liliana Andrade também explicou que “são enormes as consequências do discurso de ódio na sociedade. O discurso de amor gera amor e o discurso de ódio gera ódio. Para evitar o discurso de ódio, teríamos de ir ao passado e corrigir algumas coisas mal feitas, ou seja, deveríamos trabalhar o comportamento das pessoas desde as suas infâncias e, quem sabe, esse fenómeno seria evitado”.
A psicóloga alerta para o papel dos pais e encarregados de educação, pois estes, em seu entender, são os principais responsáveis. “Se estes tivessem feito os seus deveres de casa, que é educar e preparar os filhos para a sociedade, as coisas teriam sido encaminhadas de outra forma. As palavras de ordem seriam: limite, educação e acompanhamento, porque o que eu vejo e leio é a ausência de limites, falta de educação caseira e abandono”, explicou ainda Liliana Andrade.
Em Cabo Verde, a liberdade de expressão é garantida pela Constituição da República, além de fazer parte dos direitos estabelecidos mundialmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Assim sendo, de acordo com a Constituição vigente no Arquipélago, Art. 28, “a liberdade de expressão é um direito fundamental do Homem que garante a manifestação de opiniões, ideias e pensamentos sem retaliação ou censura por parte de governos, órgãos privados ou públicos, ou outros indivíduos, um direito que não pode ser vendido, renunciado, transmitido ou revogado.”
Entretanto a psicóloga Liliana chama a nossa atenção, referindo que o limite dessa liberdade está em ultrapassar os demais direitos fundamentais de outros indivíduos. Ao cometermos preconceito ou proferirmos palavras racistas, por exemplo, não é liberdade de expressão e sim um crime contra outra pessoa, que tem os mesmos direitos assegurados e é considerada igual para todos os demais perante a lei. “Se a liberdade de expressão de um fere a liberdade do outro, então torna-se opressão”, reforçou.
A liberdade de expressão na internet segue as mesmas regras da liberdade de expressão em qualquer veículo de comunicação e o mesmo se aplica quando estamos falando fora das redes sociais: seja em casa ou na rua. E deve manter as garantias e limites. Assim, como não se fala palavras racistas por ser um crime, também não se deve usar a internet para promover o racismo ou a xenofobia.
Segundo a nossa entrevistada, não existe forma de diminuir as consequências nas vítimas, porque isso dependerá muito de pessoa para pessoa. “Cada pessoa tem uma base psicológica distinta. Algumas têm uma boa capacidade para enfrentar a mente, porém existem outros, com inteligência emocional menos trabalhada, que possuem mais dificuldades em gerenciar as suas emoções e se desestabilizam com pequenas preocupações e, por coincidência ou não, são os favoritos dos haters. “Isso influenciará negativamente alguns aspetos da vida social delas, como a autoestima, as relações interpessoais, criando medos e inseguranças, além disso as vítimas podem tornar-se também agressores”, concluiu.
“O discurso de ódio tem consequências reais, não podemos deixar o ódio prevalecer sobre o bem!”- ONU
- Estudante do 2º ano da Licenciatura em Ciências da Comunicação da Uni-CV (polo do Mindelo). Trabalho realizado para a disciplina de Português IV Intermodal.